quarta-feira, 31 de agosto de 2016

Ainda Sobre Eleições (Partre 2)

Braz, carroceiro-vereador do Recife 


José Pedro Araújo

Passadas as eleições, sobram as reclamações para quem perdeu, e as comemorações para quem ganhou. De verdadeiro, temos o fato de que os candidatos que lograram resultados favoráveis no pleito recém-realizado serão os responsáveis pelos destinos do nosso município nos próximos quatro anos. E isso significa que a estes entregamos as chaves e a senha do cofre que contêm o nosso dinheiro. Dinheiro necessário para bancar as despesas com a educação, a saúde, a segurança, a conservação das estradas e a limpeza das ruas, além de fazer face ao pagamento da folha dos servidores municipais, deixando ainda os demais serviços públicos em perfeita ordem de funcionamento.
E por esta razão, aproveitando o fato de estarmos sob o fogo intenso da paixão político-eleitoral, vou tratar de alguns casos ocorridos no país em tempos passados, procurando dar a eles um pouco menos da sisudez que a matéria deveria ter.
Começo afirmando que eleitor é bicho arredio. Você olha para a cara de um sujeito que conhece desde pequeno e não consegue dizer se ele está falando a verdade quando diz que votou em você. Não dá para saber mesmo. Sobretudo se você não é bem aquele candidato experiente, já banhado e enxaguado pelas urnas em eleições anteriores. Aí então não consegue mesmo saber se o seu interlocutor está falando a verdade ou se está zombando da sua inexperiência.  
Mas eles têm razão por agirem assim, meu caro amigo. A maioria já penou barbaridade nas mãos de políticos inescrupulosos, o que justifica hoje estarem com um pé atrás. E ainda bem que podem agir assim, com total independência, acobertados por novas salvaguardas legais.  E isso se deve ao aprimoramento do processo eleitoral em nosso país.
Hoje, os eleitores estão blindados quase que completamente contra o que se chamava antigamente de “voto de cabresto”. Já é possível esconder em quem se votou, diferentemente do tempo em que o voto era monitorado pelo chefe político até o momento em que era depositado na urna. Quem não se lembra do tempo em que o eleitor, antes de ir votar, passava pela casa do coronel, apanhava uma cédula eleitoral oficial já votada, dirigia-se à sua secção, recebia a sua cédula em branco das mãos de um dos mesários e, na cabine, colocava-a no bolso, depositando na urna aquela que trazia consigo já devidamente preenchida? Depois, era só retornar à casa do chefe político e devolver a cédula que recebera dos mesários. Esta seria entregue a outro eleitor, que repetiria o mesmo procedimento.  Estava consumado o tal voto de cabresto. Esse processo se repetiria durante todo o dia da eleição, valendo para todas as secções eleitorais do município. Assim, o que saia das urnas era a vontade do chefão e não a do eleitor.
Mas, havia outras maneiras pouco democráticas de se fraudar uma eleição. Em determinadas regiões as eleições eram decididas de maneira muito mais simples do que esse jeito que eu acabei de narrar. Em algumas cidades, os chefões da política local simplesmente enchiam as urnas com os votos com os nomes de seus candidatos antes mesmo que o processo de votação se iniciasse. Ou até mesmo depois, substituindo-se os sufrágios depositados pelos eleitores, por outros preenchidos por eles mesmos. Dizia-se que as urnas já estavam prenhes quando foram instaladas para coletar os votos dos eleitores. Estão achando difícil de ocorrer isso? Pois aqui mesmo no Curador, em uma eleição ocorrida há muitos anos, deu-se um caso até mais esdrúxulo. Alguns partidários de determinado candidato, quando as urnas se fecharam foram armar tocaia, ali na altura da Santa Maria, ao transporte que as conduziria para Pedreiras, local da apuração. Assim, quanto o veículo passava pelo local, foi impedido de prosseguir e as urnas tomadas das mãos dos militares que as conduziam. Ato contínuo, os tais indivíduos se embrenharam no mato, sumindo com o resultado do pleito. Juntamente como os militares que transportavam as urnas, seguia o Juiz da comarca.
