quarta-feira, 27 de agosto de 2025

O Feliz Mister de Cuidar de Flores

Mamãe e tia Felicinha - as melhores jardineiras da cidade


José Pedro Araújo(*)

Tenho a impressão de que os dois jardins mais caprichados da cidade era os da minha mãe, Teresinha, e outro, da minha tia, Felicinha. Estou me referindo à pequena cidade de Presidente Dutra, urbe encravada no interior profundo do estado do Maranhão. As duas irmãs, agiam como se disputassem a primazia de ter o melhor e mais belo horto do lugar, e se esmeravam nos cuidados com dezenas de plantas floríferas logo às primeiras horas da manhã, antes mesmo de se servirem do café da manhã. Mas isso era só impressão. Em verdade, elas eram aficionadas com o cultivo de flores.  E tudo teve começo em um tempo em que a cidade não possuía água encanada, recurso natural vital também para os vegetais. E por não o obterem nas torneiras, elas tinham que coletar água de poços cacimbões, puxando manualmente o líquido precioso de uma profundidade de mais de quinze metros.

Não sei se elas falavam também com as suas plantas, ou se somente as acariciavam revirando as suas folhas e flores em busca de ácaros, fungos ou percevejos. O fato é que elas, sempre que tinham um tempo livre, voltavam às suas amigas e as vistoriavam uma por uma outra vez. E não estou falando de poucas plantas. Espalhadas cuidadosamente em dezenas de jarros, as mais necessitadas de sol eram posicionadas de modo a banharem-se por, pelo menos, seis horas diárias com os raios incandescentes do astro-rei. Enquanto isso as mais sensíveis, e menos exigentes, eram postadas mais à sombra. O fato era que os dois jardins estavam sempre repletos de flores, que elas sabiam nominar uma por uma.

Hoje esses jardins não existem mais, certamente em razão das suas duas cuidadoras também não estarem mais presentes. E eu, apesar de apreciar a beleza das suas flores, nunca tive muitas plantas na minha casa. Até que a pandemia do coronavírus maldito nos forçou a ficar em cárcere privado. Foi um período dos mais difíceis, se não o pior deles, aquele tempo em que todos nós passamos a ficar trancados, sem poder sair à rua. Ficar em casa, como no meu caso, é prazeroso, desde que não seja por obrigação. Gosto de passar um tempo com os meus livros, e até me arrisco a escrever alguma coisa. E para exercer esses ofícios, de leitor e escrevinhador, nada melhor do ficar em meu lar e, se possível, em um lugar isolado do barulho doméstico. Mas, naqueles dias tenebrosos, eu já não encontrava o mesmo prazer que desfrutava anteriormente. E o resultado é que passei a ficar um pouco circunspecto, acabrunhado mesmo com o isolamento obrigatório.

O jardim da mamãe

Foi quando uma das minhas noras, observando o meu desânimo, trouxe um jarro da Rosa do Deserto (Adenium obesum) para que eu tentasse reabilitar. Uma planta que ela havia ganho do seu pai. Eu não conhecia a Rosa do Deserto, apesar de ela já estar na crista da onda, e não ter jardim que preze na cidade que não tivesse pelos menos algumas variedades desta roseira. A alegação da minha nora era de que eu, agrônomo por formação, deveria saber como fazer para restabelecer a saúde daquela planta cultivada em um jarro de cerâmica, e com um belo suporte de metal fabricado pelo seu genitor que, em suas horas vazias, dedica-se ao trabalho com metais, em uma serralheria que ele montou no seu próprio quintal.

Pelo visto, como a minha nora residia com a família em um apartamento, a sua plantinha não era servida com a quantidade de sol diário que ela necessitava, e estava por isso entrando em processo de morte lenta. Essa foi a desculpa que ela me deu. Mas, a verdade mesmo, era que ela queria me repassar uma ocupação que me tirasse do meu estado de lassidão, pondo as minhas mãos em contato com a terra. O que é verdadeiro ainda, é que eu consegui reabilitar a plantinha e logo ela estava vigorosa e florificando outra vez. E ela, a minha nora, por conta disto, passou a me trazer toda semana um jarro com uma rosa de uma variedade diferente. Ela até conseguiu me levar a um sítio nas imediações da cidade para adquirir mais algumas dessas plantas.


algumas espécies do meu jardim

Hoje tenho muitas delas no meu jardim, cada uma mais bonita que a outra. E, pasmem, passei a comprar algumas outras Rosas do Deserto que produzem flores diferentes das que tinha. E passei a estudar bastante sobre o assunto também. quanto a isto, devo acrescentar que encontrei poucas referencias acadêmicas sobre essa planta da família das suculentas.

