terça-feira, 31 de outubro de 2017

A PRAÇA

Foto da Praça extraída do livro de Antenor Rego Filho



Chico Acoram Araújo*

            Dentre algumas fotografias antigas da família, uma se desconhece seu paradeiro: o retrato da minha primeira comunhão.  Recordo que essa foto, em preto e branco, é de uma alegre manhã de certo domingo do ano de 1959 ou 1960, não sei ao certo. Na época, tinha eu não mais que oito anos de idade.  A bela Praça Monsenhor Bozon, em Barras do Marataoan, foi o cenário daquela antiga foto. O evento religioso da eucaristia havia acontecido ainda há pouco instante na vetusta igreja de Nossa Senhora da Conceição (antiga capela construída pelo fundador de Barras, Cel. Miguel de Carvalho e Aguiar, em meados do século XVIII), localizada na Praça da Matriz, hoje Senador Joaquim Pires, bem próximo daquela.
 Todo vestido de branco, com calça comprida, camisa mangas longas e panos passados, sapatos engraxados e cinturão preto, apresentava-me com galhardia e compenetração ante à maravilhosa máquina fotográfica Rolleiflex. Inesquecível momento, que ficou para sempre gravado na memória do pequeno comungante. Minha querida genitora estava radiante, logo atrás do conceituado fotógrafo da cidade.  “Quando posso receber esse retrato?”, perguntou minha mãe sorrindo para o homem da máquina.
Poucos dias depois, a foto era exposta com orgulho e satisfação aos parentes e aderentes, vizinhos e amigos da minha família. Com o passar do tempo, essa arte tornou-se uma relíquia da família, não só pelo fato de registrar minha primeira eucaristia, mas também, por mostrar um dos mais bonitos cartões postais de Barras nas décadas e 1950 e 1960, a Praça Monsenhor Bozon. De fato, segundo Antenor Rêgo Filho em seu livro “Barras, Histórias e Saudades”, esse logradouro foi uma das mais belas e lindas praças das cidades do interior do Piauí. Daí a razão da escolha do local para a memorável fotografia. Era costume da época as pessoas se deslocarem para aquele logradouro para se deixarem fotografar. Famílias, casais de namorados, noivos, muita gente era comumente vista posando para registrar a eternidade de determinado momento naquele local.
            A Praça Monsenhor Bozon teve sua denominação em homenagem ao eminente educador Monsenhor Constantino Bozon, um dos primeiros Diretores do Colégio Diocesano em Teresina (1925). O religioso era piauiense, nascido em São Raimundo Nonato.
Sobre esse saudoso espaço público dos anos 60, o ilustre barrense Antenor Filho, descreve com perfeição a sua feição física que tanto o povo de Barras se orgulhava. Deste modo, o nobre escritor nos relata que a Praça Monsenhor Bozon continha no seu interior canteiros bem cuidados, com variadas espécies de flores carinhosamente cultivadas, além de diversas figueiras. Estas eram podadas em formato de animais ao longo do passeio externo da referida praça. Outras figueiras, de tamanho maior, imitavam cogumelos, e somavam na configuração de um belo conjunto. Para arrematar tudo isso, uma fonte luminosa, edificada no centro da praça, dava charme e elegância ao lugar. O mesmo autor descreve ainda que do outro lado da praça havia um bosque plantado com Canafístula, acácias, oitizeiros e bambus. Entre o bosque e a fonte luminosa lá estava o magnífico coreto de formato sextavado e piso suspenso, com grade de proteção feita de ferro fundido, e trabalhado com bonitas figuras. Era o grande palco, o lugar mais prestigiado da praça. Continuando a descrição, o escritor relembra que os bancos da praça eram de cimento, apoiados sobre pés de concreto em formato de figuras humanas. Acresce ainda que os postes de iluminação eram, alguns, de ferro trabalhado, enquanto outros eram de concreto, sendo que estes recebiam luminárias em globo de vidro. Quanto à fiação elétrica, era toda subterrânea, uma novidade em termo de engenharia civil. Conta-nos, finalmente, o autor do livro “Barras, Histórias e Saudades” que aos domingos e dias festivos, no alto do coreto, a banda de músicos de Barras fazia o espetáculo, tocando modinhas daqueles tempos. Fazia a alegria das crianças e adultos da cidade. A juventude desfilava, dando voltas no passeio. E no carnaval? A orquestra dava um show! Os blocos carnavalescos se apresentavam ali na praça com romantismo e graça.
Por fim, testemunha o ilustre escritor barrense, “romances eternizaram-se, ilusões desmoronaram-se, casamentos iniciaram-se e nasceram dos encontros realizados na praça Monsenhor Bozon. Era a juventude exuberante, sadia em suas confraternizações domingueiras”. Atualmente, a Praça Monsenhor Bozon não tem as mesmas características e o charme dos anos 60; perdeu a graça e o romantismo daquela bela época.
No livro Galápagos – Poesias de degredo, de autoria do jovem barrense Joaquim Ferreira Neto, um poema com o título “O Coreto”, cai como uma luva nessa crônica que ora escrevo. E por esta razão, passo a transcrever a seguir, na íntegra, os versos do mencionado poeta:

