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Luiz Thadeu Nunes e
Silva(*)
Em um mundo cada vez mais
barulhento, há silêncios que não são rendição, mas escolha. Escolher entre
gritar, se posicionar, se fazer notar, ou permanecer calado, apenas a observar
seu entorno. Nem sempre quem cala é fraco ou sem argumentos — às vezes, está
apenas cansado de gritar para quem não ouve. Falar para ausentes, para quem não
quer entender o que se quer dizer. Inúmeras vezes, mesmo sabendo que estamos
certos, pregamos no deserto. Quantas vezes mostrando o óbvio, o interlocutor
não quer ouvir.
É preciso coragem para não
reagir, sabedoria para não se explicar a todo instante,
e maturidade, para deixar o que
não merece resposta seguir seu rumo.
O silêncio fala. O silêncio diz
muito. E, muitas vezes, diz exatamente o que precisa ser dito: que a paz vale
mais do que o orgulho, que nem toda guerra vale a batalha, e que a melhor
resposta é a leveza de quem segue em frente.
O mundo em que nos insere é dual:
complexidade e aparente simplicidade, um enigma tecido em camadas de
transparência e opacidade. Há, sob a aparente banalidade do cotidiano, uma
profundeza abissal, quase metafísica, que exige do sujeito uma escuta rara, uma
atenção quase contemplativa, para ser intuída. A realidade, portanto, não é
aquilo que se mostra à superfície, mas aquilo que pulsa por baixo dela, um
subterrâneo de significados que só a sensibilidade desperta é capaz de
decifrar. Viver é, nesse sentido, uma arte hermenêutica, que exige
interpretação, nuance, abertura ao mistério. Viver é arte do compreender, do
aceitar o que não se pode mudar. É saber ressignificar o dia a dia, mesmo
diante das circunstâncias. Viver é remendar o tênue do tecido da vida, continua
e permanentemente. “O que a vida quer de nós é coragem”, Guimarães Rosa.
Somos simultaneamente
espectadores e agentes do real, atores em um palco que se dobra sobre si mesmo,
onde o enredo se escreve enquanto o representamos. Neste duplo estatuto de ser
e perceber, desenha-se a gênese da autoconsciência. Não nos compreendemos como
entidades isoladas, mas como seres móveis e mutáveis em uma rede de forças
simbólicas e afetivas, que nos atravessam e nos constituem.
Há um mundo que sobrevive
sustentado por ilusões frágeis, tão frágeis que um sopro de consciência é
suficiente para fazê-las ruir. Ilusões que não se sustentam por sua beleza, mas
pela covardia que teme confrontar o concreto. Nesse mundo, o que se sonha não
se crê, o que se deseja não se assume, e o que se pensa se disfarça de leveza
para não carregar o peso do comprometimento.
A arte, nossa salvadora contumaz,
não é apenas ornamento, mas resistência. É o grito que o silêncio entoa quando
não há mais espaço para o óbvio. Cada palavra escrita, cada forma moldada, cada
nota composta, constitui um ato de desobediência contra a ditadura da
normalidade. A rotina é a liturgia do conformismo, e a repetição, seu cântico
fúnebre. Mas, quem pensa, dança fora do compasso, tropeça de propósito, cai em
abismos voluntários, apenas para encontrar, lá no fundo, uma verdade que escapa
aos olhos acostumados à luz rasa. Porque pensar, também, é ato de transgressão.
O isolamento, longe de ser
clausura, é um espaço mágico. Não é fuga, mas mergulho. Um retorno a si, ao
âmago onde a dúvida germina como semente fértil. Ali, o ser se reinventa, e o
pensar não é mero exercício cognitivo, mas sacerdócio interior. A dúvida,
então, não é veneno, mas elixir que alimenta o espírito, o protege da
decomposição pela rotina.
Em tempos de muitos decibéis, de
máxima exposição, o silêncio é um bálsamo.
(*)
Luiz Thadeu Nunes e Silva é Engenheiro Agrônomo, escritor e Globetrotter. Autor do livro “Das muletas fiz asas”.
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