segunda-feira, 27 de novembro de 2023

PRÉ-LANÇAMENTO DO LIVRO "VIAJANDO DO CURADOR A PRESIDENTE DUTRA" - história, personalidades e fatos.


 

Queridos amigos e amigas, estamos iniciando o processo de pré-venda do nosso livro Viajando do Curador a Presidente Dutra, livro que relata, entre outras coisas, a forma como se deu a colonização da região conhecida como Mata do Japão Maranhense. Trata-se de uma edição revista e atualizada, o que a faz vir encorpada em cerca de duzentas laudas, elevando o seu total para 576 páginas. A edição de 2007, que se encontra esgotada, foi levada ao conhecimento daquelas pessoas que têm alguma curiosidade acerca da história da região, e há tempos vinha sendo requisitada pelos citados interessados a sua reedição. No dia 07 de dezembro próximo, faremos o lançamento do novo livro em solenidade a ter lugar no auditório da Câmara Municipal de Presidente Dutra - MA, à partir das 18:30 horas. Contudo, aqueles que estiverem fora do município, região ou estado, poderão adquiri-lo também, e receberão o produto no endereço que nos informarem, sem os custos de postagem. Na imagem que emoldura este aviso, temos o número de Whatsapp (86) 8118-0785, para o envio de mensagens e demais informações necessárias à aquisição do citado livro. O valor do mesmo é de R$ 85,00. E como vamos adentrar ao período natalino, aquele em que as trocas presentes se dão em maior volume, poderá ser esta uma forma barata e interessante de presentearmos alguém, sobretudo aquelas pessoas interessadas na história do seu ou de outros povos.

quarta-feira, 22 de novembro de 2023

O “CARRO DO CARDOSO”: A DESASTRADA “CARONA” DE UM MENINO

Ônibus Misto ou Horário - Foto meramente ilustrativa


(Chico Acoram)*



Boca da noite de um certo dia de verão do ano de 1959 ou meados de 1960. Não lembro exatamente o ano. Talvez eu tivesse sete ou oito anos de idade. Uma grande lamparina cheia de querosene estava acesa alumiando preguiçosamente a sala principal da nossa casa, localizada na confluência do rio Marataoã (margem esquerda) com um pequeno lago, entre o bairro Boa Vista e a então localidade Pedrinhas, em Barras-PI.

Minha mãe “engomava” com esmero algumas muda de roupas do meu pai. Pacientemente, com uma das mãos, deslizava com delicadeza um velho ferro de passar à brasa sobre o vestuário. De vez em quando, me chamava para eu colocar um pouco mais de carvão e abanar aquele rústico utensílio doméstico. Três dias antes meu pai, que estava em Teresina em busca de meios de sustentação para a família, enviou pelo Ajudante do “Carro do Cardoso” uma trouxa com suas roupas sujas para que minha mãe providenciasse a lavagem, e as devolvesse pelo mesmo portador o mais depressa possível. Depois de passar a roupa, mamãe pegou todas as peças e as embalou, com carinho, sobre um pedaço de pano, alinhavando as extremidades do mesmo com uma grossa agulha. Em seguida me chamou:

- Meu filho vá dormir, pois amanhã bem cedinho você irá até a “Rua” levando esta encomenda para o Ajudante do “Carro do Cardoso” entregar para seu pai em Teresina.

De imediato, fui para o meu quarto. Deitei na minha rede pensando na tarefa do dia seguinte. Meu irmão mais novo, ao lado, ressonava. Não demorou muito, adormeci. Nessa noite, sonhei que viajava no “Horário” com destino a Teresina. Estava radiante em viajar nesse veículo. No sonho, meu pai me aguardava em Teresina onde me abraçou ternamente quando cheguei.