“O CORETO”

Passos da banda Lira Barrense,
trazem os sonhos de menino,
a desovar nas canções e cantigas.
A inocência de menino busca o sopro,
vista pelo predador trombone,
No entanto o sangue ferve.
Tece o sopro musical feito à brisa de outubro,
reincide o sax de som tão efêmero.
No entanto arrastando as marchinhas,
o canto a bordo das crianças,
dos idosos e do povão.
A canção afunda os ouvidos nas rachaduras,
Da vida de um passado local,
O que é nostalgia,
vira lembranças,
e o que é viagem,
vira esperanças.
O coreto de cimento
é o trilho do vagão das canções líricas!
No sopro vivo da linda, monsenhor Bozon.

 Em 1970, o então prefeito decidiu, inexplicavelmente, reformar a praça, modificando totalmente sua fascinante estrutura arquitetônica, mantendo, porém, a sua denominação antiga: “Praça Monsenhor Bozon”. Hoje, “a praça não tem graça”, poder-se-iam dizer assim os mais antigos moradores da cidade.
Quanto à destruição da Praça Monsenhor Bozon, abaixo transcrevo o protesto contundente do ilustre e exaustivamente citado autor de “Barras, Histórias e Saudades”.
“Infelizmente, por desconhecimento de governantes, ignorantes a respeito da conservação de monumentos e de memórias dos povos, não se soube preservar para as futuras gerações esses marcos erguidos pelos nossos antepassados com muitos sacrifícios. Nossa praça foi demolida, sem nenhuma razão, em 1970, pelo prefeito da época, (...).”

 (*) Chico Acoram Araújo é funcionário público federal, contador e cronista

sexta-feira, 27 de outubro de 2017

Diário de Fralda (Parte 33)



(Empolgado com o nascimento da sua primeira filhinha, papai Bruno começou uma brincadeira que logo caiu no gosto de todos: a produção de um diário que ele convencionou chamar de “Diário de Fralda”. Diante disso, o blog resolveu publicar semanalmente o depoimento da Lavínia que, em último caso, vem a ser a netinha do coordenador do Folhas Avulsas).


SEMANA 36 – Sonhando com a volta do meu pai!


(Bruno Giordano)



265º DIA: “Eita que estou extremamente curiosa para saber o gosto da melancia! Pode mandar genitora, que hoje eu estou de boa!” - Lavínia, a Magali!

266º DIA: “Estava lendo que o Tolkien criou, além de todo universo do Senhor dos anéis, todas as línguas dos elfos, anões e orcs! Como toda poderosa Imperatriz não posso ficar para trás e de agora em diante essa é a língua oficial de meu império galáctico!” - Lavínia, a Linguista!

267º DIA: “Atrasamos minha comemoração para aguardar a chegada do servo careca! Disseram que também viriam os sete anões! Mas não deram nem as caras! Enfim! Como não temos mais bruxas más nem maçãs envenenadas por aqui, até que foi bem tranquilo esse sábado na ilha do amor!” - Lavínia, a Branca de Neve!

268º DIA: “Aproveitamos o domingo para curtir uma praia! Servo careca informou que poderia deixar ainda melhor e encheu minha Jacuzzi! Realmente já estou bastante acostumada com a vida na ilha do amor!” - Lavínia, a Peixinha!

269º DIA: “Nove meses de aventuras e eu me sinto mais acostumada com esse planetinha azul a cada momento! Curti fazenda, curti cidade, curti praia! O dialeto está ficando mais entendível, apesar de ainda tropeçar nas palavras... Mas consigo me fazer entender! Minhas pernas estão me obedecendo cada vez melhor e já arrisco os passos para futuramente correr! Claro que as aulas de minha loba gigante se mostraram fundamentais para essa evolução! É.. segunda é um bom dia pra agradecer!” - Lavínia, a Reflexiva!

270º DIA: “Minha vida de aventuras anda meio parada.. culpo o servo careca por não estar aqui para confabularmos ... Enquanto isso minha Genitora brinca de boneca comigo e com minha loba gigante ... Ahhh.. mas já estou quase conseguindo correr.. e quando isso acontecer KKK!” - Lavínia, a Apressadinha!

271º DIA: “Algo bastante desafiador é o aprendizado da dança! Não tenho encontrado a sintonia necessária, provavelmente herança do servo careca que não é nenhum pé de valsa! Mas conseguirei... Já, já, chegarão os convites para o balé Bolshoi!” - Lavínia, a bailarina!

sábado, 21 de outubro de 2017

O QUE VOCÊ SABE SOBRE MURILO BRAGA?




