quinta-feira, 30 de julho de 2015

Um Tempo no Passado

Tela do Pintor Francisco Martins(Xuxa)


                                             Ailton Lima*
Houve um tempo no Passado
Que era o tempo da foice e do facão
Tempo do ferro amolado
Do “gume” do machado
Do mato roçado
Esperando virar carvão

Houve um tempo no passado
Que poucos dias depois do verão
Era tempo do mato “brocado”
Dos galhos tombados
Do corpo suado
Esperando a refeição

Tempo de caminhos de roça
Cheios de formigas andando no chão
Mulheres a passos vexados
Com o cachorro do lado
Tempo de cuidado
Com taiocas e correição

Esse tempo também foi um tempo
Que o fogo era grande atração
Homens correndo pra todo o lado
Pra manter o fogo afastado
Das quintas de gado
Do nosso patrão

E o cheiro daquele tempo
Era de chuva caindo no chão
O milho em fileiras plantado
Pareciam mesmo soldados
Eram gigantes fardados
Em seu batalhão

Agora era tempo de capina
Ervas cortadas entre a plantação
Vento soprando calado
Lavrador olhando animado
Num sorriso que era provocado
Pelo canto de um Carão

Agora é tempo de milho verde
Ainda tem chuva e muito trovão
Caminho da roça orvalhado
Tempo de milho assado
Melancias em sacos atados
Mulher acendendo o fogão

Agora é tempo de arroz maduro
É tempo de muita animação
Lavradores com cofos de lado
Arroz de cachos virado
Cofos de arrobas pesados
Pela balança do seu patrão

E o arroz deixado no rancho
Vez em quando recebe o sol do verão
Enquanto espera amontoado
O milho vai ser “quebrado”
Isso quer dizer apanhado
O último “fruto” da plantação

Agora é tempo de batidas
O roceiro chama de “batição”
Cacetes depois de cortados
Batendo com todo cuidado
Um roceiro de cada lado
Fazendo calos nas mãos

Depois de muito suor
Vem o tempo da decepção
O legume depois de ensacado
No lombo de burro é transportado
E a melhor parte é deixado
Como renda para o patrão

*Ailton Lima, 33 anos, é brasiliense, agricultor, reside no interior de São José dos Basílios.

segunda-feira, 27 de julho de 2015

Jack Estuprador e o Galinho Garnisé




                                                                                              (Elmar Carvalho)*

Dois meses atrás, quando estive na Várzea do Simão, reparei na beleza perfeita e miúda de um galo garnisé. Todo recoberto de penas escuras e vermelhas, mas em diferentes gradações e tonalidades; algumas chegavam a ser furta-cores. De crista altiva, bem recortada e de um vermelho muito vivo, quase como se fora uma joia, o galinho parecia imponente, mesmo sendo tão pequeno. Dizer-se que um garnisé é pequeno é quase uma redundância, mas se o digo é para lhe realçar a beleza minimalista, quase como se fora uma caprichosa escultura da ourivesaria de Botticelli. Consciente ou inconsciente do seu próprio ser, com certeza era desprovido de orgulho e vaidade.



Contudo, caminhava empinado, bem ereto e de peito estufado, como se nada temesse. Seu canto, embora agudo e um tanto curto, era um claro, metálico e vibrante toque de clarim. O Didi, que me havia dado algumas informações sobre o galinho garnisé, aduziu que ele me pertencia, uma vez que o Reginaldo, morador da Várzea, me dera de presente (embora disso eu ainda não tivesse conhecimento). Fiquei satisfeito com o mimo. Com efeito, o galinho era mesmo mimoso. Parecia uma pintura, um encanto, ou mais que isso: parecia uma obra de arte feita diretamente pelo artista Supremo, em que Ele tivesse desejado superar-se a si mesmo.

Vendo a beleza dessa ave, sem outra preocupação a não ser ciscar e catar grãos no terreiro, lembrei-me do que me contou um amigo, faz algumas décadas. Esse amigo recebera de presente de seu pai um galo garnisé. Criou-lhe grande afeição. O pequenino garnisé passou a ser o seu brinquedo favorito e o seu mais valioso tesouro.



