quarta-feira, 29 de dezembro de 2021

UM RETRATO NA PAREDE

Artista: Ricardo Araújo(10 anos)

 

(Chico Acoram Araújo)*

 

            No domingo passado o clima da nossa casa foi um pouco indolente, apático.  Um delicioso cheiro de guisado de carneiro com leite de coco exalava na cozinha. Como de costume, aguardava-se os netos e seus pais para o almoço. O ambiente parecia um enorme casarão. Breves diálogos ocorriam entre seus dois únicos ocupantes. – Parece que a “netaada” não vem hoje? – disse eu, brincando, para Adilina. O silêncio reinava. Apenas as panelas chiavam com a fervura dos alimentos. Enquanto isso, degustávamos um vinho tinto seco que eu comprara no supermercado do bairro. Decidimos almoçar. Já passava das 14 horas. A algazarra dos meninos ficou para outro final de semana. O almoço de segunda-feira estava garantido, com o chamado “RO” (resto de ontem). O dia continuou preguiçoso, caminhando em passos lentos. A noite chegou, enfim. Fomos dormir.

            No dia seguinte, por volta das nove horas da manhã, Adilina me mostrava, no seu celular, uma mensagem de áudio enviada por um neto, o Renato. Este tem apenas quatro anos de idade. É o segundo dos três filhos da minha filha caçula Patrícia. – Vó, estamos indo almoçar aí na sua casa; pode ser? – Pode sim, respondeu a avó. Por volta do meio-dia chegaram os visitantes. Acompanhavam a mãe, o recém-nascido Talisson, Renato e o Ricardo, o mais velho com dez anos de idade. Mais tarde, minha filha Josy Kelly, que mora nas proximidades, veio deixar seu primogênito João Guilherme, nove anos de idade, para brincar com os primos. É período de férias escolares. A alegria só não foi completa em face de que as netas Gabriela e Sofia, filhas de Vitor, viajaram com a mãe para casa da avó materna que fica em outro Estado distante. O almoço foi servido.

            Horas mais tarde, ouvia-se os gritos dos meninos brincando no quintal da casa. Quintal? Na verdade, refiro-me a uma diminuta área situada entre a casa e o muro, medindo aproximadamente três metros de comprimento por nove de largura, sombreada pela copa de uma enorme e “sujona” árvore do vizinho, ladeada por uma churrasqueira de alvenaria e as colunas de concreto da caixa d'água. No entanto, é o local predileto para o divertimento das crianças. Ah, se eles tivessem tido a oportunidade de brincar no meu quintal da casa quando a nossa família ainda residia em Barras? A casa onde morávamos ficava localizada na confluência do rio Marataoã com um lago, no Bairro Boa Vista. Além do rio e o lago, me divertia bastante no grande quintal da nossa residência, sem cercas, com vários tipos de fruteiras com guabiraba, cajueiro, mangueira, goiaba e outras árvores. E o terreiro da morada? Era perder de vista! Da janela da casa contemplava-se o rio Marataoã e os pássaros ribeirinhos.

            De repente, as crianças emudeceram. Todos quietinhos. Apenas se ouvia o canto dos bem-te-vis, das rolinhas e de alguns periquitos que transitavam pela árvore do quintal do vizinho. – “Quando menino fica quietinho, certamente está doente ou aprontando alguma travessura” - pensei. Não deu outra. Chegando no quintal, observei que o neto Ricardo estava com um pedaço de carvão rabiscando, avidamente, uma das paredes dos fundos da casa, ao tempo em que olhava atentamente para o seu primo João Guilherme sentado, inerte, no primeiro degrau da escada de ferro que servia de acesso à caixa d’água. Incontinente, com a cara de poucos amigos, perguntei por que ele estava riscando a parede. Por sua vez, me respondeu com toda a pureza d’alma que estava desenhando o retrato do seu primo. Sem prestar muita atenção para a figura rabiscada na larga e branca parede, adverti ao artista e ao retratado que seus respectivos pais iriam pintar a parede e deixá-la tudo bem branquinho.

            Feita a advertência aos meninos que já me olhavam desconfiados, voltei a olhar com mais atenção para a pichação na parede. Olhei para o outro neto que continuava sentado, parado, no degrau da escada da caixa d’água. Olhei novamente para o desenho na parede. Sorri para ambos. - Não é que o retrato tinha grande semelhança com o João Guilherme! Exclamei. “Esse meu neto Ricardo tem futuro; só precisa de motivação”, pensei. Esperem-me aí. Fui lá dentro pegar o celular para fotografar aquela figura. Depois de fotografar o desenho, falei para os meninos, que já me sorriam aliviados, que o retrato estava muito legal. Dei parabéns ao artista e ao retratado. Até o momento, a bela arte continua cravada naquela branca parede que serviu de tela para um promissor artista.  Se depender do avô, o retrato deverá ficar na parede por tempo indeterminado.

(*) Francisco Carlos Araújo, é contador, funcionário público federal, poeta cordelista, cronista e autor do livro O Menino, O Rio e a Cidade.

(**) O livro “O Menino, O Rio e a Cidade”, encontra-se à venda nas principais livrarias de Teresina.