quinta-feira, 27 de abril de 2023

Tempos estranhos, pessoas ausentes.

Blog do Eli de Macedo: O tempo é sapiencial.
Imagem do Google


Luiz Thadeu Nunes e Silva (*)


Por causa de um mal-estar causado por uma dessas viroses que nos assolam, fui parar na emergência de um hospital. Creio que metade da cidade também estava lá, com os mesmos sintomas que eu, tamanho a quantidade de gente. Peguei a ficha preferencial, na entrada, aguardei a vez de ser chamado.

“Sr. Luiz Thadeu”, me encaminhei ao balcão de atendimento. Ficha feita, voltei para o acento, esperando a vez da consulta. O frenesi de pessoas se intensificava com o passar das horas. Mulheres, homens, jovens, velhos, crianças; eu a observá-los. Uma mãe, jovem, roupa de academia, com um filho de uns onze a doze anos, se dirigiu ao balcão. O enfermo era o filho, mas todas as perguntas foram respondidas pela mãe. 

O garoto com fone de ouvido, absorto, não olhava para frente, nem para os lados, olhos fixos na tela do smartfone de última geração, desses que tem a marca da fruta que Eva ofereceu à Adão, expulsando-os do paraíso. Não lembro de nem um dos dois terem dado “bom dia” para a atendente. 

Respondidas as perguntas, olharam em seu entorno. Como não havia lugar para sentar, se encaminharam para um canto do amplo salão. Não trocaram uma palavra. A mãe com celular na mão, o filho idem. Cada um hipnotizado pela tela do celular. Tempos estranhos, em que pais criam filhos que dormem na cama deles até quando querem. Largam mamadeira e chupeta quando querem. Só comem o que querem. Crianças que não podem ouvir um “Não”. Não podem ser contrariados, para não se frustrarem. Filhos antissociais aos 11 anos. Que não dão um “bom dia”, nem “obrigado” ou “com licença”. 

Mas têm o melhor e mais caro celular a cada Natal. Surdos com seus fones de ouvido. Alheios ao seu entorno. Centenas de amigos virtuais, sem interagir com quem está próximo. Pais sempre corridos, sem tempo para acompanhar a vida de seus filhos. Pais sem tempo de brincar; delegaram ao celular a missão de entreter crianças. Tempos estranhos, em que pais não precisam buscar os filhos na festa; o Uber faz isso. Os pais não precisam cozinhar, o Ifood faz isso. Os pais não precisam nem educar. Empurraram isso para escola. Ler para o filho? Cantar música e fazer cafuné? Luxo para poucos. São pais que estão desconectados da realidade. Pais que necessitam de ajuda, mas só aceitam quando a bomba explode. Como agora, nesta onda de violência nas escolas. Pais ausentes, que não abrem a mochila dos filhos, muito menos suas redes sociais. Pais e filhos sob o mesmo teto, mas diálogo zero. Perderam o hábito de assistir a um filme juntos.

Mas adicionaram o hábito da selfie, mostrando alegria de uma família pseudamente perfeita. Afinal, o que importa é mostrar que são felizes. Importante é ter mil curtidas. Tempos de redes sociais.Tudo tem que ser mostrado, todos sorridentes, falsamente felizes. O que importa não é ser, mas parecer ser. Não estar nas redes sociais deixou de ser uma opção para ser um fator de exclusão. E, quando essa geração crescer, o que quer ser? Youtuber, Blogueiro, Vlogueira. Digital influencer. Estudar? Pra quê? Acham que estão em um mundo que já está pronto, portanto, vieram para usufruir, para “curtir”. Responsabilidade zero. Uma geração de imediatistas. Tudo aqui e agora. Não têm tempo a perder. Não por acaso, estamos acompanhando um número crescente de ansiosos e deprimidos. A maioria a base de drogas, lícitas e ilícitas. A indústria farmacêutica e os traficantes agradecem.


(*) Luiz Thadeu Nunes e Silva é Eng. Agrônomo, Palestrante, cronista e viajante. Autor do livro “Das muletas fiz asas”, o latino-americano mais viajado do mundo com mobilidade reduzida, visitou 151 países em todos os continentes.

