segunda-feira, 27 de abril de 2020

A HISTÓRIA DE CHICO MAROCA

Foto do dia do lançamento - O autor é o quinto da esquerda para a direita 



José Pedro Araújo

No começo deste fatídico ano de 2020 – fatídico por nos ter brindado com a peste do tal Convid 19. Quanto ao resto, nada a reclamar - fui surpreendido por uma ligação do meu grande amigo Chico Acoram, entusiasta colaborador do nosso pequenino Blog Folhas Avulsas. Passava a mim, neste telefonema, a notícia de que estava preparando um livreto com a história de seu pai. Até aí, a notícia não nos trazia nada de fantástica, pois já esperávamos algo assim desde que o autor do contato havia me dito que gostaria de enfeixar em um livro suas crônicas publicadas no blog. A surpresa veio quando ele me disse que contaria a história da vida do seu pai em versos. Confesso ter ficado preocupado, uma vez que o bravo amigo estava se dedicando há muito pouco tempo à laboriosa forma de escrever nesse formato; e posto conhecer apenas trabalhos seus no campo das crônicas já mencionadas. Duvidar, contudo, nunca duvidei, de que ele preparava algo com muito cuidado e, se é possível dizer, com extremo “asseio literário”. Passei, então, a aguardar algo que deveria surgir – pensei - na segunda metade do ano, se muito rápido o Chico Carlos andasse.
Mas eis que me veio a segunda surpresa. Dias depois deste episódio que narrei da sua ligação telefônica, eis que recebo nova chamada dele com a afirmação de que o lançamento do livro já tinha data marcada. E me enviou por meio do WhatsApp, fotos da capa do livro já impresso. Estávamos no começo de fevereiro, portanto, não muitos dias após a sua primeira notícia de que estava trabalhando na história versificada do seu adorável pai.
Nesta última ligação, ele me convidava para o lançamento do livro e marcava a data do dia 13/02. Tudo assim, rápido e açodado, não muito dentro dos padrões do meu amigo, que pensa e repensa antes de fazer qualquer coisa, sobretudo quando o que que planeja se reveste de muita importância. Estava a me deparar com o novo Francisco Carlos Araújo que eu não conhecia, e que atacava de poeta popular. Digo novo, porque o que eu conhecia era meio preguiçoso, literariamente falando, precisava mesmo de uns empurrões para me enviar algo para publicar no blog. Agora, surgia esse, operoso, diligente, nervoso mesmo, no bom sentido da expectativa pela chegada do novo acontecimento que pretendia iminente.
Fui ao seu encontro no dia aprazado. Feliz com a oportunidade de participar do lançamento do primeiro livro do meu amigo dileto, dirigi-me à Livraria Entrelivros, espaço literário que tem se notabilizado por abrigar e organizar grandes eventos desse tipo em uma terra em que se dá pouca ênfase ao mister dos morejadores dessa seara. Deparei-me lá com um seleto grupo composto por alguns dos grandes escritores da terra mafrense, além de uns poucos amigos seus de trabalho.
Lançamento festivo dos mais animados, sem a sisudez de outros tantos por mim assistidos, o evento primava pela organização e pela animação. Contudo, animação, animação, mesmo, era a do pai da criança, digo, do autor que mostrava naquele momento a bela cria que apresentava ao mundo da narrativa escrita. Normalmente uma pessoa feliz, sorridente, o autor extravasava aquela alegria pouco contida dos pais de primeiro rebento, o que me fez lembrar da crônica de Josué Montello escrita na sua coluna no Jornal do Brasil, em que, ao relembrar o lançamento do seu primeiro livro Janelas Fechadas,  dizia que “um mestre português, Afonso Lopes Vieira, chamava de sensualidade gráfica do escritor – do prazer efusivo de quem gosta de apertar contra o peito um menino bonito e rechonchudo”.  Assim estava o nosso autor a acariciar com desvelo de pai extremoso a sua criação que vinha à luz naquela tarde.