Cabe esclarecer que “Horário” é uma expressão regional dada aos caminhões adaptados (em madeira) para transportar passageiros e cargas, muito utilizados nos anos 40, 50 e até mesmo na década 60 do século passado, com características de ônibus. Segundo o escritor barrense Antenor Rêgo Filho, em seu livro BARRAS, HISTÓRIAS E SAUDADES, definiu com muita propriedade a expressão “Horário”:

“Era um caminhão com dupla finalidade: transportava mercadorias e passageiros. A cabine ou boleia era modificada, algumas formadas por três ou quatro filas de banco que ocupavam a metade da carroceria do caminhão e acomodavam 5 ou 6 passageiros cada uma. O restante da carroceria destinava-se ao transporte da carga. Em outros, a modificação era total, e ocupava-se toda a carroceria com bancos, tudo isso construído em madeira. Sobre a coberta dos bancos existia o toldo, onde eram colocadas as bagagens dos passageiros, levando de tudo: porcos, galinhas, carneiros, bode, sacos de farinha, arroz, frutas etc. Partindo de uma localidade, fazia o percurso, que se chamava “Linha”, uma ou duas vezes por semana. O motorista era figura de destaque, e gozava de muito prestígio. Trazia notícias, recados, cartas, encomendas, jornais e revistas. As partidas eram obrigatoriamente pela madrugada. Como sinal de partida, usava-se a buzina do veículo. A primeira buzina significava que já estava nos preparativos para a viagem, a segunda que já estava próxima a saída e a terceira e última era a partida iminente. Este mesmo código valia também para as paradas durante o percurso. A velocidade era pequena, dado o tipo de estradas e potência dos motores dos caminhões.”

Em Barras do Marataoã havia um “Horário” que era chamado “Carro do Cardoso” de propriedade do senhor Francisco Cardoso, mais conhecido pela alcunha de Chico Cardoso. Fazia a linha Barras a Teresina, com escala em José de Freitas. Partia de Barras rigorosamente às seis horas, e retornava de Teresina às quinze horas do mesmo dia.

Na manhã seguinte, ainda ao alvorecer, estava eu a caminho do centro da cidade levando aquela preciosa encomenda. A passarada cantava com todo seu esplendor junto às matas das margens do rio e do lago. Antes de eu sair, um último aviso de minha mãe:

- Cuidado com a roupa do seu pai. Não deixe cair no chão!

O percurso entre a nossa residência e o centro de Barras, cerca de 2,5 km, era percorrido, inicialmente, por um caminho arenoso até chegar a Rua do Cedro (sem calçamento), no Bairro Boa Vista. Depois de atravessar esse bairro, caminhei por um trecho de piçarra poeirenta entre o já mencionado bairro e o final da Rua Grande, atual Rua General Taumaturgo de Azevedo, próximo do comércio do Mestre Aurélio. Subi a ladeira desta larga via, passando pela bela praça Monsenhor Bozon, e logo em seguida, cheguei à praça da igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição, dobrando à esquerda em direção a Rua Leônidas Melo onde estava localizada a Agência do Chico Cardoso, vizinha ao “Bar do Chico Correia”.

Antes da primeira buzinada, eu já estava na Agência entregando a encomenda ao Ajudante do “Carro do Cardoso”, ou seja, o dito portador (que não lembro seu nome) para que a levasse para o meu pai que se encontrava em Teresina.

No segundo apito, eu já estava escondido, na última fileira de bancos do “Horário”, agachado, de cócoras, aguardando ansiosamente a partida do veículo. Até aqui, estava tudo de acordo com o plano que elaborei na minha mente durante o tempo em que eu caminhava rumo à Agência do Cardoso. Coisas de menino traquino!

- Vou pegar é uma carona até ao Posto Fiscal! Pensei. E lá chegando, desembarco do veículo, e retorno para minha casa, tranquilamente! Assim, realizo meu sonho em andar de carro.

Eu sabia que em frente àquele Posto Fiscal havia uma grande e grossa corrente de ferro comumente atada em dois troncos de madeira para obrigar os carros (que chegavam ou partiam) a estacionarem para a vistoria das mercadorias que transportavam. Meu plano era perfeito!

Na terceira e última buzinada, o “Horário” deu partida para Teresina. Com o veículo em movimento, fiquei logo de pé, do lado direito da última fileira de banco de passageiros, olhando atentamente para frente daquele caminhão que trafegava lentamente pela Rua Leônidas Melo em direção ao mencionado Posto Fiscal, que distava cerca de 300 metros da velha ponte de madeira sobre o rio Marataoã, construída em 1935. Eu estava muito feliz em andar pela primeira vez no “Carro do Cardoso”, embora de forma clandestina.

