sábado, 31 de dezembro de 2022

ANO NOVO

Imagem do Google

 

Ferreira Gullar(*)
Meia-noite. Fim
de um ano, início
de outro. Olho o céu:
nenhum indício.
Olho o céu:
o abismo vence o
olhar. O mesmo
espantoso silêncio
da Via-Láctea feito
um ectoplasma
sobre a minha cabeça
nada ali indica
que um ano novo começa.
E não começa
nem no céu nem no chão
do planeta:
começa no coração.
Começa como a esperança
de vida melhor
que entre os astros
não se escuta
nem se vê
nem pode haver:
que isso é coisa de homem
esse bicho
estelar
que sonha
(e luta).

(*) Ferreira Gullar | Pintado por Eduardo Kobra num mural na cid… | FlickrFerreira Gullar, poeta maranhense, falecido, ex-membro da Academia Brasileira de Letras, um dos maiores da sua geração.

sábado, 17 de dezembro de 2022

OS CAPUCHINHOS E A EDUCAÇÃO NO CURADOR E REGIÃO

Convento em obras - foto pertencente ao acervo das irmãs Capuchinhas

José Pedro Araújo(*)


Desde os primórdios da ocupação da região a leste da capital, fortemente obstaculizada pelas suas imensas dificuldades de acesso, ficou este trato de terras conhecida como Matas do Japão no mais profundo adormecimento. A parcela do território situada entre o Itapecuru e o Mearim, ainda permaneceria muito tempo em total isolamento. Sem caminhos conhecidos, passava-se ao largo das terras da mesopotâmia maranhense, usando-se as estradas líquidas que os rios ofereciam para se chegar a Barra do Corda ou Picos (Colinas), sempre ficando o centro geográfico da região no esquecimento.

Tempos depois, sempre contornando a região do Japão, os desbravadores chegaram até as margens do Tocantins, e então resolveram rasgar as escuras matas do centro, riscando a primeira estrada que passaram a denominar de Central do Maranhão, para encurtar o caminho e transportar as boiadas que vinham da região tocantina até a capital. Foi assim que nos descobriram.

E pouco tempo depois de viabilizado este acesso, os capuchinhos lombardos chegaram por aqui também. Desde então, sempre estiveram envolvidos com a educação dos povos da região.

A propósito disto, a presença dos religiosos de barbas longas é identificada no Maranhão a partir de quando caravelas francesas aportaram em Upaon-Açu em 1612, na bela ilha de São Luís, como hoje é conhecida. Naquelas naus comandadas por Daniel de La Touche, pequenas embarcações de madeira que mal se mantinham flutuando à flor das águas do bravio oceano atlântico, já vinham embarcados alguns monges capuchinhos que, daquela vez, possuíam cidadania francesa. Essa parte da história é contada aos maranhenses desde as primeiras aulas de história do ensino fundamental. Afinal, foram eles os fundadores da cidade de São Luís do Maranhão.

Quase três séculos depois daquela aventura que duraria até 1615, os frades capuchinhos voltaram ao Maranhão. Corria o ano de 1893, quando religiosos italianos da região da Lombardia tiveram permissão para se instalarem no Maranhão. Vinham eles imbuídos do propósito de levar a palavra de Cristo aos indígenas da região, era este o plano inicial. Chegaram, depois da longa travessia, e instalaram a sua base de operações no Convento do Carmo, em plena praça João Lisboa. E lá permanecem até hoje. Entretanto, como na grande ilha dos Tremembé não havia mais índios residindo, posto já terem migrado para o interior do estado maranhense, partiram os capuchinhos para a região ocupada por eles, no alto Mearim e foram fazer história por lá também.

Capitaneados por frei Carlo de San Martino Olearo, instalaram-se aqueles homens determinados naquele rincão desolado, distante da capital, e ali lançaram as bases do que viria a ser a Prelazia de São José do Grajaú. Relata a história dessa aventura, que a pequena igreja católica de Barra do Corda estava sem pároco por aquele tempo, reflexo da enorme dificuldade encontrada pela igreja de suprir as necessidades de frades, sobretudo em lugares remotos como aquele, e foi lá que eles se instalaram a princípio.

Mas aqueles padres barbadinhos estavam preocupados não somente com a doutrinação cristã, como também com a tarefa de levar a educação formal aos índios e, de igual modo, às crianças de toda a região central do estado que permaneciam no mais terrível obscurantismo. Desde então, os religiosos da ordem criaram escolas, a princípio em Barra do Corda, depois no Alto Alegre, povoado situado entre as localidades de Barra do Corda e Grajaú, em meio a inúmeras tribos indígenas, e depois em toda a região.