Bem, torna-se importante esclarecer que este foi um processo muito grosseiro de se fraudar uma eleição, e o resultado dessa ação terminou por colocar algumas pessoas na cadeia, pela infantilidade e indignidade do ato, apenas para se dizer o mínimo. Mas, existem milhares de outros casos, acontecidos em diversas partes deste imenso país, que foram tão violentos quanto este, ou até mais, e que não geraram nenhuma penalidade contra os seus executores.
É bem verdade que o eleitor também tem demonstrado a sua revolta com os políticos sufragando alguns nomes que nem ao menos constavam do processo eleitoral. Outros, até constavam, e receberam grande votação como forma de protesto. No primeiro caso, temos o hipopótamo Cacareco, que recebeu mais de 100.000 votos nas eleições de 1.958, suficiente para elegê-lo para uma das 45 cadeiras da Câmara de Vereadores de São Paulo. Do mesmo modo, o macaco Tião, um chimpanzé do zoológico Carioca, ficou em 3º lugar na eleição para a prefeitura do Rio de Janeiro em 1988, obtendo mais de 400.000 votos. Obviamente, esses votos foram declarados nulos, uma vez que os votados não constavam da relação de candidatos apontados como aptos a serem sufragados nas eleições daqueles anos.
Mas há também o caso do velho carroceiro do Recife (lá conhecido pejorativamente como Burro-Sem-Rabo), Braz Batista, que arrastava sua carroça pelas ruas da cidade catando papelão para vender. Foi eleito diversas vezes vereador da cidade, ocupando uma cadeira no legislativo municipal por 16 anos. É bem verdade que ele recebeu votos de protesto apenas na primeira vez em que se apresentou como candidato, votado maciçamente pelos eleitores das classes média/alta residentes em Boa Viagem e adjacências. Depois, como prestasse excelentes serviços aos mais pobres das favelas da zona em que morava, voltou à Câmara Municipal do Recife, pelo menos mais uma vez. Os eleitores terminaram por acertar na escolha, mesmo sem querer. Braz até tentou ser deputado, mas os eleitores da capital o queriam mesmo era na câmara municipal, e despejavam nele uma montanha de votos. E ele fazia bonito. Ainda lembro-me de um velho caminhão que ele usava para prestar serviços de mudança para as famílias pobres da periferia. Ainda tentou aumentar os serviços, transformando um velho automóvel em ambulância, para transportar doentes aos hospitais da cidade. Mas o Detran não permitiu e, vez por outra, apreendia a sua assistência, para desespero do vereador.
Recentemente, nas eleições municipais de 2016, no meu Curador, um grupo de jovens desencantados com a situação política no município resolveu mostrar o seu descontentamento ou a sua força, vai saber, e lançaram o nome de um coveiro, figura muito conhecida nos botecos da cidade, para o cargo de vereador. Fizeram uma campanha tão empolgante que Ozenilson "O Infeliz", operário do serviço funerário, ficou com a segunda colocação entre os eleitos mais votados. E na primeira oportunidade, o eleito deixou as hostes das oposições e se bandeou para o grupo do prefeito, abandonando seus cabos eleitorais a ver navios. Veremos como fica o bravo coveiro nas eleições de novembro próximo.
Concluo dizendo que um voto de protesto é um voto nulo, que não revela a responsabilidade que devemos lhe dar. Diria mais, um voto sem o devido cuidado, pode se revelar uma arma poderosa contra nós mesmos. Ao elegermos um candidato ou candidata ruim, mal intencionado(a), estamos assinando um cheque em branco, repassando para ele o nosso aval por todos os atos que ele vier a praticar. Estamos afirmando, na verdade, que todos as ações adotadas pelo eleito, estão de acordo com o que pensamos e que também faríamos daquela forma. Assim, quem usa o seu voto para protestar, poderá está contribuindo para transformar a representação política da sua região em algo que não cabe nem dentro de um zoológico. Mas, e se nos aparecer um Braz Batista? Aí acertamos em cheio na loteria eleitoral, é só o que eu posso responder.