Essa história me levou a recordar uma passagem da minha vida de estudante de agronomia na Universidade Federal Rural de Pernambuco. Certa vez, em tempos de matrícula das disciplinas para aquele semestre, fui abordado por uma colega com uma proposta que considerei estapafúrdia. Ele chegou com uma lista de nomes de alguns colegas, e me indagou se eu não aceitava me matricular na disciplina de jardinagem. Tomei um susto, pois tinha a convicção de que aquela era uma matéria mais afeita às mulheres, e não para mim. E ele, sorrindo com a minha reação, e talvez com a minha ignorância, contou-me a história verdadeira sobre o seu interesse pela disciplina. Disse-me que fora ao Departamento de Horticultura à procura de uma disciplina optativa para se matricular, e se deparou com a cadeira de jardinagem na grade curricular. E como nunca tivesse ouvido falar que existisse uma turma que cursasse essa matéria, falou para o funcionário que o atendeu sobre o seu estranhamento. E ele então lhe respondeu que a disciplina era ofertada sim pela universidade, só que nunca se formara nenhuma turma, apesar de existir um professor contratado para dar aulas sobre a matéria. E isso tinha uma explicação, ele continuou. Uma turma precisaria ter, pelo menos, doze ou quinze alunos, não me recordo bem a quantidade necessária. E como existiam pouquíssimas mulheres no curso de engenharia agronômica, nunca havia se formado uma turma completa. O colega então lhe perguntou se o professor a que ele se referia recebia salários para ministrar uma matéria que nunca havia tido uma só aula. E recebeu como resposta um sim, e há muitos anos, tantos que ele não se recordava desde quando esse professor recebia seus salários religiosamente.

Foi então que o colega passou a arrebanhar alunos para se matricularem na disciplina optativa. E conseguiu juntar um grupo de mais de vinte pretendentes. Muita gente estava curiosa para participar da primeira aula ministrada por aquele professor imprestável, depois de tanto tempo recebendo seus salários sem trabalhar.

Contudo, para encurtar a história, informo que não foi ainda daquela vez que a disciplina foi ministrada na UFRPE. Pois, o tal professor, rebelou-se frontalmente e falou que não iria ministrar aulas para aquele grupo. Talvez tenha chegado aos seus ouvidos a história completa sobre a formação extemporânea da turma. Entretanto, acredito que tenha pesado mais o fato de ter que frequentar a universidade para dar aulas, depois de mais de uma dezena de anos de inatividade. E não teve jeito. Os alunos tiveram que procurar outras disciplinas para preencher a grade curricular obrigatória, porque o professor inoperante não arredou pé. Encerro aqui a história dizendo que eu não fiz parte daquela turma que nunca chegou a ter um só dia de aula de jardinagem. Não topei fazer parte da lista nem por brincadeira. Afinal, já estava matriculado em oito cadeiras naquele semestre. Já viram se eu tivesse que tomar aulas três vezes por semana em uma disciplina que não fazia a menor razão para mim? E agora estou aqui, cultivando plantas e me sentido imensamente feliz por exercer este mister.  

(*) 

José Pedro Araújo é engenheiro agrônomo, funcionário público federal aposentado, historiador, cronista, romancista, e coordenador do blog Folhas Avulsas.    





 

terça-feira, 19 de agosto de 2025

O Terreiro de Mãe Toinha: Mistério, Fé e Destino em Presidente Dutra!

 

Montagem fotográfica do autor


Por: Orfileno Gomes(*)

 Durante minha última visita a Presidente Dutra, em abril de 2025, o acaso — ou quem sabe um chamado ancestral — conduziu-me a um encontro singular. Estava na (deckconvenienciapk), quando fui informado pelo atendente, que havia na parte externa do ambiente, uma senhora de modos humildes que se identificou como filha de Mãe Toinha, célebre liderança espiritual da cidade que desejava falar com o Rapozão (alcunha quando fui candidato em 2012) sobre o aniversário de existência de 94 anos de sua mãe.

Com naturalidade e humildade foi permitida sua entrada para formalizar o convite especial para conhecer o terreiro fundado por sua mãe — um espaço envolto em mistério, consagrado às tradições do Tambor de Mina, Terecô e Macumba. Aceitei o convite com respeito e, como exigia o ritual, preparei-me com vestes inteiramente brancas. Fui só. Mãe Toinha havia solicitado que eu comparecesse desacompanhado.

O terreiro, localizado na periferia de um grande bairro de Presidente Dutra, não é fácil de encontrar — e essa dificuldade parece fazer parte do processo espiritual. A localização exata, aliás, é mantida em segredo por determinação da própria Mãe Toinha, o que reforça o caráter reservado e sagrado do lugar. Terreiros como esse, enraizados nas matrizes africanas e nas heranças indígenas do Maranhão, costumam se manter em silêncio discreto, guardando com zelo sua ancestralidade e resistindo à intolerância histórica.