José Pedro Araújo

Recentemente relia um dos clássicos da literatura brasileira, MENINO DE ENGENHO, de José Lins do Rego, um dos ícones da literatura nacional, quando me despertou a vontade de saber a quantas andava o Engenho Itapuá, lugar que serviu de ambiente para o romance do consagrado autor. Depois de uma rápida busca no Google, deparei-me com um documentário de mais de uma hora sobre o autor, e também sobre o velho engenho da sua infância. Com tristeza verifiquei que o Itapuá não passa hoje de um conjunto de escombros, e as terras que viviam cobertas por canaviais, hoje estão em mãos de um grupo de trabalhadores rurais, expropriada que foi pelo governo federal. O documentário traz uma visão completa sobre a vida do grande escritor regionalista e começa com um dos seus organizadores em visita à cidade do Pilar-PB, terra natal do escritor.
Pilar é uma cidadezinha de pouco mais de 11.000 habitantes, que já teve a sua importância no auge do ciclo da cana-de-açúcar; vetusta a mais não poder, uma vez que fora fundada em 1758, hoje não passa de uma cidadezinha perdida nos ermos sertões nordestinos, apesar de já mesmo merecido uma música da lavra de Luiz Gonzaga e seus parceiros: Moça de Feira.
De microfone na mão, o documentarista foi em busca de um colégio que homenageava o conterrâneo: Unidade Escolar “José Lins do Rego”. E passou a entrevistar os alunos que naquele instante saiam de lá, possivelmente após o término das aulas.
Curioso, o documentarista perguntou ao primeiro aluno se ele sabia quem havia sido José Lins do Rego. O adolescente respondeu que não. O repórter então perguntou ao segundo aluno que saia, e obteve a mesma resposta. Ele também não sabia quem fora o homem que emprestava o seu nome à escola, estampado em letras garrafais no frontispício logo a sua frente. Depois de indagar a vários alunos, e obter sempre respostas negativas, resolveu o documentarista sair pela cidade à procura de alguém que soubesse algo sobre o ilustre filho da terra. E ao abordar um jovem, logo próximo, trajando a farda do colégio, recebeu a resposta que tanto almejava: ele sabia quem fora José Lins do Rego. Disse ainda que era até seu parente, declinando o seu nome a pedido do entrevistador. Animado, o visitante perguntou se ele já havia lido algum livro do parente; Ele respondeu que havia começado a ler um, mas não havia terminado. Foi uma ducha de água fria.
Foi depois de ver o documentário sobre esse autor nordestino que revolucionou a literatura com a sua forma seca, direta, mas que abordava temas regionalistas de grande importância, como o ciclo da cana e o cangaço, que me ocorreu escrever a presente crônica. E antes de iniciá-la, eu já esclareço: somente quando iniciei minhas pesquisas para o livro “Do Curador a Presidente Dutra – história, personalidades e fatos”, soube quem havia sido o homem que deu nome ao colégio em que fiz parte significativa do meu curso primário: Dr. Murilo Braga.  Construído na gestão do prefeito Gerson Sereno, nos idos da década de cinquenta, o grupo escolar Dr. Murilo Braga continua sendo uma referência no ensino público da cidade de Presidente Dutra. Quando para lá me transferi, por volta de 1960, deslumbrei-me com o tamanho do prédio e a quantidade de salas de aula, oriundo que era da pequenina Escola Rural, e depois da União Artística e Operária, ambas situadas na praça do mercado. Naquele tempo a diretora do Murilo Braga era a professora Mariazinha Barros, e a minha primeira professora naquele colégio foi a jovem Marli Sá, uma Ludovicense, cunhada do Ailton Sereno, figura muito conhecido na cidade. 
A professora Marli era uma pessoa admirável, bonita, doce e muito atenciosa, que me adotou logo de cara a ponto de algumas vezes me convidar para lanchar na pequena lanchonete que existia na frente do colégio. O lanche era café com bolo frito ou chapéu de couro, invariavelmente, e eu sempre dava um jeito de ficar ao lado dela logo que a campainha anunciava o horário do recreio. Coisa de menino pidão.  E por ser o aluno mais novo da turma e, modéstia às favas, tirar sempre algumas das melhores notas, ganhei a amizade da minha professora e até uma fotografia sua, mimo que até poucos anos ainda tinha comigo. Ganhei também o epíteto de caçula. Dona Marli era muito culta e gostava de demonstrar isso ao entoar, em um francês que acredito perfeito, e com uma voz limpa e aveludada, o hino nacional daquele país, a Marselhesa. Só não me recordo se ela me falou quem foi o cidadão que deu nome àquela escola, o tal doutor Murilo Braga.
Acredito até que poucos alunos hoje, depois de indagados, responderiam saber quem de fato foi o homem que emprestou o seu nome ao colégio em que estudam ou estudaram. Vou mais além: aposto que poucos sabem quem foi o homem que deu nome a uma das principais artérias da cidade, a Rua Magalhães de Almeida, ou mesmo a sua cidade, o tal Presidente Dutra. Creio que já passa da hora de os nossos educadores se preocuparem com coisas como essas. Discorrer sobre os nossos principais autores, descrever quem foi o cidadão que deu nome ao colégio em que ensinam, essas coisas. Melhor do que falar sobre o Presidente americano ou Francês, ou mesmo Fidel Castro ou Che Guevara, tão ao gosto de muitos. Hoje os políticos passaram a nominar os prédios públicos com os seus próprios nomes ou o de alguém da sua família, ou mesmo um político do seu agrado, e isso talvez desestimule a maioria a falar sobre o assunto. Mas já foi diferente.
O tal doutor Murilo Braga, volto ao assunto, foi um advogado piauiense, nascido em Luzilândia em 1912, que teve grande importância na educação do país, e que passou a dar o seu nome prédios escolares em quase todos os estados da federação. Murilo Braga foi diretor do Instituto de Educação do MEC, diretor do Instituto de Estudos Pedagógicos do mesmo ministério e diretor Geral do DASP, órgão federal responsável por todos os concursos para preenchimentos das vagas do serviço público no Brasil, entre outros cargos por ele ocupados. Deve ter sido o responsável pela liberação dos recursos para a construção do nosso querido e importante Grupo Escolar Dr. Murilo Braga, dai merecer a homenagem.
Finalizo este texto afirmando que, talvez por conta da vergonhosa participação dos alunos do município no documentário acima referido, a secretaria de educação municipal do Pilar, Paraíba, realizou em 2014 um desfile cívico em homenagem ao filho da terra, José Lins do Rego. De estranho apenas o fato de ter sido outro colégio quem homenageou o escritor nascido no Pilar, e não o colégio estadual que leva o seu nome. Mas isso é o de menos.