Logo que aquele primitivo ônibus passou pela serraria do senhor Edmar Rocha, olhei para o local do Posto Fiscal para verificar se a corrente de ferro estava alevantada ou não. Para minha surpresa, a corrente estava rente ao chão de piçarra daquela estrada (PI-113), permitindo a livre passagem dos veículos. Nesse momento, o motorista decidiu aumentar a velocidade do carro. Os tripulantes desconheciam minha presença entre os passageiros. Entrei em pânico! “Vou bater em Teresina! Minha mãe vai ficar preocupada com meu sumiço. Certamente meu pai me dará uma boa “sova” por essa minha traquinagem. E agora?” Lamentei-me, com arrependimento.

O carro desenvolvia uma velocidade um pouco acima de 20 km, e sem pensar nas consequências do meu ato tresloucado, pulei, mortalmente, em queda livre para o chão duro e áspero da estrada de piçarra. Caí qual os mergulhadores que imergem nas águas com seus tanques de ar nas costas. Apenas com uma diferença: a água é macia, e o chão é duro! Alguns passageiros que presenciaram a cena gritaram para o motorista:

- Pare! Um menino maluco pulou do carro!

O motorista meteu o pé no freio, levantando poeira e piçarra para todos os lados. Foi um alvoroço geral. O Ajudante que conhecia meu pai, olhando para trás, me reconheceu. Correu em minha direção onde eu estava caído.

- É o menino do Chico Maroca! - gritou o Ajudante.

Antes que o auxiliar chegasse até a mim, fugi em desabalada carreira, cambaleante, pela Rua Leônidas Melo até chegar na praça da igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição. De lá, caminhando, andei trôpego até chegar em minha casa. Estava ofegante, sentindo muitas dores na região lombar. Felizmente, sem nenhuma costela quebrada. Da tresloucada aventura, havia ganho apenas alguns riscos de sangue nas costas.

Minha mãe, com olhar incisivo e perscrutador, logo após identificar a minha lastimável situação, indagando-me com a autoridade de quem não admitia mentiras:

- O que aconteceu contigo? Diz-me logo, menino?

Respondi-lhe que, quando estava retornando para casa, tropecei caindo de costas em um barranco de piçarra do pontilhão que fica no trecho entre o final da Rua Grande e o Riachinho. Obviamente, a mamãe não acreditou muito naquela história, ficando um pouco desconfiada. Entretanto, não me perguntou mais sobre o acontecido, preferindo verificar cuidadosamente os estragos sofridos por mim.

Meu Anjo da Guarda amorteceu aquela mortal queda, amparando-me nos seus braços. Um milagre! Comentei isso em minhas orações.

Não me recordo se meu pai retornou de Teresina no dia seguinte, ou se foi no final daquela mesma semana. O fato é que ele soube pelo Ajudante que eu tinha pulado do “Carro do Cardoso”, mas que não sabia informar como eu havia ficado após a queda. Ficou preocupado e muito triste com aquela notícia sobre o seu filho, o que fez com que ele voltasse para casa antes do prazo previsto.

Chegando em casa, foi logo procurando por mim:

- Cadê o Carlos? Ele está bem? - indagou antes mesmo dos primeiros cumprimentos.

- Ele está aqui por perto de casa, e está bem. Só que está com uns pequenos arranhões nas costas. Dizendo ele que foi um tombo que levou lá no pontilhão do Riachinho. Eu achei muito estranho o que me contou – respondeu a minha mãe - Francisco, você soube de alguma coisa?

Escutando a voz de minha mãe a me chamar da janela da nossa casa, encerrei o delicioso banho nas águas do rio Marataoã. Não sabia, até então, que meu pai havia retornado da viagem. Quando entrei em casa, ainda bastante molhado, lá estava ele de braços abertos para me abraçar, e, em seguida, apalpou minhas doridas costas, me falando:

- Graças a Deus! Não quebrou nenhuma das tuas costelas. Até parece que levou uma “pisa” com cipó de tamarindo? - estava muito feliz com o meu estado físico com apenas alguns arranhões para se ocupar de alguma admoestação mais severa.

Papai já havia contado para minha mãe tudo que o Ajudante lhe falou em Teresina sobre aquela desastrada carona que peguei no “Carro do Cardoso”.

No início do ano de 1961, meu pai decidiu levar a família para residir em Teresina por necessidade de melhores condições de vida. E eu descrevo essa viagem em uma das minhas primeiras crônicas que escrevi no gênero. 

(*) Chico Acoram é funcionário público federal, poeta cordelista e cronista, autor do Livro O Menino, o Rio e a Cidade.