Cheguei ao local por volta das 18h30, no dia 22 de abril. Fui acolhido com seriedade. No centro do terreiro, uma cadeira confortável havia sido especialmente disposta para mim, diante de um altar rústico, mas cuidadosamente ornamentado com elementos das divindades ali cultuadas.

Mãe Toinha, embora de idade avançada, apresentou-se com firmeza, identificando-se como um Espírito de Luz. Nas mãos, segurava um ramalhete perfumado. Com voz serena, pediu que eu depositasse sobre a mesa todo o dinheiro que havia levado. Antes de ir ao terreiro, retirara R$ 500,00 no Banco do Brasil, e pretendia deixar apenas R$ 300,00 como oferenda. No entanto, percebi que ela sabia exatamente quanto eu carregava — e ali se confirmou que, naquele ambiente, nada se oculta aos olhos do sagrado.

À sua frente, repousavam recortes de jornais com fotos de diversas figuras da política local. Reconheci os rostos: Valeriano (a quem ela chamou de Vavá), Lindomar Lucena (apelidado de Vira-lata), Remy Soares (o Rei do Gado), Joaquim Figueiredo (Tião Galinha), Irene Soares (a Pipira), Juran Carvalho (o Pato) , Raimundo Carvalho — apelidado de Cururú) e, para minha surpresa, também havia uma foto minha, com a alcunha de “Rapozão”.

Segundo Mãe Toinha, esses apelidos que o povo concede aos políticos não são simples brincadeiras, mas dons espirituais. São sinais de predestinação. “Ninguém recebe um apelido sem que isso tenha origem espiritual”, afirmou ela. Com um gesto lento e firme, estendeu o ramalhete sobre minha cabeça e declarou: “Você será ungido prefeito.”

Disse mais: que já recebera, de seu guia espiritual, a revelação do ano do meu mandato e até da minha morte — a qual, segundo ela, virá em idade avançada. Recusei-me a saber tais datas. Que o futuro cumpra seu papel no tempo certo, sem precipitar ansiedades.

Logo em seguida, manifestou-se no espaço o Espírito Eliodoro, patrono do terreiro. Um homem negro, de voz mansa, que serviu em vida ao Coronel Honorato Gomes, segundo ela, como seu ajudante de ordem. Em sua manifestação, revelou lembranças da minha infância — citando com precisão gestos de afeto e generosidade que eu, menino, dedicava a ele e à sua família. A memória veio viva: Eliodoro, quando passava pelo pequeno comércio do meu pai, sempre me presenteava com doces antes de seguir para o antigo terreiro…

(*)


Orfileno Gomes, é poeta, administrador de empresas, jornalista, advogado e concluinte do Curso de Medicina.


sábado, 16 de agosto de 2025

MINHA TERESINA

 

Imagem do Google


                                           Luiz Duailibe Fernandes (*)

Teresina, Teresina!

Cidade Verde – Menina -

Princesinha do Brasil!

Fonte de luz e calor,

Berço de paz e amor

Terra de belezas mil!

 

Teresina, eu te saúdo,

Eu te saúdo por tudo

Que diz tua tradição...

Pelo teu calor tão quente,

Que tosta a pele da gente,

Palpitando coração!

 

Pelo teu céu azulado,

Mais lindo, mais estrelado

Da Constelação Divina;

Donde o sol - com mais fulgor –

Derrama luz e calor

Por sobre ti – Teresina!

 

A lua plena, bonita,

Da passarela infinita

As noites vai clareando!

E a chapada cor de prata

Sua beleza retrata –

O agreste – prateando!

 

Pelo piscar do corisco,

Brilhando no céu – em risco...

Chuva em temporal caindo!

A Capital irrigando,

A população rezando,

Proteção a Deus pedindo.

 

Pelos trovões malcriados

Que quando são disparados

Treme a terra n’amplidão

Num eco triste... profundo...

Parecendo que o mundo

Vem caindo sobre o chão!

 

Pelos rios caudalosos

Que te abraçam...vagarosos

Correm correm para o mar...

O Parnaíba, o Poty,

Orgulho do Piauí,

Riqueza imensa – sem par!

 

No calor do teu abraço,

Na verde paz do regaço

Comemoram lindo feito!

O Poty, vindo de longe,

Encontrando o “Velho Monge”,

Adormeceu no seu leito!

 

Tesouro que a Natureza,

No seu poder de grandeza

Deixa-te como legado.

E desse enlace que fascina,

Tu nasceste Teresina -

Capital Verde do Estado!

 

Diferente das demais

Litorâneas Capitais

Do Nordeste brasileiro.

Lindamente planejada

Sobre esta verde chapada,

Num projeto pioneiro.

 

Ruas, praças, avenidas,

Previamente definidas

Com detalhes de riqueza,

Aviventando a cultura

Na arte da arquitetura,

Num cenário de beleza!

