terça-feira, 16 de novembro de 2021

MEU EXÍLIO

Imagem do Google

 


 

(Jean Carlos Gonçalves)*

1 - Da varanda da saudade

Contemplo a recordação

Da minha infância feliz

Lá na Mata do Japão.

 

2 - Desta selva de concreto

Que enclausurado me vejo

Remonto às minhas raízes

Com nostalgia no peito.

 

3 - Sei que esse sentimento

Não se trata de trama inédita

Quem nunca foi um Gonçalves Dias?

Quem nunca cantou sua terra?

 

4 - Humano é quem alimenta

Um laço de afetividade

Em relação ao seu velho Torrão

Matriz de sua ancestralidade.

 

5 - Cada um consigo carrega

A lembrança que arrepia

Mas a substância que o sangue acelera

Se converte em melancolia.

 

6 - Por não mais pisar o solo sagrado

Que lhe nutriu um dia

Nem mergulhar nas águas límpidas

Onde sua alma renascia.

 

7 - Meu DEUS, onde estão agora,

Os imponentes bem-te-vis?

Que majestosamente orquestravam

A sinfônica da floresta feliz?

 

8 - Daqui não os ouço mais

Nem miro a velha palmeira

Onde o pica-pau com altivez

Penetrava seu bico na madeira.

 

9 - Só o pesar da tristeza

De quem não mais reverencia

O alegre rebuliço da Mata

Ou Ipê que na primavera floria.

 

10 - Aqui pareço mais a cigarra

Emitindo som estridente

Um peixinho fora do riacho

A fogo-pagô murmurando incessantemente.

 

11 - Mas no pulsar do peito, o desejo

De regressar à Terrinha um dia

Recuperar o brilho nos olhos

Personificar novamente a alegria.

 

12 - Tal qual o sabiá

Que as manhãs contagia

Encantando as deleitosas fêmeas

Afugentando os rivais com ousadia.

 

13 - Ou a destreza das jaçanãs delirantes

Que desfilam nas lagoas sombrias

Flutuando sobre gélidas águas

E predadores frustrando com maestria.

 

14 - Do mesmo modo que fazia

Ante represálias de meus pais

Em fins de tarde fugia

Mangueiras subia, adentrava bananais.

 

15 - É o que nutre a esperança

Alenta o meu coração

Encarnar os dons da floresta

Da minha Mata do Japão.

 

16 - Para meus campos avistar

Meus babaçuais contemplar

Aos pares testemunhar

E às musas poemas declamar.

 

17 - Os medos que vivenciei

As lembranças que me agarrei

As dores que superei

As forças que arranquei.

 

18 - Para novamente feliz evocar

Com a mais sublime paixão

A nota de alegre música

E fincar os pés no bendito chão.

 

19 - Assim nunca mais sofrerei

A angústia da desilusão

O temor de exilado ficar

Da minha amada Mata do Japão!!!

 

PS. Escrevi quando estava na Capital.

Bateu uma saudade de casa!

 

(*) (Jean Carlos Gonçalves) é professor, poeta, pesquisador e historiador.