sábado, 27 de agosto de 2016

Discurso de Posse do Primeiro Prefeito Eleito do Curador

Ariston Leda à direita do Pres. da República, Gen. Dutra*



José Pedro Araújo
Não tanto pela excelência do texto, mas o documento que transcrevo a seguir possui importância histórica para Presidente Dutra e, por conseguinte, para aqueles que se interessam pela história deste valoroso município. E assim sendo, descrevo abaixo, ipisi literis, o discurso de posse do Exmo. Senhor Prefeito eleito do Curador, Ariston Arruda Leda, proferido no dia 19.05.1948. O pleito, ocorrido em 19.01 daquele mesmo ano, transcorreu em clima de relativa segurança, dada à indicação do Coronel Antenor Dias de Carvalho para interventor do novo município. O coronel a que me referi, ocupava relevante cargo na segurança do estado, e foi destacado pelo governador para pacificá-lo nessas primeiras eleições, e substituiu a Nelson Sereno por ocasião da sua renúncia ao cargo de interventor municipal. Antenor Carvalho se demoraria no Curador somente o tempo necessário à realização do pleito, logo retornando à capital, deixando em seu lugar o servidor público estadual Raimundo Luz.

Se as eleições transcorreram em clima de relativa segurança, o que viria depois provocaria verdadeira guerra de bastidores, para dizer o mínimo. Inicialmente, após contagem dos votos, foi proclamado vencedor o Senhor Virgolino Cirilo de Sousa, candidato do Partido Social Democrático (PSD). Insatisfeito com a proclamação do resultado, que julgou viciado, Ariston Leda, que concorria pelo P.S.T, buscou revertê-lo na justiça eleitoral, logrando êxito. E assim, quatro meses após a realização do pleito, foi empossado no cargo de primeiro prefeito eleito do município de Curador. Abaixo, portanto, uma réplica do seu discurso de posse:

“Meritíssimo Senhor, Porciúncula de Morais,

Digníssimas autoridades,


Senhoras e Senhores,

Hoje ao empossar-me no cargo de Primeiro Prefeito Constitucional de Curador, quero trazer de público o testemunho sincero da minha gratidão àqueles que sufragaram nas urnas o meu humilde nome. Sei ter sido árdua a campanha que tivemos que enfrentar, antes do pleito e mesmo depois dele. Contudo, conseguimos vencer galharda e condignamente.


Afianço-vos de que a luta que teremos que empreender doravante, requer de todos nós curadoenses um esforço conjunto e contínuo, afim de que possamos formar ao lado dos demais municípios maranhenses, numa posição de destaque, que seja, para todos nós, motivo de justo orgulho.


Asseguro aos meus conterrâneos, pois já me considero curadoense de coração, de que na minha gestão tudo farei para que tenhamos um ambiente de paz, tranquilidade e trabalho.


Envidarei os maiores esforços junto à alta esfera administrativa do Estado para dar a Curador aquilo de que mais ele carece no momento, assim como transporte, escolas, amparo ao agricultor e ao criador, etc., visto serem estes os problemas mais urgentes e que estão a exigir solução imediata.
Como sabeis, somente agora o município conseguiu integrar-se, de fato, em sua primeira fase autônoma. 


Para realizar o que tenho eu em mente, conto eu com o apoio decisivo do senador Vitorino Freire, valoroso chefe do nosso partido, do Dr. Alfredo Duailibe, digno presidente da executiva do PST, secção deste Estado e de Homero Braúna, Digníssimo Delegado Regional do Trabalho no Maranhão e grande e esforçado amigo de Curador.


Espero, de modo especial, a colaboração sincera e honesta dos curadoenses em geral, afim de que possamos trabalhar, sem desfalecimentos, para o maior soerguimento moral, cultural deste município, fazendo-o rico e futuroso. Pois, engrandecendo-o, estamos contribuindo para o nosso próprio engrandecimento.

Certo de que ia encontrar entre todos vós a melhor acolhida e uma cooperação leal foi que me levou a aceitar tão espinhoso cargo.


