sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

BICICLETA!

Estacionamento de bicicletas em Amsterdã


José Pedro Araújo

Certa noite, encontrei pedalando pelas ruas de Teresina um grande número de pessoas. Talvez ultrapassasse a meia centena. Em tremenda algazarra, seguiram em frente em passeio que não sei quando acabaria, nem onde. A visão daquela confraria alegre, roupas coloridas de malha, magrelas de todos os tipos e gosto, me fez lembrar uma frase que ouvi certa vez: “é como andar de bicicleta. Quem aprende, não esquece jamais”. E me deu uma vontade louca de me integrar a um desses grupos de ciclistas que aproveitam a noite fresca e calma da cidade para passear pelas suas ruas.
E como gosto sempre de pesquisar os assuntos que transformo em crônica, tomei conhecimento de como surgiu a bicicleta, e em que ano. Fiquei surpreso em saber que o primeiro protótipo inventado tem quase a idade do descobrimento do Brasil: é de 1690. Um francês de nome Siorai construiu a primeira invenção totalmente de madeira, e pôs-lhe o nome de Celerifero(do latim Celer(rápido) + fero(transporte). Sem pedal, o troço não era muito confortável, pois o usuário teria que pôr a invenção em movimento impulsionando-a através dos pés em contato com o chão. A bicicleta com pedal, selim  e pneus, como temos hoje, só surgiu em 1880, também na França, depois de uma acentuada evolução que passou pela mão de muitos inventores. Acredita-se que a primeira bicicleta que se tem registro no Brasil, foi trazida ao país por Antonio da Silva Prado Júnior, um paulista rico que apaixonou-se pela invenção e importou a primeira magrela ainda no último quarto do século 19.
Portanto, desde muito as pessoas vem aprimorando esse invento importante que se espalhou pelo mundo como uma grande sacada, facilitando o deslocamento das pessoas e reduzindo o tempo que levavam, muitas vezes, de casa para o trabalho, e vice-versa. Na Europa, por exemplo, a bicicleta é tão importante que em muitas cidades ocupa uma posição de destaque até mesmo em relação aos pedestres.  Certa vez, transitava pelo centro de Amsterdam, na Holanda, quando o nosso guia nos chamou atenção para o fato de estarmos utilizando a faixa da calçada que era privativa dos ciclistas. Alertou-nos ainda que, caso provocássemos qualquer acidente mais sério com alguém que pedalasse uma das milhares de bicicletas que transitavam pela cidade, teríamos que arcar com as despesas do seu tratamento médico. Ali a lei protegia o ciclista até mesmo em detrimento dos pedestres. A quantidade de bicicletas que víamos estacionadas na cidade era uma coisa que chamava a atenção, tal o seu número alarmante.
Voltando ao nosso caso, fiquei apenas com uma preocupação: será que ainda consigo pedalar uma magrela dessas com destreza? Apesar de pedalar sempre uma bicicleta ergométrica que tenho em casa, nunca mais me dispus a utilizar um artefato desses pelas ruas. E então, como sempre faço, veio-me à mente o tempo em que comecei a aprender a trafegar numa dessas belezuras pelas ruas do Curador. Tudo aconteceu quando, ai por volta dos meus nove ou dez anos, tomei conhecimento que um morador da cidade havia retornado de uma temporada fora do município, e, à falta de um emprego fixo, adquirira dez bicicletas Monark para alugar. O criador da empresa informal, estabelecida na Travessa Pedro Sereno, foi o Carmélio Belisário, de conhecida família presidutrense. E, até onde sei, a ideia gerou bons frutos, pois sempre que íamos em busca de uma delas, tínhamos que esperar que alguém retornasse e e devolvesse uma delas.