Certo dia, porém, após comer um delicioso prato de galináceo a molho pardo, recebeu de seu pai a brutal notícia de que acabara de deglutir o seu galinho de estimação, em decorrência do aperto financeiro por que passava. O meu colega ficou chocado. Não sei se chegou a vomitar. Segundo ele me afirmou, nunca mais comeu galinha em sua vida, em razão do trauma que lhe ficara.



Recentemente, ao retornar à Várzea, perguntei ao Didi pelo meu galinho garnisé. Fiquei consternado ao receber a impactante notícia de que ele morrera. Fora “assassinado”, de forma covarde, por um galo que devia ter cinco vezes o seu tamanho. O matador, além de seu porte avantajado, devia pesar pelo menos seis vezes mais que o minúsculo garnisé.

O algoz, que naturalmente se sentia o rei do pedaço, senhor absoluto do poleiro e de todas as galinhas, tentou cobrir o pequenino garnisé. Acho que o tomara por uma franga. O garnisé, todavia, era bravo e repeliu o insolente assédio. Macho que era, rechaçou a inoportuna e impertinente investida do galo grandalhão.



O brutamontes não lhe perdoou a heroica recusa; furiosamente o matou com várias bicadas em sua formosa cabecinha, coroada com a magnífica crista escarlate de que já dei notícia. O Didi passou a chamá-lo de Jack Estuprador, e passou a alimentar um forte desejo de comê-lo a molho pardo, tendo como complemento um apetitoso pirão de parida. Todavia, o seu dono recusou a proposta, em virtude de que Jack é um competente reprodutor, e de não possuir ainda um outro galo capaz de substituí-lo à altura.

O epíteto Estuprador, convém salientar, não é de todo bem posto, uma vez que o intento restou frustrado. Isto porque o galinho não tinha a menor inclinação para ser galinha de quem quer que fosse, e muito menos daquele desabrido e aloprado galo. Ao contrário, tinha a sua companheira, uma galinha garnisé, imaculadamente branca. Deixou descendência, entre os quais alguns pintinhos e uma galinha e um galo, que ainda não tem a imponência e o canto vibrátil do seu falecido genitor.



O galinho garnisé era macho, destemido e heroico em sua pequenina e delicada formosura, e não aceitava insolências e deboches.    
 * Elmar Carvalho é Juiz aposentado, Poeta, Contista, Cronista, Crítico Literário e Membro da Academia Piauiense de Letras.

quinta-feira, 23 de julho de 2015

A Mercearia Mais Suja do Mundo

Fotografia ilustrativa


                                                         
O ambiente era um dos mais aprazíveis do Recife, o bairro de Dois Irmãos. Naquele ambiente interiorano, situa-se a Universidade Federal Rural de Pernambuco, um belíssimo projeto arquitetônico construído em meio a um complexo de árvores frutíferas para abrigar uma das mais conceituadas universidades do nordeste, bem próximo ao Zoobotânico do Recife. Juntinho ainda do belo Apipucos de Gilberto Freire. O período a que me refiro é a década de setenta, época em que estudava naquela unidade federal de ensino superior. Morador do campus, durante a semana me alimentava no próprio restaurante universitário. A comida era farta e de boa qualidade e o restaurante tinha como único senão o fato de fechar nos finais de semana e feriados. Assim, contrariando o que sempre se afirma, não gostávamos muito desses períodos sem aula, quando o velho restaurante cerrava as portas. Quando tínhamos algum dinheiro, ainda dava para quebrar o galho na Cantina do João, onde era possível saborear um belo prato de macarrão com um vistoso e saboroso ovo estrelado e encavalado sobre o monte de massa. Em contrapartida, se a grana estivesse curtíssima, como sempre acontecia, recorríamos a uma mercearia que ficava logo à entrada do campus.