 

sexta-feira, 14 de abril de 2023

A Feira do Curador

Fonte: Cartão Postal de C. W. Marinho Sereno



José Pedro Araújo(*)


Quando criança, uma das coisas de maior predileção para mim era ir ao Mercado Público do velho e querido Curador para apreciar toda aquela muvuca, observar de olhos arregalados os gritos dos anunciantes em busca de clientes. Coisa de nordestino nato. Tratava-se, naquela época, de um espaço muito amplo para os padrões daquela pequena cidade, local em que, aos sábados, verdureiras, agricultores e pequenos pecuaristas traziam seus produtos para comercializar na feira e os anunciava aos gritos. Isso acontecia somente aos sábados, porquanto, nos demais dias da semana, o espaço ficava vazio e se transformava em uma verdadeira praça.

Em determinado período, um administrador mandou arborizar todo o perímetro da praça com belos pés de Acácia que foram sombreando o local à medida que foram crescendo e conferindo ao local um certo charme e atração.

E porque afirmei que somente em épocas passadas era um espaço muito amplo para os padrões da cidade? Por duas razões. A primeira delas é que os administradores do município foram permitindo paulatinamente que algumas pessoas se apossassem da parte de baixo do quadrilátero formado e construíssem alguns pequenos prédios. Aquela parte era comumente utilizada pelos circos mambembes que transitavam pela região, e até chegou a possuir um parque infantil público muito atraente, lugar em que a criançada adorava desfrutar dos aparelhos até então desconhecidos, como a gangorra e os balanços com suas cadeirinhas móveis, por exemplo.

Depois, no local foram sendo erguidas algumas construções definitivas, mas ainda pequenas casas de tijolo cobertas de telhas. A princípio, com a finalidade comercial, ocasião em que foram sendo instalados pequenas vendas naqueles rústicos prédios. Depois, com o passar dos anos, os pequenos pontos comerciais foram cedendo lugar a outros bem maiores – alguns até com mais de um pavimento – e viraram também a residência desses comerciantes.

Pronto, foi-se embora o parquinho e cerca de um terço do grande largo do mercado. Na parte que ficou, ainda relativamente ampla, os feirantes foram se estabelecendo também por mais tempo, até que já estavam todos os dias por lá, e não somente aos sábados. Já não era possível transitar pela praça em busca dos pequenos pontos comerciais onde muita gente ia atrás de bolo frito, do bolo chapéu-de-couro - esta uma das delícias da cidade que ainda me encanta e aguça o paladar -, e até mesmo da famosa panelada que atraia uma enormidade de aficionados.

Um festival de barracas de todos os feitios e tamanhos foi tomando conta do espaço, transformando o local em um labirinto tão complicado quanto aquele do Minotauro da lenda grega. Ficou uma coisa feia de se ver. Não se respeitou um padrão para as barracas, transformando a feira em um espaço público bem bagunçado mesmo. Enquanto isso acontecia, as árvores que sombreavam o lugar foram sendo cortadas até que não restou mais nenhuma. As desconjuntadas barracas de lona acabaram transformado aquele espaço em uma favela triste e esquálida. E isso bem no centro da cidade. Vielas estreitas passaram a ser o local de trânsito das pessoas que andavam por ali em busca de algum produto para ajudar na feitura das refeições da família. E o que era um local em que os agricultores da região comercializavam o milho verde, o feijão, o arroz, a farinha, pequenos animais e aves, entre tantos outros produtos da terra, foi sendo ocupado por comerciantes profissionais, os chamados atravessadores.

