sábado, 18 de fevereiro de 2023

Nabucodonosor e a Invasão do Reino.

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José Pedro Araújo(*)

Em Wonderfulworld, Nabucodonosor reinava com sabedoria e inteligência, preparando o país para o futuro. Havia construído, com a ajuda de toda a comunidade do reino, belas casas para as famílias que iam se formando à medida que outros habitantes chegavam à nova nação que ia despontando como a mais moderna e democrática do continente. Determinou a construção de escolas e equipou com o que de melhor existia em materiais e professores; hospitais bem estruturados em todos os lugares e modernas estradas interligando as várias comunidades que iam se formando. E, por fim, edificou o palácio real. Ficou uma maravilha, com torres nos quatro cantos, mas sem fosso de proteção que o mantivesse afastado do seu povo, e também sem a tradicional ponte levadiça para protegê-lo, pois confiava no processo de absoluta paz que reinava por lá e no relacionamento de amizade que havia estabelecido com seus felizes súditos e com países vizinhos. Ainda mandou construir, na parte superior frontal do palácio real, uma espécie de parlatório, local elevado de onde pudesse falar ao seu povo e ser visto por eles, para discutir os assuntos de interesse coletivo. Em pouco tempo todos estavam acostumados e acorriam ao palácio quando os arautos tocavam as trombetas em todas as direções, do alto da torre de menagem, conclamando a população para ouvir o que rei tinha para anunciar.

Diante do ambiente de harmonia vivido, até mesmo os antigos nobres da corte eram tratados com respeito e tiveram seus títulos de nobreza devolvidos, pois haviam perdido os mesmos em uma revolução ocorridas tempos atrás, antes da chegada de Nabucodonosor. Diante de tão nobre gesto real, mudaram todos eles o velho hábito, deixando de lado a exploração e a rigidez com que tratavam os moradores de seus antigos feudos, e buscaram no trabalho honesto seu próprio sustento, prática adotada por todos, até mesmo pela nova família real. Tirar o sustento através do próprio esforço era, portanto, a norma principal a ser seguida por todos os habitantes de Wonderfulworld. E o país cresceu e prosperou como nunca, e logo se transformou no mais importante reino existente naquela parte da terra.

Como vivia em completa paz com seus súditos e também com os reinos vizinhos, Nabucodonosor abriu mão de criar o seu próprio exército. Achava desnecessário usar os recursos do povo para comprar armas ou capacitar os jovens do reino para a guerra e para morte, em vez de treiná-los para a vida e para o trabalho. Em seu lugar, criou brigadas voluntárias junto à população para prestar ajuda à população no caso de ocorrência de catástrofes ou sinistros.

Viveram assim por longos e longos anos, na mais absoluta paz e respeito aos vizinhos. Wonderfulworld era um país neutro, pacifista. O estilo de governar baseado na confiança e união do povo, logo virou notícia, ganhou o mundo. Vizinhos, e povos mais distantes, visitavam Wonderfulworld para conhecer o sistema ali implantado baseado no respeito ao próximo e na dedicação absoluta ao trabalho. Não havia cadeias no reino, em seu lugar, foram criadas escolas para a recuperação daqueles súditos que porventura desrespeitassem as normas e costumes locais. As aulas eram ministradas pelos mais hábeis cidadãos em suas respectivas áreas. Agricultores, artesãos, construtores, industriais, entre outros, dedicavam parte do seu tempo a repassar suas experiências aos mais novos.

As únicas disputas permitidas eram as esportivas. Estimuladas pelo rei, anualmente eram praticadas por uma semana inteira nos quatro cantos da nação. Atletismo, lutas Greco-Romanas, Corridas de Pedestres, Corrida de Barcos, entre outros, faziam a festa dos jovens atletas, e os mais versáteis eram escolhidos para repassar aos mais novos seus conhecimentos e habilidades.

Outra coisa que Nabucodonosor dava muita importância, era a construção de paióis reais espalhados estrategicamente pelo reino, onde ficava armazenado uma pequena parcela dos cereais colhidos pela população para protegê-la nos momentos de escassez de alimento quando o país fosse assolado por forte estiagem ou outra calamidade qualquer. Por conta desses cuidados, nenhum habitante ficava sem se alimentar convenientemente quando algum tipo de problema acontecia.