Confesso que sou daqueles que acredita que o tempo tem o poder de agir como uma espécie de esponja que vai apagando as lembranças ruins da nossa mente e deixa somente a parte boa da nossa “aventura humana na terra”. Somente isso explica o fato de estar hoje considerando aquele ambiente funesto e nauseabundo como mercearia. Na verdade, era o que convencionamos chamar de bodega ou birosca, um autêntico mosqueiro, na acepção da palavra. A bodega ficava situada bem na beira da via pública, no começo de uma curva bem acentuada. Logo à primeira vista era possível se depreender o que encontraríamos no seu interior. A parede frontal do comércio estava sempre suja, e parecia está há muitos anos sem uma demão de tinta. Parte daquela sujeira era causada pelas rodas dos veículos que transitavam por ali e costumavam espirrar a água da sarjeta diretamente nela, enlameando-a e deixando-a como se fosse uma aquarela mal-acabada. Mas a impressão primeira era bastante piorada quando se entrava no local. A sujeira e a desarrumação no seu interior suplantavam em muito o que se via no lado de fora. 



Quem atendia à clientela era um homem moreno e de meia idade, barriga proeminente e estufada, à mostra pela abertura da camisa completamente escancarada, posto que nem um único botão se mantivesse abotoado. No ambiente completamente sob a penumbra, no que pese ainda estarmos com o sol alto, o que se via era um homem de aspecto muito sujo, o suor escorrendo em cascata pela testa e fronte e os cabelos encaracolados sempre em completo desalinho. No interior do comércio a situação era de completa desarrumação, como já informamos, com as mercadorias empilhadas pelo chão ou encostadas na parede. Algumas prateleiras toscas e mal-arranjadas serviam como depositário de uma infinidade de caixas e vários outros produtos arrumados sem nenhuma lógica, jogados ao léu como se fora algo imprestável. Sobre o tampo do extenso balcão já beirando à ruína, espalhavam-se um amontoado de papéis de embrulho, rolos de fumo-de-corda, latas de biscoito já completamente enferrujadas, alpercatas de couro, lamparinas amarradas em pencas, e poeira, muita poeira encobrindo tudo. E no centro de tudo aquilo, encostado ao velho balcão, o proprietário olhava para o cliente com aquele olhar de peixe morto, a preguiça e o péssimo humor avultando à tristeza do ambiente.



Atrás dele, empilhados em um caixote decrépito de madeira, estava o produto que costumeiramente vínhamos comprar: bandejas de pão-doce. Pão doce, porque era mais barato e mais palatável, estando ainda macio naquele instante, no que pese ter sido fabricado nos dias anteriores. Mas o pior era observar aquele enxame de moscas esvoaçando sobre eles, atraídas pelo doce que os encobria. Era algo repugnante, mas tínhamos a nossa forma de defesa também. Para desgosto do quitandeiro, pedíamos que ele retirasse os pães que estavam embaixo da pilha. E ele, mesmo a conta-gosto, metia a mão suja, unhas carregadas de escórias, na parte de baixo da pilha de pães e retirava de lá a quantidade que queríamos, embrulhava no papel sujo e riscado que ele mantinha sobre o balcão e nos entregava, após o devido pagamento realizado. Pronto. Saiamos correndo do local para apagar da mente aquela imagem repugnante que saltava aos olhos e assim poder comer o nosso frugal jantar.



Mas, tudo tem limite. Uma coisa que eu nunca consegui fazer foi tomar o refresco que o merceeiro vendia e que conservava na velha geladeira, de um dia para o outro, dentro de uma panela velha e amassada. Era preferível comprar os saquinhos de Ki-Suco e fazermos o refresco nós mesmos.