Finalizando, quero agradecer, de modo especial, o comparecimento do povo a este ato, não só em meu nome, como em nome dos meus amigos e em nome do partido que tenho a honra de pertencer. Quanto às elogiosas referências feitas à minha humilde pessoa, apesar de imerecidas, sensibilizado, agradeço-as”. 


"Ariston Arruda Leda”.


*A fotografia que ilustra este texto foi uma cortesia do Dr. Antenor Leda Filho

domingo, 21 de agosto de 2016

A Agonia do Parque Nacional Serra da Capivara

Sítio da Pedra Furada



José Pedro Araújo
Desde muitos anos temos acompanhado o caminhar agonizante do Parque Nacional da Serra da Capivara, localizado no semiárido piauiense. Originalmente criado em 1979 com uma área de 100.000 ha, o parque foi beneficiado com um acréscimo de mais 35.000 hectares, através da desapropriação de áreas contíguas a ele em cuja região foram identificados novos sítios arqueológicos. Entretanto, a gleba sob os cuidados do ICMBio é muito mais extensa, abrangendo um território de 414.000 hectares, após a criação de um Mosaico Ecológico pelo Ministério do Meio Ambiente, juntando em uma só formação os Parque Nacionais da Serra da Capivara, Serra das Confusões, e o Corredor Ecológico existente entre estes.  
O Parque Nacional Serra da Capivara está encravado nos municípios de João Costa, Coronel José Dias, S. Raimundo Nonato e Brejo do Piauí. Transformado pela UNESCO em Patrimônio Cultural da Humanidade em 1991, é uma das mais importantes unidades de conservação existentes no Brasil, tanto pela importância dos seus sítios arqueológicos como pelas descobertas ali realizadas.
Desde a sua criação o parque trava uma queda de braço com uma parte da população dos municípios em cujo território ele se acha localizado em razão, principalmente, da expropriação de muitas fazendas antigas, mas também pela extinção de alguns povoados que se encontravam na sua área de abrangência. E para piorar a situação, parte dessas famílias demoraram anos para receber o que lhe era devido, sendo que algumas até pouco tempo atrás ainda estavam a esperar pelo dinheiro da indenização. Cerca de cinco anos atrás tive a oportunidade de visitar a parte mais nova do parque, e vi muitas sedes de fazendas ainda de pé e em bom estado de conservação, cercadas por muitas fruteiras, como se aquelas famílias nunca tivessem saído dali, ou como se tivessem saído apenas momentaneamente. Eram estas as que estavam ainda no aguardo das indenizações que deveriam advir dos órgãos ambientais.
Passarela de Acesso às inscrições
A propósito disso, ai por volta de 1997 o INCRA foi procurado pelo Superintendente do IBAMA para propor a aquisição de um imóvel nas imediações da cidade de São Raimundo Nonato com o objetivo de abrigar um número significativo de famílias expulsas do parque. Esses excluídos, após saírem de suas povoações originárias, haviam ido residir na periferia da cidade de São Raimundo, e passavam por dificuldades por não saberem desempenhar outra atividade que não a agrícola ou a criação de animais. Deparavam-se, além disto, com um problema comum nas cidades: o envolvimento dos filhos com tudo que há de ruim em um aglomerado urbano. O INCRA providenciou a desapropriação do imóvel denominado Lagoa do Padre, área de excelente qualidade para os padrões do semiárido, e assentou mais de 200 famílias lá. O Projeto de Assentamento está hoje bem estruturado, e é um dos aglomerados rurais mais populosos do município.
Entretanto, pelo tamanho da área de abrangência do parque, centenas de outras famílias foram também atingidas após a criação do parque, e obrigadas a retomar suas vidas longe do local em que já possuíam pequenas unidades agrícolas instaladas. 
Em 2013 o INCRA voltou a atuar novamente na região, criando dois projetos de assentamento diferentes do modelo costumeiro, utilizando um formato mais adequado para a região: o de Projeto de Desenvolvimento Sustentável. Localizados nos municípios de Coronel do José Dias e São Raimundo Nonato, limítrofes ao parque da Serra da Capivara, esse novo tipo de assentamento estabelece limites para a sua exploração, obrigando os beneficiários a adotarem práticas agropecuárias de baixo impacto ambiental, e limitando até mesmo o número de animais que podem ser criados, entre tantos outros compromissos firmados. Participei dos dois trabalhos. 