E o que dizer da obra? Mesmo sem o conhecimento de um crítico literário, não tenho receios ao afirmar que se trata de obra rebuscada, uma criação à altura dos experientes cordelistas que tive o prazer de ler durante todos esses anos em que me debrucei neste ramo literário eminentemente nordestino. Autores como o grande Leandro Gomes de Barros, respeitado por muitos como o principal nome da arte cordelista, fizeram parte da minha apreciação. Chico Carlos produziu uma epopeia narrativa em estrofes que emociona ao mais duro dos seres humanos com a história, às vezes tristes, às vezes vitoriosa, do homenageado Francisco Maroca, que vem a ser o pai do artista.
Algumas das passagens descritas de forma quase romanesca pelo autor, eu já as conhecia de ouvir da sua própria boca. Contudo, sem o sentimento e o lirismo com que estava sendo contada agora em versos. As perseguições sofridas, as armadilhas urdidas por adversários inescrupulosos, ou mesmo as rasteiras tomadas da própria vida, só não foram maiores do que as vitórias alcançadas, os pontapés certeiros nos fundilhos da imoralidade ética, ou as alegrias desfrutadas ao conseguir elevar ao promontório da segurança a sua prolífica família. Para depois presenciá-la fora, portanto, do alcance dos espertalhões ou dos obtusos senhores feudais vestidos em trapos em vez das brilhantes indumentárias de cavaleiros medievais.
Imagino com que sentimento o seu livro de estreia deve ter sido lido por aqueles personagens que também compõe a história da vida do Chico Maroca. Imagino ainda, terem vertido, se não rios, pelo menos córregos de lágrimas, iguais em volume ao decantado Riachinho, quiçá ao Marataoan das suas lembranças diárias. Imagino, por fim, que o autor deve ter molhado com suas próprias lágrimas o teclado do seu computador no momento em que ia desfiando suas mais tristes lembranças de um período de sofrimento extremo, vivido nas duas cidades que ambientam a saga do mestre da vida, Chico Maroca. E até mesmo desatado o riso farto ao versificar suas passagens vitoriosas e seus dribles fantásticos aplicados nas dificuldades do cotidiano.
Lá se vão trinta anos desde que nos conhecemos, apresentados que fomos pelo nosso querido e saudoso amigo Dr. Rômulo, engenheiro agrônomo dos mais talentosos que conheci, um poliglota consumado que tinha na leitura um dos seus, talvez únicos, passatempos. Desde então, a nossa amizade só cresceu e se encorpou. Lá se vão também os dias em que o autor só se debruçava sobre números e planilhas financeiras, por conta da sua própria profissão de Contador. De lá para cá, veio-lhe a fase das grandes leituras, da troca de carinho com as brochuras, do aspirar o cheiro da tinta fresca das publicações literárias. Para, somente então, descobrir que poderia se tornar também, além de leitor compulsivo, um cidadão lido.  E então passou a escrever as suas crônicas que logo passaram a chamar a atenção dos apreciadores da boa escrita e dos bons assuntos.
As duzentas e vinte uma estrofes que compõe a História de Chico Maroca são, portanto, o momento maior de afirmação do cultor das letras que se transformou em um beletrista refinado. É o que se pode deduzir ao chegarmos à contracapa do seu livro de estreia. Ficamos ansiando por mais, meu caro amigo! E que não tarde muito.