Tomei tombos fantásticos até ganhar a destreza necessária para me manter firme na sela, nada que fosse tão dolorido quanto uma vez que fiz um papelão na frente de algumas garotas. Em um passeio de final de tarde, pedalava uma velha bicicleta que havia ganhado do meu pai, lá pelo largo de São Sebastião, quando alguns colegas resolveram circular pelo pátio da igreja, ainda no tempo que o circundava as muretas originais que prestavam uma beleza inigualável ao conjunto arquitetônico que compunha o belo templo. Por lá circulavam algumas garotas, e queríamos mostrar o nosso veículo. Aparecer, como se diz hoje. Mas a minha bicicleta era muito pesada, guidão duro, e ao fazer uma conversão, terminei indo de encontro à mureta e quase me esborrachei no chão. A minha barbeiragem não passou despercebida para uma das garotas ali presentes, exatamente aquela que eu mais queria impressionar. Ela acorreu a mim e perguntou-me se eu estava bem. Envergonhado disse que sim, que eu havia me distraído e havia batido na mureta. Nada sério, no entanto. E ela, não sei se a título de gozação, disse-me que parecia que eu ainda estava aprendendo a pedalar. Suprema vergonha. Sai dali correndo, e nunca mais voltei para tentar outra vez.
Hoje em dia, existem bicicletas que só são acessíveis a poucas pessoas, pelo muito que custam. A mais cara delas, e que empalma o pomposo nome de The Beverly Hills Edition, com o quadro em ouro, custa módicos U$ 1.000.000,00 (hum milhão de dólares). Mas existe uma bicicleta mais baratinha, fabricada pela grife francesa Hermès, a mesma das gravatas e bolsas famosas, a Le Flanneur, que custa a bagatela de 9.077 euros(ou cerca de R$ 30.000,00 reais). Meu filho, Ricardo Araújo, um grande apreciador do produto, possui uma bicicleta para a sua aventura em trilhas da zona rural de Teresina, que me disse valer algo em torno dos R$ 3.500,00 reais. Uma nova custaria algo em torno dos R$ 6.000,00 reais.  Baratinha se comparada com essas que enumerei acima. Aliás, certa vez, em viagem para Piracuruca, no norte do estado, dei carona para ele e outros dois amigos. Pensavam em fazer trilha nas dependências do Parque Nacional de Sete Cidades. Transbike acoplado na traseira do carro, chegamos à cidade ainda cedo. E logo os três jovens retiraram seus transportes, vestiram-se a caráter, completaram a indumentária com o capacete e as luvas, e partiram para a aventura. São 22 km de distância até o parque.
No caminho, ao pegarem um retão muito longo e plano, avistaram outro ciclista que pedalava uma magrela bem usada, dessas muito comuns. Resolveram aumentar a velocidade e acompanhar o rapaz para algumas perguntas sobre o trajeto a tomar. Mas ele, ao olhar para trás e avistar aqueles três sujeitos todo paramentados, forçou o pedal da sua Monark e disparou pela estrada. Por mais esforço que fizessem, os três ciclistas e suas modernas e apropriadas bicicletas não viram mais nem o vulto do colega que eles, pejorativamente, chamam “canela seca”. Ficaram na poeira, desmoralizados.
De outra vez, ao fazerem uma trilha nas imediações da capital, passaram por uma comunidade rural, onde um grupo de homens jogava conversa fora sob a copa de uma árvore. Ao avistarem aqueles jovens ciclistas passarem todos paramentados, bermuda, luvas, camiseta e capacete apropriados para a prática, um deles não se conteve e falou: “óia, aqueles abestados andam tudo enfeitado!”.
Para fechar a crônica, já que uma história puxa outra, meu filho, seguido de um grupo numeroso de amigos, resolveu fazer trilha pelo vizinho município de Altos. Iam em busca de uma cachoeira que fica em outro município vizinho, Alto Longá. E ao chegarem lá, deslumbrados com a água que caia do alto das pedras, resolveram tomar banho. Não demorou e apareceu um grupo de homens em um velho Chevete e anunciaram um assalto. Fizeram uma limpa. Levaram relógios, celulares e carteiras (quase sem dinheiro). Mas nem pensaram em levar com eles as bicicletas que valiam uma fortuna. Melhor para os meninos.
O certo disso tudo, é que pedalar uma magrela dessas é um hábito bastante saudável e que, muito a propósito, vem fazendo sucesso novamente.

2 comentários:

  1. Beleza, Dr. Araújo. Bem lembrado, da nossa magrela. A Maior alegria que tive, mais de quando comprei uma hilux ok, foi quando adquiri uma, em 1973 (monork verde). Muito me ajudarou a arranjar uma paquera na Praça Saraiva. Abr.

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