Por fim, o povo de Wonderfulworld, tratava com religioso cuidado de suas matas e de seus bichos. Até mesmos os insetos, muito apreciados pela população local em pratos de muito prestígio, só eram usados na exata medida de suas necessidades diárias. Esses cuidados, e o respeito às florestas, mantinham o equilíbrio do meio ambiente de maneira que sua principal fonte de proteínas e vitaminas se mantinha sempre à disposição de todos.

Perguntado, certo dia, de onde retirava tanta sabedoria para transmitir aos seus felizes súditos, Nabucodonosor respondeu:

- Observando o que os humanos faziam quando vivi no meio deles.

- Os humanos são tão sábios assim? – perguntaram incrédulos.

- Até que são. Mas, as coisas que eu ponho em prática aqui, faço exatamente ao contrário do que eles fazem lá. Até que eles são criativos, mas grande parte do que criam, fazem no sentido de obterem benefícios imediatos, sem pensar em suas consequências futuras. Vejam só o caso das florestas, que eles derrubam para produzir cada vez mais alimento. Só que com isso, prejudicam o equilíbrio da natureza causando a diminuição das chuvas, provocando a diminuição da quantidade de águas disponíveis, e, por consequência, a redução no futuro da própria produção de alimentos que dependem de chuva para crescer e produzir.

- Oh!, agora entendemos o cuidado em não provocar desmatamento nas margens dos rios e lagos – admiravam-se as outras aves com a sabedoria do seu rei.

- Outro exemplo, as queimadas, que aqui evitamos tanto quanto podemos. Os gases provocados pelas chamas vão direto para a atmosfera e provocam o aquecimento da terra. Mais problemas para o futuro.

Assim, toda semana Nabucodonosor e os sábios do reino repassavam à população embevecida suas experiências que eram adotadas como se fossem decretos reais. Aliás, esse era outro dos costumes do reino. As leis que eram postas em práticas, não eram postas no papel. Eram, isso sim, guardadas na mente de cada um dos súditos que sabiam de cor todos os seus direitos e deveres. Tudo era aprendido nos debates e discussões em que elas eram submetidas até que a maioria absoluta do povo desse o seu aprovo.

Mas, se haviam povos vizinhos que admiravam a forma como viviam, havia também um povo que vivia num país não muito distante cujo rei devotava-lhe um profundo ódio originado da inveja que nutria crescentemente pelo modo de vida e tranquilidade em que o povo de Wonderfulworld vivia. Tratava-se de uma nação belicosa, cujo rei se chamava Dario, o sanguinário, e que vivia a guerrear com os outros povos vizinhos, sempre em busca de roubar-lhes as riquezas. Esse país era conhecido como o amedrontador reino de Avilã. Lá preferiam a guerra, a pilhagem e a morte, aos resultados obtidos através do trabalho honesto. Estranhamente, seu povo continuava a passar pelas maiores privações e maus-tratos, pois quase todo o produto obtido através dos saques era usado para rechear os armazéns do próprio rei e de seus generais, e para a prática de novas guerras.

Deste modo, certo dia, uma belíssima manhã de primavera, Wonderfulworld foi atacada pelos exércitos inimigos. E o rei Nabucodonosor, apesar de reagir com bravura, foi aprisionado no seu próprio castelo, após presenciar que seus súditos estavam sendo massacrados brutalmente, posto que, desarmados como estavam, eram presas fáceis diante do inimigo numeroso e fortemente armado. Negociou então a sua rendição colocando como condição o respeito à vida do seu povo, e que levassem todos os bens que pudessem, mas que deixasse o seu povo e o seu país em paz e voltassem para a terra deles.

Mas, Dario, o sanguinário, além de malvado, era também um descumpridor de acordos. Ao ter Nabucodonosor em suas mãos, aprisionou-o em uma das torres do palácio, pois ali não existiam masmorras, e expulsou todos os seus súditos jovens com idade para organizar uma resistência para fora do país, ficando com os mais velhos e com as mulheres como escravos; Apropriou-se também de suas casas e riquezas. Do alto da torre, pelas janelas agora gradeadas e transformadas em prisão, Nabucodonosor sofria terrivelmente vendo o seu povo ser expulso da sua própria terra, e os que ficavam, serem tratados com desprezo e brutalidade. E chorou desconsoladamente por dias e dias o triste fim de um reino de sonhos que durara tão pouco tempo. Até mesmo sua numerosa família fora expulsa para terras distante, ficando apenas ele aprisionado para evitar que organizasse um exército e retomasse o seu país de volta. Foi o que ouviu da boca do próprio invasor, Dario, o sanguinário.