segunda-feira, 20 de abril de 2020

INTROSPECÇÃO



                                                                                    (Chico Acoram Araújo)*

Catucando meus próprios pensamentos,

vejo que nesses tempos tão penosos

Divinas provações e sentimentos

remeterão pra fatos tais danosos.



Mas, em contrapartida, ensinamentos

sei que virão, embora que custosos

ensejarão bonanças e proventos

pra que novos dias sejam venturosos.



Depois da paranoia e medo da morte,

uma mão invisível do Supremo

Deus tocará no âmago das gentes



de tão boa vontade e de ação forte

resgatarem o mundo desse extremo

egoísmo dos homens indecentes.

(*) Chico Acoram é poeta e cronista.

terça-feira, 14 de abril de 2020

VIAJAR, O Doce Ofício (4) – Problemas Acontecem.



José Pedro Araújo

Interrompo a calma do meu exílio para observar os transtornos causados pelo vírus maldito ao mundo, especialmente à Europa, berço das civilizações, e fico penalizado de ver as ruas de Roma, Paris, Lisboa, Barcelona e Londres completamente desertas e sem o afluxo de pessoas que parecem contribuir para o embelezamento dessas cidades, como a lhes dar vida. Observar a praça de San Marco completamente vazia de gente e até mesmo de suas cadeiras coloridas, entristece-me. Ou a Fontana di Trevi, em Roma, sem um vivente que seja para admirar a beleza milenar de suas águas expelidas por belíssimas obras de arte esculpidas pelos arquitetos Salvi & Panini, é doloroso. Ou mesmo a avenida que nunca adormece, La Rambla, em Barcelona, vazia e sonolenta, como se o povo tivesse se cansado de bater pernas pela sua alameda arborizada, parece o fim dos tempos. Isso me leva a pensar em como é bom viajar, conhecer outros povos, outras paisagens, outros costumes e outros climas, enfim. Ficar sem isso, abrir mão disso, é um retrocesso para a humanidade que tanto batalhou para aproximar as principais regiões do planeta com a descoberta de meios viários mais rápidos e eficientes.
Mesmo sabendo que, às vezes, pequenos atrapalhos surgem nesses bater de pernas por cidades e países daqui e de além mar. Senões que nos acontecem quanto menos esperamos, que sempre pegam de surpresa, fico a imaginar nas delícias de uma viagem de conhecimento. E que os problemas que, às vezes, nos ocorre, são meros obstáculos que elevam o nível de adrenalina no nosso sangue. Fazem parte do pacote. E se alguns problemas são de seriedade preocupante, outros são mais hilários do que propriamente causadores de grandes preocupações. Se uns são de pequena monta, enfim, outros mais preocupantes, e nos trazem desassossego. Uns podem ocorrer aqui perto de casa, outros em cidades distantes da nossa. É por essa razão que toda viagem deve ser precedida de um planejamento cuidadoso para que tudo possa sair a contento, sem grandes atropelos ou riscos. Entretanto, mesmo assim, situações que nos fogem inteiramente ao controle acontecem. São naturais e, tempos depois, ficam apenas como casos esdrúxulos na história de nossas vidas.
Uma dessas situações de viagem nos causou mais desconforto do que propriamente tenha se caracterizado em um grande problema.  E aconteceu bem perto de casa, a pouco mais de trezentos quilômetros, mais precisamente no litoral piauiense. Planejamos uma viagem com dois cunhados e seus familiares para um feriado prolongados desses, que não sei bem se de Semana Santa ou Carnaval. Fui encarregado de alugar uma casa na Praia do Coqueiro pertencente a um colega de trabalho. Ele havia me oferecido o imóvel por um preço relativamente bom. Falou-me com entusiasmo da casa, tanto que, quando me pediram que encontrasse uma casa para alugar por alguns dias, não pensei duas vezes, lembrei-me imediatamente da do colega e a aluguei sem nenhuma dificuldade. Pagamento antecipado, é lógico. Amigos, amigos, negócio à parte. E lá fomos nós, as tralhas atulhando os automóveis em volume equivalente ao de uma mudança definitiva. Seis crianças e seis adultos felizes com a possibilidade de dias soberbos em praias do litoral piauiense partiram de Teresina no começo da tarde de um esplendoroso dia de sol.