Em uma das vistorias realizadas no imóvel Pé da Serra, em coronel José Dias, tive que percorrer longo caminho até chegar a um de seus limites, entrando pelo município de Brejo do Piauí. Depois de longo tempo subindo uma serra, percorrendo trilha aberta por caçadores, nos deparamos com um local onde eram deixadas as motocicletas, única forma de se chegar até lá. O local recebia um sugestível nome: rodoviária. Era por este lado que os caçadores de animais silvestres costumavam adentrar ao Parque da Serra da Capivara para caçar. Esse é, portanto, um dos principais problemas enfrentados pela unidade de conservação: a caça predatória dos animais abrigados ali. Mas não o único.
Cerâmica produzida no parque
Os outros problemas são as queimadas, provocadas ou não, e a falta de compromisso dos governos no repasse de recursos para a manutenção das atividades de fiscalização e pesquisa. As entidades que administram o parque, a Fundhan – Fundação do Homem Americano e o Instituo Chico Mendes – ICM Bio, vivem à mingua, padecendo horrores com a falta de dinheiro para as despesas mais urgentes. E este ano, veio a triste notícia: o parque fechou para visitações. Não poderíamos ouvir uma notícia pior do que esta. A que ponto chegou o descaso das nossas autoridades. O que parecia provável de acontecer, mas que teimávamos em não acreditar, finalmente acorreu. Chegamos ao fundo do poço. E olha que a Dra. Niéde Guidon já vinha clamando aos quatros cantos do planeta a respeito dessa possibilidade, alertando para os orçamentos apertados e insuficientes, e para a falta de sensibilidade dos nossos políticos.
Clamou no deserto, para ouvidos moucos. Logo ela, um nome de peso, cientista respeitada no mundo inteiro, com larga folha de serviços prestados desde a década de 60 quando deixou a universidade de São Paulo, a USP, para vir consumir a sua juventude nas quentes caatingas piauienses. Logo a cientista de força que parecia inesgotável, que enfrentou poderosos da região para ver funcionar uma das unidades de conservação mais respeitadas do país; que colocou a vida em risco inúmeras vezes, correndo risco de ser abatida pelos disparos de algum caçador raivoso, como de resto tem acontecido com os animais silvestres que defende.
Inscrições nos paredões rochosos
Guidon não tem serviços prestados apenas com trabalhos de pesquisa científica. Em vez disso, foi buscar recursos no exterior, como já fazia por aqui mesmo, para montar um dos projetos sociais mais bonitos que se tem notícia por estas bandas. Construiu Centros de Educação Ambiental em diversos povoados nas circunvizinhanças do parque, excelentes construções também utilizadas para a educação formal da criançada da região. E como, na época, não existam boas acomodações para receber os turistas que vinham conhecer o parque, construiu um confortável hotel na cidade; erigiu e equipou o Museu do Homem Americano, e passou a trabalhar junto às autoridades na construção de um aeroporto de qualidade que pudesse receber voos procedentes do exterior. O que acaba de ocorrer.
Mas o trabalho de maior alcance social implantado por ela é o que realiza junto às comunidades pobres da região. A fábrica de cerâmica, por exemplo, acolhe e capacita jovens no mister, produzindo peças de altíssima qualidade, comercializada nas principais lojas de decoração instaladas até mesmo no sul do país. É todo esse legado que se acha hoje ameaçado de extinção. É o trabalho de uma vida que sofre terrivelmente com a insensibilidade das autoridades. E tudo isso em uma região carente de tudo. 
Que os homens de mando abram os olhos e impeçam o cometimento dessa violência contra o que há de mais importante em toda a região sul do estado. Se até agora nada fizeram para viabilizar a implantação do Parque Nacional das Nascentes, que não permitam que este, o Serra da Capivara, que já está bem instalado, venha a fechar definitivamente.