A página final da história deste internato do Alto Alegre foi escrita com um banho de sangue sem precedentes na nossa história, ocasião em que foram trucidados vários religiosos e religiosas capuchinhos, além de dezenas de estudantes internos. Esta parte da história já foi contada aqui no blog em dois textos publicados anteriormente (O Massacre do Alto Alegre e O Massacre do Alto Alegre – a infeliz Perpetinha). Esse fatídico fato se deu logo no início do trabalho dos capuchinhos lombardos na região, e se deu no dia 13 de março de 1901, um domingo que era para ser festivo, quando um dos frades, do púlpito, levava a palava de Deus aos assistentes naquele dia. Foi escrita naquele dia escolhido pelos cristãos para o descanso e a celebração de suas missas a página mais triste da história da religião cristã nestes trópicos.

Nada disto, entretanto, fez arrefecer a determinação dos lombardos de levarem até aos confins do sertão, a palavra de Deus e o conhecimento das letras aos moradores daqueles rincões. Contudo, redirecionaram por um tempo as suas ações e passaram a realizar suas ações a não indígenas situados nas povoações esparsas situadas muito distante da sua base, atingindo pontos situados no seio da mata quase intransponível. Foi deste modo, que eles, montados a cavalo, chegaram ao nosso Curador, pequena vila que engatinhava rumo ao futuro e se ressentia da falta de ministros cristãos e de educadores entre os seus moradores. Isso aconteceu anos depois do massacre do Alto Alegre. E quando os capuchinhos chegaram em terras do Curador, até já contávamos com alguns mestres-escola que praticavam seus ensinamentos entre as crianças, ocupando parte das dependências das suas próprias residências para ministrar suas aulas.

Contudo, foram os capuchinhos que criaram as primeiras escolas formais em nossa povoação. Duas escolas. A Escola Paroquial São Bento e o Educandário São Francisco de Assis, estabelecimentos educacionais inauguradas no início do ano de 1948. A ordem para a aquisição dos imóveis e a fundação dos colégios, partiu do Prelado, Don Emiliano Lonati. A primeira delas, para receber crianças do sexo masculino, e a segunda para as meninas, e, eventualmente, alguns meninos internos, segundo nos informa a professora Maria de Jesus Jardim em depoimento colhido pelo historiador Elyellson Batista de Morais, publicado na sua monografia Presidente Dutra-MA – Um Capítulo da História do Maranhão. A propósito disto, a informação de que meninos também estudavam nesta última escola, o Educandário São Francisco de Assis, inclusive em regime de internato, foi uma surpresa para nós que até então acreditávamos que somente crianças do sexo feminino frequentavam aquele estabelecimento.

A professora Jesus Jardim afirmou ainda, com grande conhecimento de causa, que era ela a pessoa responsável pela orientação e fiscalização dos meninos que lá estudavam em regime de internato. Esclareceu, ainda, que os garotos dormiam em um amplo salão, e que as meninas instalavam-se em outro, tudo sobre severa fiscalização das freiras e suas assistentes. Afirmou, por fim, que no interior do imóvel havia uma capela montada sob os auspícios de São Francisco. 

 

Antiga sede do Educandário S. Francisco de Assis (F. IBGE)

Já no seu início, o colégio era administrado pelas religiosas pertencentes à Ordem Terceira dos Capuchinhos de Gênova, enviadas pela ordem para se responsabilizarem pelas tarefas relativas ao campo educacional. E, por fim, Jesus Jardim reforçou suas informações identificando os nomes daquelas religiosas, as primeiras a chegarem à região: diretora, irmã Maria Helvécia; e as demais, professoras irmã Fidélia, irmã Benta e irmã Crescência. Com uma memória privilegiada de fazer inveja, a dita professora concluiu suas informações afirmando que as freiras haviam chegado à cidade em uma tarde de domingo e que haviam sido recebidas com grande festa pela população. Fizeram elas o último trecho da jornada, montadas em animais de sela desde a vila de D. Pedro, depois de partirem de trem de São Luís até Codó, e dali até D. Pedro, que então se chamava Mata do Nascimento, sobre a carroceria de um velho caminhão.

Pequeno para tanta procura, uma vez que o colégio passou a atender a toda a região da Mata do Japão, entendeu logo o Prelado D. Emiliano Lonati que precisavam de um espaço maior para a missão, e foi então que adquiriram o imóvel que se situava no próprio largo de São Sebastião, local bastante amplo onde funcionava um antigo “engenho de algodão”, e utilizado também como residência pelo seu proprietário. Esta informação quem nos dá é frei Metódio de Nembro, e foi colhida do seu livro “São José de Grajaú – Primeira Prelazia do Maranhão”.

A propósito disto, naquele local já havia residido, alguns anos antes, o meu avô Diolindo Luiz de Barros com a família. Conversando com a minha mãe a respeito daquele importante lugar, disse-me ela que tinha muitas recordações da casa simples em que residiam, e do grande largo em frente a ela, que continham dois pés de tamarindo que produziam agradável sombra, e que era local de suas brincadeiras, quase em frente da sua residência. Naquele espaço foi dado início à construção de um novo prédio para acolher o Educandário São Francisco de Assis. Antes, contudo, aproveitaram os novos proprietários a estrutura já existente da usina de beneficiamento de algodão e da residência, realizaram algumas reformas, tudo sob o comando do pároco local, frei Renato de Volgrana, e instalaram provisoriamente o colégio.