quinta-feira, 19 de outubro de 2017

Diário de Fralda (Parte 32)



(Empolgado com o nascimento da sua primeira filhinha, papai Bruno começou uma brincadeira que logo caiu no gosto de todos: a produção de um diário que ele convencionou chamar de “Diário de Fralda”. Diante disso, o blog resolveu publicar semanalmente o depoimento da Lavínia que, em último caso, vem a ser a netinha do coordenador do Folhas Avulsas).


SEMANA 35 – Nove meses de pura aventura!


(Bruno Giordano)


259º DIA: “Assim, dona de minha sombra, me sinto quase como a Jasmini em seu palácio! Sombra e água fresca! Uma combinação excelente para aproveitar a ilha do amor!”. - Lavínia, a rainha do castelo de areia!

260º DIA: “Mesmo atrasado, meu servo careca me parabenizou pelo dia das crianças.. não entendi a referência... Será que ele acredita que mesmo depois de tanto tempo ainda sou uma infante?! Huuuummm! isso abre oportunidades, kkkk!” - Lavínia, a pré pré pré pré adolescente!

261º DIA: “Só promessas do servo careca! Só promessas ... Disse-me que iríamos passar o domingo na praia ... Nada! Que iríamos ver o pôr do sol no espigão... Nada! Justificou tudo dizendo que eu estava dormindo! Como se isso fosse motivo! Desse jeito não dá.. ao menos tivemos um excelente almoço com minha genitora... Tem que adular mais a gente, servo careca! Muuuuuito mais. Kkkk!” - Lavínia, a cobradora de promessas!

262º DIA: “Depois desse tempo todo que vim perceber que o servo careca nunca me deixou pilotar nossa nave... Tive que enfrentá-lo pelo controle da Discovery! A federação saberá dessa insubordinação! Provavelmente ele também está de conluio com os klingons!” - Lavínia, capitã da S. S. Discovery!

263º DIA: “Hoje estou fazendo 9 meses de missão.. o mundo exterior tem se mostrado cada vez mais interessante e ao invés de voltar meus olhos para as galáxias vou prestar mais atenção nas maravilhas desse planetinha azul! Pena que a festa vai ter que esperar a chegada do servo careca!” - Lavínia, a mensariante!

264º DIA: “Eu sou o terror que anda na noite! A vigilante que guarda o sono dos justos! A mão forte da ordem contra aqueles que se aproveitam do manto da escuridão para praticar seus delitos! Eu e minha genitora passaremos a noite em claro combatendo o crime! Hahahahahaah! Não descansaremos, não nos acovardaremos, e nem dormiremos!! Não é, genitora! Genitora?! Dormir não!! Dormir não!” - Lavínia, a protetora da noite!