terça-feira, 16 de agosto de 2016

ESPECIAL TERESINA 167 ANOS - Capítulo 3

População teresinense em frente ao palácio do governo e ao fórum - 1902 






José Pedro Araújo
 
Vila do Poti, Vila Nova do Poti, Teresina.*


                O local escolhido para situar a nova capital precisou ser alterado, ou mais precisamente, substituído por outro a cerca de uma légua de distância da confluência dos dois rios, Parnaíba e Poti. Por esse tempo, a vila criada no local idealizado por Maia da Gama já estava em franca expansão quando Saraiva a visitou e se decidiu pela mudança. O comércio local vicejava e se expandia com rapidez, até já possuía uma capela erigida em intenção a Nossa Senhora do Amparo, e também um vigário, Mamede Antonio de Lima. Este, aliás, um dos três personagens mais importante no processo de instalação da cidade que logo passou a ser chamada de Teresina, juntamente com o próprio Saraiva e, com o mestre de obras português, João Isidoro de França.

Capela do Amparo - Poti Velho
A Barra do Poti apresentava muitas deficiências, muitos empecilhos a serem resolvidos. Passível de inundações, o local se achacava cercado pelos dois rios e por algumas lagoas, o que o tornava insalubre e propenso a doenças palustres. A escolha de um novo local situado na chapada do corisco foi, portanto, uma decisão acertada e que denota a inteligência dos homens que a proferiram.  A Vila do Poti é hoje um bairro da cidade, muito querido dos teresinenses, no qual, todos os anos, por ocasião da passagem do dia 16 de agosto, sedia as festividades de aniversário da capital. Lá também esta instalado o Polo Cerâmico de Teresina com centenas de ceramistas que produzem um ótimo artesanato a partir do barro argiloso retirado de barreiros da região. As peças produzidas no Poti Velho são respeitadas no mundo inteiro, tanto pela sua qualidade excepcional, quanto pela sua beleza plástica.  

Formada na intercessão dos dois rios desde primórdios do século XVIII, a Vila da Barra do Poti demorou mais de um século para adquirir pequena população, pois possuía lento desenvolvimento. Seus moradores viviam da criação de gado, da pesca e da produção de alimentos. A construção da capela em intenção a Nossa Senhora do Amparo, deu-se ainda no século XVIII, suprindo uma lacuna reclamada pelos moradores  

Somente em setembro de 1827 o imperador D. Pedro I elevou o local à condição de Freguesia, concedendo-lhe foro eclesiástico e civil. E cinco anos depois, em 1832, novo ato imperial elevava a povoação à condição de Vila.

 O pároco local, Frei Mamede Lima, teve importância preponderante no convencimento da população da Barra do Poti para proceder a mudança. Ativo, envolvente e respeitado pelos seus concidadãos, logo se juntou a um grupo de moradores importantes da vila, e partiram para a escolha do lugar ideal para situar a nova povoação. O local escolhido ficava nas terras pertencentes ao sesmeiro Manoel Domingues Gonçalves Pedreira, área situada nas margens do rio Parnaíba, mas em local elevado e plano, com terreno firme, sem a presença dos baixões alagadiços da velha Vila da Barra do Poti. Neste ponto entra em cena o outro personagem importante: João Isidoro da Silva França, ou, Mestre Isidoro França. Foi ele o responsável pelo planejamento urbano da nova vila, como de resto pela construção das primeiras edificações, como a Igreja do Amparo, primeira edificação da nova vila, da Cadeia Pública, do Cemitério Velho(São José), e do Quartel de Polícia.