A inauguração das novas instalações se deu no início do ano de 1952, três anos depois e após intenso trabalho dificultado pelas condições financeiras precárias da ordem.


Imagem atual do Convento(foto de Carlos Magno)

 

E para ilustrar as dificuldades enfrentadas para se construir tão monumental obra, recorremos novamente ao depoimento da professora Maria de Jesus Jardim, tomado pelo historiador Elyellson Batista, como já afirmamos. No seu depoimento, encontramos a informação de que a execução do projeto do novo prédio do convento foi feito quase todo em regime de mutirão, e que as pessoas da comunidade transportavam material para a construção desde a distante Lagoa de Pedra com enormes dificuldades. Parecia já ser esta uma atividade corriqueira dos membros da comunidade. Na emblemática fotografia em que registra o mesmo largo, e que retrata instantâneos da reconstrução da Capela de São Bento anos antes deste fato, em 1928, aparece a figura do frei Heliodoro de Inzago à frente de um numeroso grupo de moradores locais. Na fotografia está registrada também a presença de muitos moradores portando tijolos e pedras sobre a cabeça, mostrando que aquele povo estava profundamente envolvido na reconstrução do pequeno templo religioso. O mesmo se deu quando precisaram deles para o início da construção do monumental prédio do convento. Estavam presentes, unidos e operantes.

Em recente crônica em que relatei a passagem do Senador Vitorino Freire e do Governador Archer pelo município em 1949, publicada neste espaço, discorri sobre a visita feita por eles ao Educandário São Francisco de Assis, situado ainda no canto baixo do Largo de São Sebastião, local onde hoje funciona a regional da Agência Estadual de Defesa Agropecuária do Maranhão-Aged. Alí afirmei que, naquela ocasião, sensibilizado com os problemas orçamentários vivenciados pela ordem capuchinha e nas suas dificuldades para levantar fundos para a construção do futuro Convento onde deveria funcionar o colégio e o internato, Vitorino Freire havia se comprometido em mover gestões junto ao governo federal com o propósito de alavancar recursos financeiros para a obra. E que, de fato, algum tempo depois, conseguiu com o Presidente da República, Eurico Dutra, a doação de quarenta mil cruzeiros para ajudar na construção daquele estabelecimento de ensino.

Interior do Convento(foto do autor)
 

Três anos depois, estava pronta uma das mais belas obras existentes no município, com sua arquitetura tendendo para o greco-romano, ou lombardo evoluído, como chegou a afirmar frei Metódio, já relacionado nesta crônica. Dói não poder afirmar, e fazer justiça aqui, quem foi o arquiteto da obra, quem trabalhou na sua ereção, pedreiros, ajudantes de pedreiro, carpinteiros, toda uma gama de profissionais oriundos da região. O fato é que eles puseram de pé uma das obras da engenharia e arquitetura mais emblemáticas de todo o interior maranhense. Seu piso de ladrilhos hidráulicos sempre tiveram em mim, e ainda tem, um admirador perpétuo. Este belo edifício com seus arcos na parte interna, foi transformado em internado e concedeu abrigo a centenas de jovens de toda a região. E sob o seu teto aquelas meninas-moças adormeceram e sonharam um futuro alvissareiro, antes tão distante do seu radar. Quantas delas saíram dali normalistas para depois transmitirem os ensinamentos aprendidos para outras pessoas. Ginásio, normal pedagógico, oficinas de costura, salas de música, e até mesmo uma livraria, funcionou ali, por falta de algo similar na pequena cidade. E funcionou muito bem assim até início dos anos setenta, e até que novas ideias e decisões dos administradores da ordem determinasse o seu fechamento.

Muitos anos depois, após permanecer de portas cerradas para uma cidade sequiosa de estabelecimentos do seu porte, a monumental obra do convento das irmãs, como o conhecíamos, reabriu suas portas e nela passou a funcionar o Colégio da Sagrada Família. A paróquia, proprietária do patrimônio, já estava sob a orientação da nova Diocese de Grajaú, não mais sob a direção de seus aguerridos benfeitores capuchinhos. A vice-província capuchinha havia deixado a administração da paróquia em 22/11/1984, para empreender novos projetos religiosos depois de quase um século de incansável trabalho catequético e educacional. No prédio do antigo Convento das Irmãs Terceira Capuchinhas, hoje abriga-se hoje também a FAP – Faculdade Presidente Dutra, que oferece os cursos superiores de bacharelado em Direito e bacharelado em Enfermagem. E segue, portanto, o convento das irmãs capuchinas, desempenhando o seu mister com louvor na formação de cidadãos e cidadãs operosos, mas agora somente no campo educacional.

(*)José Pedro Araújo é engenheiro agrônomo, funcionário público federal aposentado, historiador, cronista, romancista, e coordenador do blog Folhas Avulsas.