Dario era um galo grandalhão, originário do cruzamento entre um guerreiro Malaio e uma fêmea Shamo, raças devotadas aos grandes combates. Trajava-se sempre para a guerra, com armaduras militares, um capacete de metal e couro negro para proteger a cabeça de algum ataque inimigo, e uma vestimenta de couro cravejado de botões prateados que lhe descia pelo pescoço até ao peito, transformando-o em algo com um aspecto aterrador; um ser cruel mesmo. As pernas, tão peladas quanto o pescoço, estavam envoltas em protetores de prata e ouro, parecendo tubos longilíneos e os esporões apresentavam-se cingidos por cones metálicos pontiagudos, prontos para ferir mortalmente a carne de quem lhe enfrentasse. E não foram poucos os que tombaram aos seus pés. Poder-se-ia dizer que se tratava de um elemento feio, com um aspecto animalesco e que causava arrepios nas aves que tinham o desprazer de confrontarem-se com ele. Os olhos vermelhos e empapuçados emitiam um brilho intenso somente visto nos loucos, e o bico retorcido estava também protegido por placas de metal muito afiadas que acompanhavam o formato do mesmo, e era uma arma mortal quando aplicada em algum adversário. Geralmente, uma só bicada era o suficiente para a derrota de seu opositor. 

Passaram-se os dias, dias tenebrosos e de sofrimento para o povo de Wonderfulworld, e nada de Dario voltar para a sua terra. Dizia-se mesmo, que ele governaria a partir dali, por uma questão de estratégia, pois pleiteava invadir e anexar novas terras aos seus domínios. Pretendia organizar um grande império, o maior já visto por ali.

Dizia-se, também, que não faria mais como os antigos Vikings, que segundo ouvira falar, atacavam os povos apenas para saqueá-los. Depois, entravam novamente em seus barcos e voltavam para sua terra com o produto das pilhagens. Agora, não. Ele faria diferente. A partir de Wonderfulworld, lançaria-se sobre as outras nações em redor e as anexaria até formar o maior reino já visto na terra. O império de Dario, o grande conquistador. Durante muitos e muitos anos todos haveriam de falar dele como o maior rei entre todos os que viveram naquela parte do mundo. O reino eterno de Avilã.

Estava muito satisfeito também, porque os habitantes que mantivera como escravos trabalhavam incansavelmente como se estivessem perfeitamente adaptados à nova situação. Orgulhoso, não entendia que esse era um hábito por ali, e que eles trabalhavam assim para ocupar o tempo e esperar pela volta do rei verdadeiro, o amado Nabucodonosor. Trabalhavam para manterem o seu reino de pé. Esperavam e sabiam com certeza que ele um dia voltaria para ocupar o seu trono usurpado. Por isso, queriam que tudo estivesse como sempre quando ele voltasse a governá-los.

Enquanto isto, do outro lado das fronteiras, povos vizinhos achavam-se preocupados com as notícias de lhes chegavam de Wonderfulworld. A possibilidade de invasão de suas terras também era uma certeza.

Por sua vez, penalizados com a situação de Nabucodonosor e de seu povo, quase todos dispersos pelas outras nações, começaram a organizar uma reação para retomar Wonderfulworld das mãos do sanguinário invasor. Salomão, rei de um dos povos vizinhos que nutria grande admiração e amizade com Nabucodonosor, contactou com os outros reis das vizinhanças e agrupou grande parte dos habitantes dispersos e expulsos de Wonderfulworld em um exército muito bem treinado, municiando-o com as mais modernas armas de guerra que existiam. Até que foi relativamente fácil prepará-los para a arte da guerra, pois eram atletas competentes e aguerridos, formados nas saudáveis competições em seu país.

Assim, logo se formou um grande exército com os jovens galos da terra invadida e com muitos outros originários de outros países que, quando ficaram sabendo da intenção do invasor, cerraram fileiras com eles e formaram um poderoso exército de defensores da paz para a ameaçada região. Com táticas de ataque bem planejadas e definidas, e com os suprimentos devidamente arrumados em carros cedidos também pelos reis vizinhos, partiu o poderoso exército aliado para retomar a terra de Wonderfulworld das mãos de Dario.