Este momento histórico importante está registrado em carta dirigida pelo mestre de obras ao Presidente da Província, José Antônio Saraiva. Este é o outro personagem importante nessa história, quiçá o maior deles. Ativo e organizado, o mestre Isidoro deu a conhecer ao administrador o fruto inicial do seu trabalho: “Tenho a grande honra e satisfação de levar ao conhecimento de V. Exa. que no dia 25 do corrente teve lugar a primeira pedra no alicerce da Porta do Evangelho da nova Matriz”. Obra de maior porte em execução, a Matriz transformou-se em problema para a administração central, uma vez tendo apresentado problemas nas suas fundações, o que provocou enormes rachaduras. E isso obrigou o governo a suspender a sua construção por avultado tempo. Enquanto isso, a fofoca corria solta na vila sobre a segurança da obra, incomodando sobremaneira o governo instalado na nova sede.

Conselheiro Saraiva
Pelo que se pode ver, nem um palácio para o governo se tinha, obrigando-se o Presidente da Província a se instalar em casa alugada, situação que permaneceu por muito tempo assim. Depois de pouco mais de dois anos a frente do governo, Saraiva foi embora para a Bahia para desempenhar por lá mandato de deputado provincial. Por aqui, os recursos do tesouro eram tão escassos, que a simples perfuração de um poço cacimbão para abastecer de água os moradores de Teresina, foi motivo de registro em relatório apresentado à assembleia provincial, pelo sucessor de Saraiva. Alegava o administrador aos deputados haver necessidade de se construir mais alguns, mas que as combalidas finanças públicas não permitia. O poço foi perfurado no Largo da Constituição, em frente ao palácio do governo, hoje Praça da Bandeira ou Deodoro.

Era essa a Teresina da época. A maior parte das obras em execução na cidade foram feitas por gente da antiga Vila da Barra do Poti que, convencidos por Saraiva, haviam acreditado na transferência da sede do governo para a Vila Nova do Poti (Teresina). Do mesmo modo, a pedido do Presidente da Província, esses mesmos moradores construíram novos prédios para a instalação das repartições públicas, para a escola de artífices e, sobretudo, para servirem de residência, tanto às autoridades quanto para os demais funcionários transferidos de Oeiras para a nova sede do governo provincial.

Obelisco em homenagem a Saraiva(1859)
Vila da Barra do Poti virou um bairro de Teresina, o Poti Velho e, segundo o Censo de 2010, viviam em torno de 3.730 habitantes. N. S. do Amparo, a santa padroeira de Teresina tem morada em dois templos: o primeiro, transformado hoje em capela, fica exatamente no Poti Velho, e guarda em um nicho construído no seu adro, a imagem da padroeira trazida de Portugal em 1832, doada pela família Pedreira, proprietária da sesmaria onde a nova cidade foi erguida. A Matriz de Nossa Senhora do Amparo, foi construída depois de 1852, no marco Zero da cidade de Teresina, é um dos mais belos templos religiosos do Brasil. A capital, portanto, possui duas moradas para a sua padroeira. E também realiza festa para ela em duas datas: 16 de agosto, em Teresina. E 25 de novembro, no Poti Velho. O templo situado na Praça da Bandeira, com a frente virada para o rio Parnaíba, já passou por inúmeras reformas, e teve as suas duas torres em estilo neogótico erigidas em 1950 para as comemorações do primeiro centenário da cidade, e dela própria.

Teresina teve o seu traçado planejado a partir do Marco Zero. Em formato de xadrez, o planejamento inicial da cidade previa a distribuição, de forma gratuita, de sete quarteirões para o lado sul, e três para o norte. As ruas possuíam forma retilínea, e partiam da Igreja do Amparo em direção ao Poti. Demorou pouco tempo para a cidade começar a tomar forma.

Teresina é hoje uma das mais belas cidades brasileiras, com suas ruas largas, suas avenidas arborizadas, e seus parques instalados ao longo dos rios, e em diversos pontos do seu traçado. Valeu muito a pena a luta de José Antonio Saraiva para instalar na Chapada do Corisco, em pleno sertão, uma comunidade para sediar o governo. A cidade hoje possui as suas contradições, as suas carências, como todas as outras existentes no nosso país, mas como é bela, agradável e charmosa! Parabéns, Teresina, como é gratificante viver aqui!
 * Texto extraído do Portal Maispiaui.com