Pouco depois das quatro horas da tarde estacionamos em frente ao restaurante Alô Brasil, na Praia do Coqueiro, para um almoço com cara e hora de jantar. E ali já começou meu infortúnio. Comi, ou bebi, algo que não me caiu bem, de modo que passei aquela noite, e o dia seguinte, sofrendo de tormentosas dores de barriga que me tiraram um pouco a minha alegria. Permanecemos no restaurante até o final da tarde e fomos em busca da casa onde nos hospedaríamos. E para chegarmos lá, nos deparamos com a primeira dificuldade. Tivemos que seguir pela praia e depois subir uma duna bem elevada. A nossa hospedaria ficava lá no alto. Quase não consegui fazer o meu carro chegar lá em cima. E isso só aconteceu depois de algumas tentativas e quando a noite já havia chegado completamente.
Entretanto, os nossos problemas não terminaram aí. Logo ao estacionarmos, verifiquei que existiam muitas pessoas no alpendre. Cerca de seis a oito pessoas, para ser mais preciso. Era o caseiro, com a mulher e filhos, e muito mais gente, todos chegados no dia anterior. Para aproveitarem o feriado, havia vindo seus sogros, alguns cunhados, e o avô cego da mulher do caseiro. Em suma: os quatros quartos da casa já estavam todos ocupados. Meu colega havia me dito que havia somente o caseiro e a mulher, mas que eles ocupavam tão somente as dependências de empregada da casa.
A visão de tanta gente nos causou terrível desassossego. Voltar para casa àquela altura do dia, seria quase impossível, mesmo que não tivéssemos ingerido algumas cervejas já por conta do feriadão. E o que dizer da distância. Não. Isso estava fora de questão, concluímos. Só nos restava fazer valer o nosso direito.
Fomos conversar com a caseiro que estava aflito e desnorteado. E depois que ele nos disse que não tinha como mandar de volta para casa o seu pessoal, por hão haver mais ônibus àquela hora da noite, decidimos procurar outra saída para o problema. Depois de muita conversa, chegamos ao que nos pareceu a saída mais sensata: ficaríamos com dois dos quartos da casa. E também com o alpendre.
Depois disso, decidimos que as mulheres e as crianças dormiriam nos dois dormitórios e os homens no alpendre. Foi a saída salomônica encontrada, uma vez que não pretendíamos criar problema para aquelas pessoas que, afinal, não haviam sido informadas da nossa chegada pelo dono do imóvel.
A primeira noite, foi pavorosa para alguns dos que dormiram fora da casa. Um vento frio e forte açulou as nossas redes a noite inteira e nos impediu de dormir por períodos longos. A minha rede parecia uma barra de gelo, não deu para fazer muito nessa noite. No dia seguinte procuramos alternativas. Protegemos bem as nossas redes, pus a minha em um lado do alpendre que ficava mais protegido do vento e o problema foi em parte debelado. Deu para nos adequarmos e nos acomodarmos melhor nas noites seguintes.
Mas ainda tinha o fato de a casa estar regurgitando de gente. O velho cego ficava o dia inteiro sentado em uma cadeira, mascando fumo e cuspindo no chão e, vez ou outra, acertava uma cusparada em uma das nossas crianças que passavam inadvertidamente pela sua frente naquele momento do cuspe. Nesses momentos as mulheres ameaçavam partir para uma guerra civil contra a outra turma, e até mesmo arrumar as trouxas para voltarmos para casa. Mas já estávamos nos acostumando e até gostando dali. Afinal, a praia era belíssima e nos convidava a permanecermos mais uns dias por ali. E assim, fomos ficando, ficando, até que, quando chegou o dia do retorno para casa, partimos saudosos. Meus cunhados até já haviam deixado de me olhar atravessado, culpando-me por todos os problemas decorrentes ao aluguel daquela casa.
