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Imagem TV WEB Sertão |
José Pedro Araújo
Da minha infância guardo as lembranças
dos períodos chuvosos na minha aldeia. Eram chuvas que duravam, às vezes, mais
que um dia. Achava aquilo tão bonito, tão acariciador, que até hoje me animo quando
o período que chamamos no nordeste de inverno chega. E não estou falando de plantios,
esperança de açudes cheios ou algo que o valha. Refiro-me somente à beleza de
ver a chuva descendo do alto sobre os telhados ou sobre as copas das árvores. E
depois de cair, escorrer mansa e intermitentemente para o solo ou se espatifar
com aquele barulho conhecido sobre as lajes ou em cima do chão ressequido e sedento. Quanto
calmante há nesse movimento espontâneo.
Alguém pode até pensar que me
sinto assim por não morar em uma área de risco. Não faltam razão aos que pensam
assim. Talvez, se não tivesse escolhido uma região fora de risco de inundação,
as minhas lembranças tivessem sido alagadas e levadas pela enxurrada também. Entretanto,
tive esse cuidado. Escolhi a minha casa em um local longe do perigo de
enchentes e onde pudesse apreciar um dos mais belos fenômenos da natureza, que
é ver a chuva se preparar e depois dar o ar da sua graça.
Naqueles idos dos sessenta, costumamos
afirmar, as chuvas caiam com outra intensidade sobre o Maranhão. Especialmente
na região dita Pré-amazônica. Lá, também, não existem as quatro estações definidas
no ano, como temos em outras partes do país. É tão somente inverno e verão. Verão
englobando quase três estações, e Inverno, o que sobra disso. Em verdade, o
nosso inverno arrebanha uma parte da primavera, o verão inteiro e frações do
outono. Assim mesmo, contra as normas climáticas preestabelecidas.
No nordeste brasileiro, essas
duas estações são aguardadas com diferentes expectativas. No verão, especialmente
na região do semiárido, o inverno é esperado ansiosamente, no mais das vezes, com
extrema alegria. Há até mesmo os estudiosos que se utilizam de alguns indicativos
da natureza para saber se este será bom ou não. O João de Barro está construindo
a sua casa com a entrada virada para o nascente ou para o poente? Se a porta da
morada ficar para o poente, vai chover muito. E as borboletas? Se voarem
rapidinho, não vai chover. Os cupinzeiros estão úmidos e cheio de cupins: Então
vamos ter inverno sim. São muitos os indicativos naturais utilizados pelos
profetas do tempo.
Enquanto que o verão vem recheado
de expectativas e lembranças doloridas. Lembranças do cinza tomando o lugar do
verde; da falta de água nos riachos e cacimbas, da aflição da sede, enfim. O
inverno, não. Vem com a sua carga de esperança. Será que vem água suficiente
para segurar a safra de alimentos, para encher os açudes e revigorar os pastos
para os animais? Será que pelo riachinho da porta de casa vai correr água
abundante. E os peixinhos vão subir e se espraiar pelas vazantes em busca de
alimento?
As minhas lembranças são de outra
ordem. Rebatem na ansiedade que fazia o meu pai correr atrás de um profissional
para reparar o telhado da nossa casa, observar se havia goteiras, substituir as
telhas quebradas no teto e, depois, esperar a chuvarada cair com força e sem pena. Via
de regra, as casas do interior não eram forradas, e uma goteira sobre a cama, a
rede ou o paiol, era um desassossego, poderia provocar um desastre. Acordar no
meio da noite com água pingando sobre as nossas cabeças era tudo o que não se
almejava. Dai a necessidade de se tomarem certas providências quando o verão se
aproximava do seu final. Feito isso, era só esperar. Esperar que a chuva trouxesse
o cheiro de terra molhada, que a água espantasse o calor esfalfante para longe.
Aqueles que possuíam alguma
condição, trocavam as telhas quebradas, enquanto os que habitavam em casas
cobertas de palha de babaçu corriam atrás de material novo para recobrir suas
choupanas ou simplesmente fechar os buracos nos tetos. E aí aconteciam uma coisa
que ainda hoje me encanta: a solidariedade. O trabalho de revigoramento dos tetos
das casas de palha, contava com um número graúdo de pessoas da comunidade. Uns se
mantinham encarapitados sobre o teto das casas, enquanto outro, do chão,
arremessavam as palhas para o alto. Trabalhavam em regime de mutirão, alegres,
um ajudando aos outros. Trabalho árduo e sem pagamento, de graça. E com muita
graça. Ao dono da casa, ficava a responsabilidade de fornecer o material para a
cobertura, mas, também, o almoço e umas boas talagadas de cachaça para elevar os
ânimos. Belo espetáculo de amizade e confraternização.
Quando me ocorreu de escrever este
texto, fui remetido às minhas lembranças pela água que batia no telhado do
alpendre da minha casa e escorria ligeira para acabar em uma estrepitosa queda
sobre as lajes do chão. Sempre que começa a chover eu corro para lá e fico a
observar este espetáculo da natureza que tanto me encanta. Quão bonito é
observar essa cortina de água que cai do céu sobre a copa das árvores. Certa
vez contei que estava em uma fazenda no semiárido piauiense, realizando um cansativo
trabalho de vistoria, quando um vento forte chegou anunciando chuva iminente. Não
deu tempo para chegar até o carro estacionado um pouco distante. Fiquei todo
ensopado e o meu material de trabalho muito comprometido. Não reclamei, porque já
esperávamos ansiosamente pelas chuvas para rebater o período seco que tostava
tudo e todos.
Choveu nessa tarde quase duas
horas ininterruptamente. Quando parou, concluímos o trabalho iniciado e
iniciamos o nosso retorno para a cidade. No meio do caminho, um espetáculo de
rara beleza: uma impressionante de sabiás e canários da terra brincava
despreocupadamente sobre a relva e tomavam banho nas poças d’água que se
formaram na estrada pouco transitada. Pedi ao motorista que parasse o carro e
ficamos contemplando a alegria e o trinados emitidos por aqueles pássaros
felizes. De onde saíram tantos assim? Pareciam crianças a brincar em um piquenique
festivo.
É como me sinto vem uma chuva mansa
e dadivosa sobre a cidade. Especialmente porque antecipei-me a elas, recuperei
o teto da minha casa e o deixei sem goteiras. Que venham as chuvas em forma de
bençãos.
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