quinta-feira, 23 de dezembro de 2021

CUMPLICIDADE FAMILIAR COM O CURADOR DESDE O SEU PRINCÍPIO

População do Curador no Largo de S. Sebastião em 1929



José Pedro Araújo

 

Hoje me deparei com imagens aéreas da região central da cidade nas quais era possível ver o retângulo formado pela praça São Sebastião com a igreja matriz ao fundo, o convento das irmãs do lado esquerdo, e o casario enfileirado no lado oposto. A imagem foi levada ao Instagram pelo MemoriaPK, um canal que tem se dedicado incansavelmente divulgação das coisas da terra curadoense. É a região a qual me refiro, é a mais conhecida da cidade, por aparecer em nove entre dez fotografias que a retratam. Sempre que vejo cenas desse ponto tão conhecido, meu coração bate saudoso, lamentando o meu demorado afastamento.

O local ao qual me refiro, aliás, foi o ponto escolhido pelos primeiros habitantes para erguerem suas casas humildes lá nos primórdios da organização da vila, no final do século dezenove, assentando ali um pequeno arruado que mais tarde se transformaria no ponto central da cidade de Curador, depois Presidente Dutra. Estranhamente, esse principal aglomerado de choupanas rústicas ficava bem distante do local onde o nosso primeiro morador, o Curandeiro, construiu a sua morada às margens da lagoa que deu nome à cidade.  

Presidente Dutra - Anos 60

Coincidentemente, na noite antecedente, durante sono profundo, sonhei que observava uma outra imagem fotográfica bem mais antiga em que aprecia o padre italiano Heliodoro Inzago à frente de muitos populares por conta da reconstrução da Capela de São Bento. Nela não havia populares, entretanto, mas tão somente o religioso além de algumas casas de palha erguidas no local onde hoje existe o antigo Convento das Irmãs. E, em destaque, os dois pés de Tamarindo que existiam naquele tempo no centro da praça. O quadro que aparecia no meu sonho mesclava imagens que aparecem na foto antiga, com informações orais obtidas de familiares meus, situação que somente poderia ser vista em sonho ou na tela criada de algum pintor.

Meus avós residiram naquele largo, em local onde hoje se situa o já citado convento. E mesmo antes, quando apenas poucas casas existiam naquele sítio, residiu lá também, do lado oposto da praça, na casa que serviria mais tarde de residência à família do senhor Virgulino Cirilo de Sousa, o meu bisavô materno, José Nunes de Almeida. Já informei em crônica anterior que naquela casa, a minha avó materna Maria José Barros, mais conhecida como Zezé, residiu quando até a idade adulta com seus pais. Já relatei também que foi aquela a primeira moradia com cobertura de telha construída na povoação que começava a despontar, começando então um novo jeito de se construir moradias.

Por fim, anteriormente publiquei imagem neste blog daquela que provavelmente foi a primeira fotografia do povoado de Curador e, na ocasião, destaquei que “a imagem das residências construídas no entorno da Praça São Sebastião, mostravam as construções, todas de palha. Além disso, podíamos ver os pés de tamarindo tantas vezes relembrados por minha avó Zezé em história repetida por minha mãe e por minha tia Felicinha, em momentos em que a saudade de épocas distantes avultava em suas lembranças”. Essa primeira fotografia a qual me refiro, data de 1929, quase cem anos atrás.

Imagem da cidade nos anos 80

Naquele tempo, residia no mesmo local uma prima da minha bisavó Marica, Luvendoura Melo, que foi a primeira comerciante da povoação (provavelmente estivesse na fotografia em que aparece o frei Heliodoro Inzago à frente de uma multidão). Aquela senhora instalou um comércio pequeníssimo em sua residência, provavelmente um ambiente de chão batido com rústicas prateleiras de madeira serrada onde ficavam expostos alguns produtos à venda. Comercializava produtos de primeira necessidade, como o sal em pedra, café, açúcar, e até o querosene acondicionado em latas, produtos importados da praça de Caxias, e não produzidos na região.  Essa senhora foi também responsável pela construção da primeira capela, também de palha, no local onde hoje temos a bela e emblemática matriz de São Sebastião. Dos descendentes da senhora Luvendoura Melo não tenho notícias, e gostaria de saber se ainda existem alguns residentes na cidade. Não sei também se os nossos representantes na Câmara Municipal se lembraram de homenageá-la dando o seu nome a alguma rua ou prédio público na cidade. Se, ainda não, já passa da hora de corrigir tal falha histórica.