Não sabiam ainda, mas estavam partindo pouco tempo antes que ele levasse seu exército para invadir o vizinho país de New Freedom que ficava mais ao norte, e que era governado por um jovem rei também amigo de Nabucodonosor, e também participante do grupo de aliados que objetivava salvá-lo do cativeiro em que se encontrava. Seu exército também recebeu grande reforço das nações amigas e se preparou para rechaçar o ataque inimigo que se avizinhava.

O exército aliado entrou em Wonderfulworld pelo Sul, no dia em que o povo deveria comemorar a sua independência. Nabucodonosor, que não se sabe como havia recebido a notícia da data da invasão e a estratégia empregada, já havia mandado notícia aos seus velhos generais amigos de outras campanhas, ainda do tempo em que ele também tivera que guerrear para organizar o seu reino. Estes providenciaram a sua fuga e ele foi se juntar aos seu povo para preparar a expulsão dos inimigos do seu povo.

Quando o exército da liberdade entrou em Wonderfulworld, mais e mais habitantes do próprio país iam se juntado e engrossando suas fileiras, ao ponto de quando já se encontravam nas imediações da capital do reino, e os invasores tomaram conhecimento do numeroso contingente que avançava sobre eles, fugiram em debandada, desorganizados e amedrontados, deixando Dario com uma parte diminuta de suas tropas, pois parte dele também já havia sido debelado no momento em que tentavam invadir New Freedom.

As bandeiras e os estandartes coloridos das nações amigas se juntavam em um mar de cores aos símbolos de Wonderfulworld, tremulando agitadas pelas estradas e caminhos que davam acesso a capital, sede do reino usurpado. Pareciam festejar algo, em vez de estarem indo para a guerra.

Os primeiros combates foram travados nas proximidades da sede do reino e as vitórias aconteceram rápidas sobre o exército invasor. E Dario, vendo que a derrota era coisa certa, apressou-se em fugir deixando seus comandados sozinhos e ao desamparo.

Nabucodonosor, que já se encontrava com um batalhão de seus melhores guerreiros nas imediações do palácio, viu quando Dario tentava fugir pelos fundos do mesmo, e organizou uma perseguição encarniçada ao fujão e, antes que ele pudesse sair do país, enfrentou-o em uma luta renhida e que durou um bom tempo, horas de batalha sangrenta mesmo. Contudo, ao final, teve o seu opositor desarmado e caído aos seus pés. Por sua vez, apesar dos gritos de estímulo, preferiu poupar-lhe a vida, cortando-lhe os esporões e retirando-lhe as armaduras, e deixou que se fosse, desmoralizado, cabisbaixo e sozinho.

Dario não teve coragem de voltar para o seu povo, pois sabia que já deveriam ter escolhido um novo líder, um novo rei. Se voltasse para lá, correria o risco de ser feito prisioneiro, ou submetido a coisa muito pior. Pagaria talvez com a própria vida pelo seu gesto de covardia e falta de patriotismo. Amedrontado, sumiu e nunca mais se ouviu falar dele.

Quanto a Nabucodonosor, festejou por uma semana com seus súditos e amigos a retomada do país das mãos dos invasores. Estavam junto com ele todos os reis das vizinhanças que o haviam ajudado na vitória e festejaram felizes os novos tempos.

Difícil foi convencer o povo de que não precisavam organizar um exército formal para defendê-los de eventuais invasões. Mas Nabucodonosor terminou por convencê-los de que Wonderfulworld era um país neutro, não precisava de um exército mobilizado em tempo integral quando tinha tantos amigos ao redor para ajudá-los a se defender. Firmaram então um pacto de união, combinando que qualquer daquelas nações que recebesse a agressão de alguma outra, seria prontamente defendida pelas demais. E que Wonderfulworld não teria um exército organizado, com quartel e tudo o mais. Mas, as brigadas de defesa civil seriam treinadas também para ajudar na defesa do país contra inimigos virtuais. E que, nessas ocasiões, se organizariam como um exército em pouco tempo para defenderem a pátria se usurpada fosse.

Assim, a normalidade voltou a Wonderfulworld. O povo voltou à velha rotina de trabalho e festividades. Contudo, mais experientes nas questões de defesa da sua pátria de possíveis agressões externas.


FIM  

OBS: O presente conto, tem a pretenção de ser a continuidade de um outro aqui publicado e intitulado "A Vingança de Nabucodonosor".

 

(*) José Pedro Araújo é engenheiro agrônomo, funcionário público federal aposentado, historiador, cronista, romancista, e coordenador do blog Folhas Avulsas.