Mas me deparei com problema de outra natureza, e até mais grave. Surgiu em uma viagem que fizemos a Portugal e a Espanha. Formamos um grupo de doze pessoas e eu, juntamente com outro colega, ficamos responsáveis pelo planejamento da viagem. Pretendíamos fazer algo diferente das outras, sem o assédio ditatorial dos guias de viagem a nos dizer a hora de fazer tudo, desde o acordar. E foi assim que nos responsabilizamos por todas as etapas da empreitada, deixando apenas a contração de um hotel em Barcelona por conta de uma agência de viagem. E isso mesmo porque não estávamos conseguindo contratar um hotel que pretendíamos por ser achar localizado exatamente em La Rambla, a principal e mais alegre avenida da cidade. Estava sendo a viagem mais agradável de todas já feitas. Tudo vinha acontecendo dentro do nosso planejamento, para nossa felicidade. E foi assim, até chegarmos a Barcelona, onde passaríamos os cinco dias restantes. Seria a cereja do nosso bolo, o ponto alto da nossa viagem. Mas eis que...
Fiz o meu check-in e subi para o quarto para descansar por alguns minutos, para depois enfrentar o primeiro passeio para reconhecimento da belíssima cidade. Todavia, mal havíamos desarrumado as malas, o telefone tocou. Era da portaria. Estavam me requisitando para solucionar um grave problema que estava ocorrendo com duas colegas que deveriam ocupar juntas o mesmo apartamento. Mas a empresa de turismo responsável pela contratação não havia informado que seria apartamento duplo. E o quarto destinado pelo hotel daria apenas para uma delas. Mas havia notícia pior. Nem pagando por fora seria possível resolver o problema, uma vez que não havia mais quarto disponível. Existindo mesmo até lista de espera. Tive uma discussão séria com uma atendente grosseira que não admitia nem pensar em uma solução para o problema. Dizia que o hotel não tinha nada com o nosso problema e pronto. Era caso solucionado para ela. E quando lhe perguntei se não seria possível instalar outra cama de solteiro no quarto, ela achou que era possível fazer. Mas não disse porquê.
Depois fiquei sabendo que o quarto era tão pequeno que não daria para acomodar outra cama. E essa informação fiquei sabendo quando exigi a presença do gerente do hotel, já que estava ficando impossível conversar com a funcionária irredutível. Por fim, depois de muita negociação, conseguimos que disponibilizassem um quarto duplo para o dia seguinte. Uma das nossas colegas dormiria em um dos apartamentos ocupados por nós naquela primeira noite. Por um custo altíssimo foi solucionado o problema. Mas as duas colegas tiveram que pagar quatro diárias em quarto duplo e por um valor sem desconto e que era o preço normal do hotel para acertos feitos diretamente no balcão da recepção.
No final, tudo resolvido. Mas quase tivemos a nossa estada em Barcelona prejudicada. Depois de tudo veio o melhor, como sempre acontece, desfrutamos de dias paradisíacos na cidade de Gaudí, aproveitando tudo de bom que aquela bela metrópole catalã pode apresentar para seus felizes visitantes. 
Um outro problema, que considero de gravidade máxima, quase fez com que uma viagem fosse interrompida ainda na metade do seu desenrolar. Estávamos em Paris e resolvemos passear em Champs Elysees, iniciando uma manhã que pretendia ser uma das melhores da viagem que, até ali não havia nos apresentado nenhum problema. Café tomado, alegria a nos contagiar, fomos orientados por um funcionário do hotel que seria fácil e rápido tomar o metrô para o nosso destino. Sem falar na oportunidade de conhecer o sistema de transporte de massas da cidade Luz, que era um dos mais eficientes e convidativos do mundo. E lá fomos nós, para um dia de pernadas por Paris. De fato, a estação ficava perto, e nosso metrô chegou exatamente na hora prevista. Embarcamos tagarelando em uma composição quase lotada, de forma que tive que ficar em pé, no centro da composição, de frente para a minha mulher e mais alguns colegas. Outras pessoas ficaram próximas de mim, também seguras na mesma barra vertical. Inclusive duas mocinhas. Uma de um lado, outra do outro, e sempre que o metrô acionava os freios para parar em uma estação, as moças se aproximavam mais de mim. Achei normal, não me preocupei.