Se há ainda no local alguém que comercialize algum produto cultivado por si mesmo em chácaras e fazendolas do município, eu desconheço. E isso me leva a lamentar que não haja na cidade um espaço definido para que produtores rurais, criadores e horticultores possam vender o produto cultivado e colhido com as suas próprias mãos. E isso é de importância vital e até mesmo um estímulo sem tamanho para as pessoas que vivem ou pretendem viver de uma atividade assim. Pelo que eu sei também, a maior parte das frutas, cereais e verduras consumidas na cidade são obtidos nas Ceasas de Teresina ou de São Luís, que por sua vez são cultivados nos perímetros irrigados de Pernambuco ou na Serra cearense. Para aquelas famílias que trabalham e produzem em suas chacarinhas, ou até mesmo no seu quintal diminuto, onde o cheiro verde, o pimentão, o alface, além de diversas outras olerícolas colhidos poderiam render uma renda extra para as famílias da região, não há um espaço público apropriado.

A propósito disto, em Piracuruca, no Piauí, cidade um pouco menor do que a nossa, a prefeitura do município destinou um espaço simples para os produtores rurais do município realizarem a comercialização dos seus produtos extraídos do campo. Coisa simples, com banheiros públicos e uma estrutura mínima que deu abrigo àqueles produtores que vão ali colocar seus produtos à disposição dos consumidores. E a coisa foi tão bem recebida que virou um grande negócio. Certa vez, fui ao local para me encontrar com um dos produtores que vão ali todas as semanas, sempre às segundas-feiras – este é o dia da Pedra, como o espaço é chamado – e lá tomei conhecimento de toda a importância que aquele espaço conferia à comunidade. Verduras, farinha, feijão, arroz, milho, pequenos animais e até gado, são comercializados pelos próprios produtores que têm ali um espaço digno para expor o que produzem. Os animais ficavam aprisionados nos próprios veículos de transporte – caminhões, caminhonetes, e até pequenas caçambas -, facilitando a escolha pela clientela e o transporte dos mesmos para entrega. A Feira da Pedra virou um grande negócio em que quem precisa de um frango para o almoço da família, ou mesmo de um cabrito, um suíno, e até de um boi, corre para lá às segundas-feiras e escolhe o que melhor se adequa ao seu orçamento e gosto. Feirantes da Ceasa de Teresina levam seus caminhões para lá todas as semanas e voltam com eles abarrotados de animais vivos para serem comercializados na capital.

Mas, voltando à feira do Curador, devo acrescentar que as barracas de lona foram sendo substituídas aos poucos por outras cobertas de telha, e até mesmo pequenos prédios já foram erguidos no espaço destinado à velha feira. Pontos comerciais como uma farmácia, algo difícil de se ver em qualquer feira do mundo inteiro, foi implantado no espaço que já foi antes chamado de Praça do Mercado. E acho que aquilo ali não tem mais volta. No início da administração do atual prefeito, com o propósito de melhorar um pouco o local e dar maior segurança aos feirantes, ele ainda tentou fazer algumas mudanças no local. Quase deflagrou uma revolta popular das grandes, uma guerra civil curadoense.

Devo terminar este texto afirmando que não sou insensível aos trabalhadores que retiram dali o sustento para suas famílias. Acho apenas que o ambiente poderia ser melhorado e transformado em um local bem mais agradável aonde as pessoas se sentiriam mais confortáveis, tanto trabalhadores quando consumidores. O local poderia ganhar pequenas lanchonetes ou restaurantes de comidas típicas, e certamente melhoraria em muito a vida de seus fregueses e, naturalmente, o faturamento dos comerciantes ali instalados.

Os mercados centrais de muitas cidades são hoje ponto de atração para turistas de todos os tipos e gostos, e as pessoas que lá trabalham passaram a ganhar muito mais com o crescente aumento dos clientes. E a visão daquele ambiente público melhoraria muito também, extinguindo-se aquele feio ambiente de favela.

Antes que eu esqueça, como já afirmei em uma crônica passada, a Praça do Mercado foi o primeiro campo de futebol da cidade. Lá, Teresita e Santa Cruz, disputaram verdadeiras batalhas futebolísticas em busca da vitória e da glória para seus atletas. Ó tempora! Ó mores!

(*) José Pedro Araújo é engenheiro agrônomo, funcionário público federal aposentado, historiador, cronista, romancista, e coordenador do blog Folhas Avulsas.