Quando me encontro à mesa da sala de jantar, rodeado pela filharada que reclama da qualidade da comida cheirosa e bem apetitosa feita pela nossa secretária, evoca à minha mente a imagem que nem o tempo conseguiu minimizar daquela mercearia imunda e mal-cheirosa lá no Recife. É certo que todos precisam passar por experiências como aquela para poder dar valor às coisas que conseguimos ganhar; ao pão de cada dia que nunca nos têm faltado. Agradeço a Deus todos os dias pela mesa farta, assim também pela experiência vivida. Somente as vicissitudes da vida e os maus momentos têm o dom de fortalecer o nosso ânimo e temperar a nossa força de vontade na busca de uma posição melhor. Salve, portanto, a mercearia mais suja do mundo. Eleita porque, nas minhas andanças Brasil afora, e um pouco pelo resto do mundo também, nunca mais me deparei com um lugar terrível como aquele. 


segunda-feira, 20 de julho de 2015

Fotografias Comparativas Para o Álbum de Presidente Dutra

Foto acervo Salomão Soares

           A fotografia acima é da década de 60, e retrata um dos períodos áureos da produção agrícola no município. A frota que se vê, pertencente ao empresário Salomão Soares, estava estacionada em frente aos depósitos da sua usina de beneficiamento de arroz, à Praça Biné Soares. Sobre os dois caminhões, carregados com sacas de algodão que seriam levados para as usinas beneficiadoras em Codó, vemos alguns trabalhadores que na época prestavam serviço ao empresário. Entre os dois caminhões, o seu Aero Willys de passeio, carro mais moderno da época. E, finalmente, do lado de um dos caminhões, o Jipe Willys da família para transitar pelas estradas enlameadas daquele tempo.  Retrata ainda um tempo em que a cidade não possuía uma metro de calçamento.
          Importante relembrar, que em épocas ainda mais distante, a cidade possuía várias usinas de beneficiamento de algodão, as tais bulandeiras. Uma delas, localizada na rua Sebastião Gomes, esquina com a travessa Nelson Sereno, ficava a mais moderna e funcionava à base de uma usina à vapor. Por ocasião da fotografia acima, não existia mais nenhuma usina para beneficiar o produto posto sobre os caminhões da foto. O foco empresarial no município já estava em franco período de mudanças.    




Fotografia de 2007.
          Esta outra fotografia da Praça Biné Soares foi feita em 2007, como esclarece a legenda, e em um ângulo um pouco diferente, inclinado para a direita. As duas, contudo, retratam o mesmo local em épocas diferentes, decorridos cinquenta anos entre uma e outra. As diferenças da cidade são visíveis. Hoje o comércio é o braço forte da economia da região, que teve o seu território bastante reduzido depois da criação de alguns novos municípios no seu entorno. 

