sábado, 20 de setembro de 2025

Robert Redford, a lenda

Robert Redford - imagem do Google

 

Luiz Thadeu Nunes e Silva(*)

 

Na semana passada, após dia corrido, assoberbado de afazeres, cheguei em casa, refestelei-me no sofá, uma taça de Malbec. Maratonando nas plataformas de streaming, deparei com “Nossas Noites”. Pelos atores principais, Jane Fonda e Robert Redford, sabia que seria um ótimo filme para uma noite de sexta-feira. A película conta a história dos vizinhos, Addie Moore e Louis Waters, ambos viúvos, que concordaram em dividir a mesma cama para espantar a solidão; logo descobrem outros sentimentos. “Nossas Noites”, de 2017, dirigido pelo indiano Ritesh Batra, é um filme sensível sobre a solidão na velhice. Muito bom. Os dois atores tinham: Jane Finda, 78 e Redford, 80 anos, quando filmaram “Nossas Noites”.

Terça-Feira, 16/09, acordei com a mídia noticiando a partida de Robert Redford, ícone do cinema mundial, aos 89 anos, em seu rancho em Sundance Mountain Resort, em Utah, EUA.

Não se contará a história do cinema sem citar o nome de Charles Robert Redford Jr. (1936-2025), pelo reconhecimento do seu trabalho, não apenas como ator e, mais tarde, diretor; mas também pelo importante papel na defesa, criação e divulgação do cinema independente. Além de ativista ambiental.

Redford construiu uma das carreiras mais sólidas e respeitadas de Hollywood, tanto diante quanto atrás das câmeras. Ator consagrado desde os anos 1960, ele se destacou em clássicos como “Butch Cassidy” (1969), “Golpe de Mestre” (1973).

Sua longa filmografia levou-o a trabalhar com diretores como Sydney Pollack, Arthur Penn ou Alan J Pakula, para este último tendo interpretado o papel de Bob Woodward em “Todos os Homens do Presidente”, filme de 1976, que relata a investigação jornalística que permitiu desvendar o escândalo de Watergate.

Ao longo das décadas, recebeu prêmios importantes, incluindo o Oscar de melhor diretor por “Gente como a Gente” (1980), consolidando-se como um artista multifacetado. Ele também levou um Oscar honorário em 2002, por ser uma “inspiração para cineastas de todo o mundo”. Nesse período, Redford também se envolveu em um breve romance com a atriz brasileira Sônia Braga, que ganhou projeção internacional a partir dos anos 1980.

Além do trabalho no cinema, Redford deixou sua marca como produtor e ativista. Ele fundou o Instituto Sundance, que mais tarde deu origem ao Festival de Sundance, uma das principais vitrines do cinema independente mundial.

O sucesso do trabalho do Sundance Institute (fundado em 1981) e do próprio Festival de Sundance que, criado em 1978, se firmou, levando a cada ano ao festival: atores, realizadores, outros profissionais e dezenas de milhar de espetadores a Salt Lake City (Utah).

Redford não era adepto à exposição e preferia viver recluso em um rancho isolado em Utah. Foi um dos primeiros atores a ficar conhecido por seu engajamento ambiental — embora não gostasse do rótulo de “ativista”. Em 2018, anunciou sua aposentadoria da carreira de ator. Em “O Velho e a Arma”, seu último filme na frente das câmeras, interpretou Forrest Tucker, um assaltante em seus últimos dias de carreira.

Natural de Santa Monica (Califórnia), Robert Redford, levou a sua carreira profissional à televisão (em séries como “Alfred Hitchcock Apresenta” ou “Twilight Zone”) e aos palcos do teatro, estreando-se no cinema em 1960 em “Tall Story”, filme de Joshua Logan no qual recriava um papel que já tinha interpretado na Broadway.

A sua longa filmografia levou-o a trabalhar com realizadores como Sydney Pollack, Arthur Penn ou Alan J Pakula, para este último tendo interpretado o papel de Bob Woodward em “Todos os Homens do Presidente”, filme de 1976, que relata a investigação jornalística que permitiu desvendar o escândalo de Watergate. Entre os títulos mais marcantes da sua obra estão ainda filmes como “Dois Homens e Um Destino” (1969), “A Golpada” (1973), “Os Três Dias do Condor” (1975), “África Minha” (1985) ou, mais tardio, “Quando Tudo Está Perdido” (2013), fulgurante história de um navegador solitário em apuros, contada com um único ator.

Charmoso, elegante, discreto e respeitado, Robert Redford, saiu de cena, sem alarde, dormindo, em casa; bem ao seu estilo.

(*) 
Luiz Thadeu Nunes e Silva é Engenheiro Agrônomo, escritor e Globetrotter. Autor do livro “Das muletas fiz asas”.

