quinta-feira, 19 de janeiro de 2023

Uma mala extraviada.


 

Imagem extraída do Google

Luiz Thadeu Nunes e Silva(*)


Eles nunca tinham se visto. Ele a viu discretamente no balcão do check-in.

Chamou sua atenção a elegância discreta dela. Ele prestou mais atenção quando ela ficou na sua frente, na fila do embarque.

Ele fixou o olhar nela, viu cada detalhe: o cabelo, a roupa, o contorno do corpo, o andar, os sapatos. Quando entrou na aeronave, ela estava sentada na poltrona do corredor.

Ela levantou-se ao vê-lo se aproximar; ele sentaria na mesma fileira, na janela.
Ao passar por ela, sentiu seu perfume, uma fragrância forte, marcante. Isso despertou nele algo inesperado. Se ela chamava sua atenção pela beleza e charme, o perfume aguçou o desejo de tê-la em seus braços.

O comandante anunciou o fim do abastecimento da aeronave; em seguida levantariam voo.
Acomodada na poltrona, ela fechou os olhos, ele pegou o notebook que retirou da mochila.

Ele sempre a olhava de soslaio, ela não notara seus olhares.

Com a aeronave nas alturas ela dormiu. Ele começou a escrever o parágrafo final do projeto que teria de enviar para a matriz.

Com as luzes da cabine apagadas, ele passou a observá-la melhor, sem se preocupar que alguém o visse.

Quem será essa bela mulher? É casada? Tem filhos? É feliz? Que mulher bonita, pensou.
Assim foi o voo todo, ele observando-a, ela dormindo.

Novamente o comandante fez uso do microfone para informar que dentro de instantes aterrissariam no aeroporto internacional Governador André Franco Montoro, Guarulhos, SP.

Ela se acomodou na poltrona, ele observou-a um pouco mais, sabia que após a descida, provavelmente não se veriam mais.

Após a aeronave taxiar pela pista, parou, e os passageiros começaram a se arrumar para desembarcar.
Ela que faria apenas escala em Guarulhos, tinha pouco tempo para retirar a mala de mão do bagageiro, além de pegar a outra na esteira. Agora, era correr e pegar o próximo voo para Barcelona.
A mala de mão engatou, mesmo com todo jeito, não conseguiu tirá-la.
Ele vendo o sufoco dela, perguntou se poderia ajudá-la. “Sim”, disse baixinho.

Ele se aproximou, retirou a mala que teimava em não seguir viagem. Entrego a ela.


- Obrigado, disse ela.

Ela seguiu em frente, apressada, para pegar a mala despachada. A mala não apareceu, o tempo passou, a ansiedade dela aumentou.


Olhou mais uma vez para o relógio, fez algumas ligações do celular.


Ele vi a cena, de longe, sem entender o que acontecia.


- O quê houve? - Perguntou ele.


- Minha mala que não chegou, tenho que seguir viagem, acho que vou perder o voo.


- Se puder ser útil, pode contar comigo.


- Obrigado.


- Moro em SP, se você precisar de algo me diga, esse é o meu contato.


- Obrigado, disse ela.


Ele pegou a mala dele e foi para o estacionamento.

Ela foi até o guichê da companhia aérea para saber qual solução para o extravio da mala. Como faria, já que perdera o voo.

A companhia aérea lhe ofereceu hotel, táxi e refeições até o aparecimento da mala.
Ela pegou o táxi, foi para o hotel, pegou o cartão dele, e ficou na dúvida, se ligava ou não para aquele homem gentil e solícito que ela não conhecia.


Tomou um banho demorado, vestiu a mesma roupa, desceu para o lobby do hotel, olhou ao seu entorno, viu à sua direita uma cafeteria. Se encaminhou até lá, se acomodou, pediu um café, tirou o cartão de dentro da bolsa. Pensou mais um pouco de era ousadia ligar para um desconhecido.

Tomou um gole de café, resolveu ligar:


- Oi, tudo bem? Sou a moça do avião. Tive um contratempo, vou permanecer em SP até resolverem o imbróglio da mala. Você tem tempo para um café.


- Claro, me passa teu endereço, te ligo quando estiver chegando.


Tem pessoas que se procuram. E, no momento certo, quando se encontram, as almas dizem baixinho:


- Eu sabia que íamos nos encontrar.


(*) Luiz Thadeu Nunes e Silva, Eng. Agrônomo, Palestrante, cronista e viajante. Autor do livro “Das muletas fiz asas”. O latino-americano mais viajado do mundo com mobilidade, visitou 151 países em todos os continentes.