sexta-feira, 17 de julho de 2015

Caçador de Palavras

by Vitrine Mania
José Pedro Araújo


Na tentativa de passar para o papel o texto de uma crônica que me martela o juízo já há muitos dias, deparo-me com um sem número de dificuldades que me impedem de registrar o teor que eu imaginei. As palavras teimam em não fluir da forma que vieram em minha mente momentos atrás, escondem-se, ficam indisponíveis; tento novamente retomar o fio da meada, agora no sentido inverso, nada acontece. Diligencio novamente, e dessa vez consigo captar algumas palavras soltas que não tem a mesma clareza que eu gostaria, para que o texto pudesse fluir com leveza. Tudo bem, depois procurarei substituí-las por outras de fonética mais agradável. Volto à caça de novas palavras para terminar o meu raciocínio e me deparo novamente com o mesmo problema do inicio: palavras escapam sorrateiramente, escondem-se nos desvãos da memória, submergem no profundo lago do esquecimento, como se tivessem medo de aflorar, vir à tona. Insisto. Tento novamente apanhar aquelas mais conhecidas, de uso quase popular e vou montando vagarosamente o meu texto que, mesmo não possuindo ainda a placidez e a aparência simpática que eu gostaria que ele tivesse, já consigo me satisfazer com o inicio da forma que gostaria de lhe dar. Está mais palatável, tem mais sonoridade ao ser pronunciado, até já começa a agradar aos meus ouvidos. E assim vou avançando vagarosamente rumo ao meu texto alvo, apanhando as palavras com muito cuidado, com pinças de extrema maciez. Reorganizo as frases. É verdade que algumas delas ainda são apanhadas com dificuldade, porém de forma indolor e sem arranhões. Armo-lhe armadilhas em lugares da memória por onde sei que fatalmente irão passar e, em seguida, zás: capturo uma até com certa facilidade. Ajusto-a ao texto, no lugar que mais me parece o ideal. Ela concorda comigo que ali estará muito mais confortável do que estava anteriormente quando se achava vagando sem sentido no meu cérebro. Agora o texto está perdendo a aridez e dele brota uma sonoridade de cântico lírico; a sua rigidez foi substituída pelo sentido retilíneo, com caminhar amoldado e congruente. Volto a procurar novas palavras no meu subconsciente e vou encontrando no caminho algumas outras que até já se apresentam como voluntárias. É bem verdade que a maioria ainda se esconde, foge rapidamente quando quase me estou assenhorando delas. Insisto mais, vou à caça sem esmorecimento e pego uma antes que ela vire a esquina de um local escuro e de difícil acesso, uma reentrância para onde vão as menos utilizadas durante toda a vida. Opa! Ela esperneia e tenta se soltar. Seguro-a com firmeza, mas sem machucá-la; preciso dela bem disposta, saudável, para compor o meu texto. Tenho que achar a posição correta para ela antes que me escape e fuja para sempre em meio ao esquecimento. Terminada a tarefa, passo a procurar outras desertoras que também me escapam rapidamente e por um bom tempo não consigo encontrá-las. Sem problemas. Volto mais tarde para tentar achá-las, e desta vez tenho mais sorte: uma linda palavra que estava descansando tranquilamente em um belo e verde gramado, à beira de um laguinho sonolento e muito azul, não ofereceu resistência e concorda em me seguir com muita docilidade. Disse-me até que estava muito satisfeita em compor comigo e que não o fizera antes porque não fora procurada. E assim vou seguindo até encontrar um pequeno grupo de palavras que, apesar de belas, sentiam-se rejeitadas, e por isso, desanimadas, reclamando que quase não são mais procuradas, que foram trocadas por outras mais na moda. Uso-as e o texto fica super belo, robusto e, surpresa: moderno.  Estou ganhando velocidade no meu mister, já discorro com fluidez. Como capturador de palavras, capitão-do-mato da escrita, já posso dizer que estou bem melhor, quase me sinto um nobre e excelente caçador. Prossigo animado e dou com um grupo robusto, populoso, que pulam à minha frente, oferecem-se sem nenhum pudor, pedem insistentemente para que eu as carregue comigo. São barulhentas e de sonoridade escrachada; são mesmo volúveis, posso sentir. Estaco indeciso. Indagam-me porque tenho tantas dúvidas em levá-las; não entendem a minha indecisão, se são as mais procuradas na atualidade; elas povoam as crônicas, as poesias, os textos políticos e até mesmo os de auto-ajuda. Tentado, mas resoluto, sigo em frente sem olhar para trás, dobrando a primeira esquina e tomando um atalho para voltar. Já quase chegando ao começo da trilha me deparo com outro numeroso e barulhento grupo de palavras. Parece-se com um mercado persa, pela movimentação e pelo barulho que observo. Aproximo-me do ruidoso grupo e, qual não é a minha surpresa: trata-se de um ajuntamento especial formado por palavras mutiladas, algumas tão amputadas que permaneceram somente com as suas iniciais. Agarro a mais próxima e lhe pergunto o porquê de tudo aquilo. Qual a razão de estarem tão alegres, se, afinal, encontram-se naquela situação. Ela me olha com um sorriso de deboche nos lábios, como a me perguntar de que planeta eu sai. Mas, com um muxoxo de resignação, me responde que estão assim para poderem ser utilizadas pela nova tecnologia utilizada nas comunicações, uma tal de internet. Desiludido, procuro a saída e resolvo parar por ali. Estou me considerando o mais arcaico dos homens por não achar beleza nas tais palavras amputadas. Quero e devo continuar me utilizando das palavras inteiras, não despedaçadas. Sigo na companhia dos caretas, dos retrógrados, dos pouco-lidos. Somos anônimos, mas somos felizes em poder brincar com a sonoridade límpida das palavras inteiras, mesmo daquelas pouco usadas que, apesar de esquecidas, continuam tão belas quanto antes.