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E-mail: luiz.thadeu@uol.com.br


quarta-feira, 10 de setembro de 2025

Serra Pelada – Opulência e ocaso da maior mina a céu aberto do mundo



 
Multidão de garimpeiros em Serra Pelada (Google)


José Pedro Araújo (*)

Hoje cedo li uma mensagem de WhatsApp, enviada pelo meu dileto amigo Fernando Fontenelle. Trazia ela, em anexo, fenomenal notícia a respeito da maior mina de ouro já descoberta no país, quiçá no mundo atual. E mais, que a área em que ela fora encontrada se situava na região de Currais, município encravado no sul piauiense, próxima ao município de Bom Jesus do Gurgueia.

Prontamente me veio à memória a história de Serra Pelada, gigantesca mina de ouro à céu aberto, descoberta no Pará, sendo, até então, a maior do mundo. Em inícios dos anos 80, quando ela surgiu, não se falava de outra coisa no Brasil, os jornais e as televisões davam ampla e total cobertura ao fenomenal acontecimento. Espetacular descoberta, a mina foi um portento que atraiu para a região, no auge da sua exploração, um contingente impressionante de garimpeiros, muitos deles profissionais calejados, mas a maioria composta de amadores que nunca havia escavacado o solo em busca de qualquer metal, fantástico número que beirou as cem mil almas sequiosas e atraídas pelo amarelo do ouro.

A região onde a mina gigante se inseria, até então, era completamente desabitada, pois se achava encravada em uma fazenda de criação de gado, cercada pela densa e quase inexplorada floresta amazônica. Em questão de pouco tempo, uma fantástica multidão ocupou a região, sem pedido de licença ou autorização dos donos daquelas terras, devastando tudo e levando o caos a uma área que até então era dominada pelo silêncio e pelos animais selvagens. Acompanhava os recém-chegados, todos os tipos de gente, desde comerciantes de medicamentos ou gêneros alimentícios, até foragidos da justiça, ladrões pés-de-chinelo, prostitutas, rufiões, além de outros personagens só encontrados nos folhetins de autores de histórias mirabolantes.

Naquela época eu trabalhava no INCRA em uma pequena cidade por nome Araguatins, situada às margens do rio Araguaia. A sede do município distava pouco mais de duzentos quilômetros da zona em que se descobrira a portentosa mina, e de lá também partiram muitas centenas de aventureiros em direção ao local em que a fortuna que se alardeava, oferecia-se facilmente na flor do solo para quem se aventurasse a sujar as mãos com a terra escura do lugar. Muitos dos meus colegas de trabalho abandonaram seus empregos na instituição a qual servíamos e foram em busca do ouro que seduzia tanta gente.

Eu, de minha parte, como nunca acreditei em facilidades desse tipo, declinei do convite que me fizeram e continuei no meu posto só observando os acontecimentos e filtrando no meu íntimo as notícias mirabolantes que vinham lá da rica serra. Algumas vezes, quando ia a Marabá, sede da nossa coordenação, deparava-me com personagens que participavam intensamente do roteiro daquela fantástica história de riqueza e ostentação. Em qualquer local público que se estivesse, especialmente nos finais de semana, sempre se dava de cara com alguns personagens reais que usufruíam intensamente o sonho do eldorado. Eles tomavam conta de todas as mesas dos restaurantes, botecos e cabarés da cidade, depois de estacionarem seus carros de altíssimo luxo, recentemente adquiridos, de qualquer maneira. Os mesmos veículos que dirigiam com enormes dificuldades, uma vez que só havia se deparado com a direção de um carro de passeio poucos dias antes. E nesses locais, esses novos ricos não se cansavam de ostentar, mostrando para os curiosos o tamanho dos seus ganhos. Alguns fechavam os ambientes e pagavam a conta do que era consumido por todos que estivessem por ali, não importando o tamanho das despesas que lhes cairia nas mãos. As farras que advinham daí varavam a madrugada e, às vezes, continuavam pelo dia seguinte. As demonstrações de riqueza eram inúmeras e de todos os tipos. Lembro de um caso em que um garimpeiro, que nunca havia posto os pés dentro de um avião, foi até Imperatriz, maior cidade da região, e onde havia um aeroporto, e lá alugou um jato comercial com o propósito de ir conhecer a cidade do Rio de Janeiro. O passeiro embarcado naquele dia era um só, o deslumbrado contratante. Viagem realizada com toda pompa e circunstância; despesa paga com dinheiro vivo, acondicionado em maçudos pacotes.

Quanto mais o tempo passava, chegava ao garimpo uma leva crescente de garimpeiros experientes, e o ouro saia da terra aos montes. E quando um dos exploradores do rico solo bamburrava, encontrando uma grande pepita, ainda dentro do buraco, sacava o revólver e disparava para o alto, mostrando toda a sua alegria para os outros garimpeiros. Naquele momento, os que estavam à sua volta chafurdando também o chão, também sacavam suas armas e disparavam para o alto, e logo um tiroteio ensurdecedor tomava conta do local.