Devo dizer que já havíamos sido informados que haviam muitos punguistas (batedores de carteira) dentro dos trens. E por essa razão, a minha mulher havia insistido comigo para que eu colocasse o dinheiro naquela sacolinha que se usa para guardar valores em espécie e que depois fica escondida dentro das nossas roupas. Teimei e disse que colocaria o dinheiro em duas partes nos bolsos da frente da calça. Que até mesmo eu tinha dificuldade de meter a mão lá. Não haveria problema. E por mais que ela insistisse comigo, teimei e fiz como havia planejado.
Pois bem, as duas moças que estavam ao meu lado no metrô eram duas ladras ciganas que passavam o dia roubando os passageiros. Batedoras de carteira profissionais, em uma das vezes que o maquinista acionou os freios para parar em uma estação, elas conseguiram, ao mesmo tempo, introduzir as mãos em meus bolsos e subtrair todo o dinheiro que eu levava comigo. Só não contavam com uma moça que estava sentada junto à minha mulher e que tentou alertá-la para o problema. E como não conseguiu se fazer entender, levantou-se e agarrou na gola do casaco da cigana e, depois de alguns safanões, e um tapa no rosto da ladra, fez com que deixasse o dinheiro suprimido cair no chão do metrô. Depois disso, a moça apanhou o dinheiro e me entregou. E somente então, pressenti que o outro bolso devia ter sido atacado também.
De fato, ele também estava vazio. Virei-me a agarrei a outra mulher que já ia se afastando de mim, puxei e mandei que devolvesse o meu dinheiro. Ela reagia e dizia que não tinha feito nada. Eu a sacudia e insistia que me devolvesse o dinheiro, e nada. Meu irmão, levantou-se do lugar onde estava e agarrou no outro braço da ladra e deu-lhe algumas sacudidas até que ela, vendo-se em maus lençóis, soltou no chão o dinheiro que tinha em uma das mãos. As duas malandras haviam me aliviado de quase todo o dinheiro que me restava para o restante da viagem. 1.200 euros. Seiscentos de um bolso, 600 do outro. Escapei de boa. Só não escapei da gozação dos colegas e das admoestações da minha mulher. Um dos colegas dizia, gozando-me, que eu havia lucrado na brincadeira, que eu havia ficado com todo o dinheiro do apurado das duas punguistas naquele dia.
E o pior é que já havia passado por problema quase idêntico no metro de Roma anos antes, mas não havia reforçado minha segurança e os meus cuidados.
O último caso que conto, para não me alongar mais do que já fiz, e são vários os casos, se deu de um modo mais engraçado do propriamente com o estresse dos outros já contados. Certa vez, estando no aeroporto de Lisboa para uma conexão, resolvemos procurar um restaurante para comer uma bacalhoada, já que voltávamos para casa naquele mesmo dia. O Aeroporto de Lisboa, para quem não o conhece, é enorme, e precisamos andar alguns quilômetros até chegarmos ao restaurante que um dos colegas afirmou conhecer. Lá chegando, enfrentamos uma fila considerável. Funcionava também como Self Service.
Apanhei um prato e fui direto para a moça que servia a iguaria pretendida. Disse-lhe que queria bacalhau e um pouco de arroz. Ele olhou rispidamente para mim e me disse que não combinava. Eu insisti que queria mesmo assim. E ela voltou a me dizer que não combinava arroz com bacalhau, e me mandou seguir em frente pois já estava atrapalhando quem vinha atrás. Falei que estava acostumado a comer bacalhau com arroz, mas mesmo assim ela me disse grosseiramente que não ia me servir. Que bacalhau se comia com batatas. Me chateei e gritei com ela que queria ver o gerente. O clima ficou pesado e, nesse momento e gerente apareceu, alertado pelo discussão. Havia ouvido de longe a discussão, e mandou que ela me servisse da maneira que eu quisesse.
O Gerente, depois de me pedir desculpas, afirmou que já havia trabalhado no Rio de Janeiro, e que adorava o Brasil e a comida dos brasileiros. Não foi uma situação com muito agravante, mas prova apenas que passamos por algumas situações quando estamos viajando, que tira um pouco o brilho das viagens. Nada, contudo, que nos impeça de pensar em voltar tantas vezes quanto tivermos a oportunidade de empreender uma bela viagem turística.