 

Teresina eu te saúdo,

Eu te saúdo por tudo

Que quis dizer mas não pude...

Por tudo que há de novo

Pela proteção do povo,

Na cultura da saúde

 

Pelo verde da esperança,

Do progresso, da bonança,

Verde que te faz brilhar

Pela força do calor,

Do trabalho e do amor,

Que o Piauí sabe dar!

---------------------

(*)

Luiz Duailibe Fernandes é poeta, piauiense de Gilbués, formado em Direito pela Faculdade de Direito do Piauí, Contador, formado pela UFPI, Procurador Federal da UFPI, aposentado.


domingo, 3 de agosto de 2025

O silêncio é um luxo

 

Imagem extraída do Google


Luiz Thadeu Nunes e Silva(*)

Em um mundo cada vez mais barulhento, há silêncios que não são rendição, mas escolha. Escolher entre gritar, se posicionar, se fazer notar, ou permanecer calado, apenas a observar seu entorno. Nem sempre quem cala é fraco ou sem argumentos — às vezes, está apenas cansado de gritar para quem não ouve. Falar para ausentes, para quem não quer entender o que se quer dizer. Inúmeras vezes, mesmo sabendo que estamos certos, pregamos no deserto. Quantas vezes mostrando o óbvio, o interlocutor não quer ouvir.

É preciso coragem para não reagir, sabedoria para não se explicar a todo instante,

e maturidade, para deixar o que não merece resposta seguir seu rumo.

O silêncio fala. O silêncio diz muito. E, muitas vezes, diz exatamente o que precisa ser dito: que a paz vale mais do que o orgulho, que nem toda guerra vale a batalha, e que a melhor resposta é a leveza de quem segue em frente.

O mundo em que nos insere é dual: complexidade e aparente simplicidade, um enigma tecido em camadas de transparência e opacidade. Há, sob a aparente banalidade do cotidiano, uma profundeza abissal, quase metafísica, que exige do sujeito uma escuta rara, uma atenção quase contemplativa, para ser intuída. A realidade, portanto, não é aquilo que se mostra à superfície, mas aquilo que pulsa por baixo dela, um subterrâneo de significados que só a sensibilidade desperta é capaz de decifrar. Viver é, nesse sentido, uma arte hermenêutica, que exige interpretação, nuance, abertura ao mistério. Viver é arte do compreender, do aceitar o que não se pode mudar. É saber ressignificar o dia a dia, mesmo diante das circunstâncias. Viver é remendar o tênue do tecido da vida, continua e permanentemente. “O que a vida quer de nós é coragem”, Guimarães Rosa.

Somos simultaneamente espectadores e agentes do real, atores em um palco que se dobra sobre si mesmo, onde o enredo se escreve enquanto o representamos. Neste duplo estatuto de ser e perceber, desenha-se a gênese da autoconsciência. Não nos compreendemos como entidades isoladas, mas como seres móveis e mutáveis em uma rede de forças simbólicas e afetivas, que nos atravessam e nos constituem.

Há um mundo que sobrevive sustentado por ilusões frágeis, tão frágeis que um sopro de consciência é suficiente para fazê-las ruir. Ilusões que não se sustentam por sua beleza, mas pela covardia que teme confrontar o concreto. Nesse mundo, o que se sonha não se crê, o que se deseja não se assume, e o que se pensa se disfarça de leveza para não carregar o peso do comprometimento.

A arte, nossa salvadora contumaz, não é apenas ornamento, mas resistência. É o grito que o silêncio entoa quando não há mais espaço para o óbvio. Cada palavra escrita, cada forma moldada, cada nota composta, constitui um ato de desobediência contra a ditadura da normalidade. A rotina é a liturgia do conformismo, e a repetição, seu cântico fúnebre. Mas, quem pensa, dança fora do compasso, tropeça de propósito, cai em abismos voluntários, apenas para encontrar, lá no fundo, uma verdade que escapa aos olhos acostumados à luz rasa. Porque pensar, também, é ato de transgressão.

O isolamento, longe de ser clausura, é um espaço mágico. Não é fuga, mas mergulho. Um retorno a si, ao âmago onde a dúvida germina como semente fértil. Ali, o ser se reinventa, e o pensar não é mero exercício cognitivo, mas sacerdócio interior. A dúvida, então, não é veneno, mas elixir que alimenta o espírito, o protege da decomposição pela rotina.

Em tempos de muitos decibéis, de máxima exposição, o silêncio é um bálsamo.

(*)




Luiz Thadeu Nunes e Silva é 
Engenheiro Agrônomo, escritor e Globetrotter. Autor do livro “Das muletas fiz asas”.

Instagram: @luiz.thadeu

Facebook: Luiz Thadeu Silva