Um rapaz, que morava próximo à nossa paupérrima república que também havia partido para Serra Pelada à procurado do metal dourado. E ele, por chegar tão tarde ao local não havia se apropriado de um barranco para si, e passara a trabalhar para o dono de um dos lotes mais promissores. Recebendo magras bonificações, logo vislumbrou a possibilidade de ganhar mais dinheiro em outra atividade: a de vendedor de balas para armas de fogo. Com esse propósito, ele voltou para a cidade e comprou algumas caixas de projéteis no mercado negro, e retornou rapidamente para região da fabulosa mina. Teve que adentrar à mata fechada para fugir ao controle do policiamento, mas isso não foi empecilho para ele. E lá chegando carregado com a mercadoria, vendeu tudo em uma velocidade estonteante. Ele então passou a realizar viagens amiúde, carregado cada vez mais com o material tão procurado. Não demorou muito, e logo o rapaz chegou à sua cidade dirigindo um carro zero quilômetro. E passou a ser o assunto predileto na cidade, a sua fortuna adquirida. Diziam mesmo que ele, sempre que retornava, trazia com ele fabulosos maços de dinheiro para depositar no único banco de Araguatins. A atividade abraçada por ele havia se transformado em uma nova mina de ouro, era o que se propalava.

Contudo, não demorou muito, e o governo resolveu tomar conta daquele filão maravilhoso, instalando um posto avançado para administrar o local e prover a compra do mineral extraído do chão. A partir de então, a Vale do Rio Doce passou a ser o local obrigatório de venda de tudo o que era retirado da terra. Mandou também o governo, um destacamento militar para o local, sob o comando de um certo major do exército, chamado Sebastião Curió, com o propósito de pacificar a região que, vez por outra, fabricava as suas tragédias. E ele logo tomou conta de toda a região. Desde então, nada mais se fazia sem a orientação e fiscalização dele. O tal major conhecia bem a região em que se situava a grande mina, pois fora um dos principais combatentes do exército no confronto havido com os guerrilheiros do Araguaia, anos antes.  Anos depois, Curió, elegeu-se deputado federal, obtendo a maioria dos votos junto aos garimpeiros. E teve como um dos seus feitos mais conhecidos, a elevação da povoação de faiscadores à condição de município, com o sugestivo nome de Curionópolis. Foi aquele o seu único mandato para a Câmara Federal, pois não conseguiu se reeleger para o mesmo cargo nas eleições seguintes, obtendo apenas uma primeira suplência.

Sebastião Curió voltou para lá, anos depois, e se elegeu prefeito do município que havia sido batizado com o seu codinome. Nesse tempo, Serra Pelada já havia perdido o seu fabuloso brilho, uma vez que a esplendorosa mina havia quase se exaurido, provocando a evacuação de milhares de garimpeiros para outras regiões em que o ouro se mostrava mais presente, sobretudo para as áreas indígenas da região amazônica.

Hoje, Curionópolis conta com uma população de pouco mais de seis mil moradores, muito distante daquela população que chegou perto das cem mil almas. Entretanto, vez por outra, os garimpeiros ensaiam um retorno a Serra Pelada, alegando que a mina ainda possuí outros veios tão importantes quanto aquele que gerara tanta riqueza. Por sua vez, a história oral da região acusa ainda que muitos espertalhões fabricaram verdadeiras fortunas com o ouro extraído de lá, todo ele contrabandeado para fora do estado, e até mesmo do país. E que eles não foram poucos.

Agora fomos surpreendidos com a notícia de que uma mina gigantesca fora descoberta na região sul do Piauí, especificamente no município de Currais. Estima-se que 7.100 toneladas de ouro se acham ali ocultadas nas terras dos cerrados. A Agência Nacional de Mineração até já autorizou estudos geológicos para confirmar se a descoberta é verdadeira ou não. Contudo, os debates na região já começaram, a respeito das vantagens ou desvantagens de se ter milhares de garimpeiros chafurdando no solo local, provocando crimes ambientais monstruosos como o que se viu no hoje município de Curionópolis. Que, da riqueza monumental extraída do solo da região, no final das contas, ficou com a parte mínima, quase insignificante.

Discute-se ainda que a situação agora é bem outra, muito diferente daqueles anos. Dizem ainda, os contrários à exploração do ouro alardeado, que logo teríamos facções criminosas se estabelecendo no local, manobrando tudo e amealhando quase toda a riqueza que se fosse extraindo da terra. E não mais a fantasiosa repetição do que ocorreu no passado nas famosas minas de ouro do oeste americano, e que também havia acontecido em Serra Pelada. Agora, os tiros ali disparados, não seriam mais para cima, como aconteceu no sul paraense na maioria dos casos. Mas sairiam das armas dos faccionados diretamente para o peito daqueles que se insurgissem contra as suas ordens.  

Por sua vez, os que militam no outro lado da questão, entendem que o ouro encontrado trará o progresso que a região espera desde os tempos esquecidos dos desbravadores daqueles sertões. Esperamos poder assistir ao final dessa história. Quem estará com a razão? 

(*) 

José Pedro Araújo é engenheiro agrônomo, funcionário público federal aposentado, historiador, cronista, romancista, e coordenador do blog Folhas Avulsas.