A cidade em 2018

Quando acordei, com aquelas doces imagens ainda bailando confusas na minha mente, veio-me à mente que a minha relação com Presidente Dutra advém de muito antes do dia em que abri pela primeira vez os meus olhos e me deparei com aquele céu azul indescritivelmente belo da minha aldeia. E que, naquela praça, ainda então de terra batida, como mato rasteiro carregado de florezinhas selvagens e belas, correra em criança a minha avó materna, depois a minha mãe e, por fim, eu mesmo brinquei naquele chão primitivo arremessando as minhas bolinhas de gude em intermináveis brincadeiras.

Somente para constar, devo dizer que o período inicial ao qual estou me referindo, bate na casa dos 120 anos. Tempo em que o meu bisavô ergueu ali a sua primeira choupana de palha (também já falei sobre isto em crônica anterior), uma das poucas que existiam na povoação. A minha avó Zezé afirmava que existiam no Curador pouco mais de vinte e sete casebres quando chegaram por ali, vindos de Pedreiras, todos eles construídos a partir de matéria abundante na região: a madeira-de-lei, o cipó-de-escada e a palmeira de babaçu. José Nunes de Almeida, meu bisavô, foi um dos primeiros a residir naquela parte elevada, longe da lagoa e da vazante. E, provavelmente, todos ali escolheram o local para fugir dos alagamentos causados pelo riacho Firmino e pelo rio Preguiça quando transbordavam. Anos depois, meu bisavô resolveu voltar para Pedreiras, cidade situada às margens do rio Mearim, deixando para trás a sua filha Zezé, casada com o meu avô Diolindo, casal formador da grande família Barros. Nesse período, construíram a sua morada do outro lado da praça, onde a minha mãe provavelmente nasceu, e onde hoje se situa o prédio do Convento das Irmãs. 

PK 2021

Quem observa aquele local hoje, nem de longe faz ideia dessa imagem que me veio em sonho sobre o qual me refiro, de casas de palha situadas longe uma das outras, e quintais cercados por cercas de faxina. Eu mesmo, quando procurei compor mentalmente a imagem do velho Curador, em conversas com meus tios e a minha mãe, montei um quadro quase imaginário no qual foi descrita a Capelinha de São Bento com a sua porta estreita, duas janelas e uma pequena cruz de madeira fixada no alto da sua parede frontal.

Atrás daquela capela, por sua vez, e como era costume, foi construído o primeiro cemitério do povoado, no local onde hoje temos o edifício do Banco do Brasil. E mais à frente, já apreciam as primeiras casas na rua Rio Branco. A região era ainda tão despovoada, que meu tio Zeca Barros, adolescente, disse-me certa vez que procurava voltar para casa antes do anoitecer quando ia visitar algum amigo em casas que ficavam depois do cemitério. Tinha medo de passar pela frente do mesmo quando a escuridão encobria tudo com o seu véu negro.

A rua Grande (Magalhães de Almeida), no outro sentido, em direção à lagoa do Curador, era formada por esporádicas casas também, todas com muitas fruteiras no quintal, separadas umas das outras por cercas de madeira. Entre uma casa e outra haviam grandes espaços, o que dava ao local o mesmo ar que se observa em pequenos povoados ainda hoje existentes pelo interior do município. Houve uma mudança significativa entre o quadro descrito por mim e a situação atualmente conhecida. Não no meu sonho daquela noite.

No momento atual, período em que estou sem visitar o meu torrão natal há mais de um ano e meio (com certeza o meu período mais longo de ausência), a saudade bate forte, daí talvez ter sido visitado pelo sonho que acima descrevi. No princípio de janeiro próximo, se Deus assim me permitir, matarei esta saudade. Feliz, baterei pernas pelas ruas da minha cidade e abraçarei uma enormidade de gente que tem me feito tanta falta.

FELIZ NATAL!

Que venha 2022 com grandes e alvissareiras notícias para todos nós!  

7 comentários:

  1. Viajei no tempo, acordada e ao mesmo tempo parecia que estava participando do seu sonho, me sentindo um personagem da velha curador. Tenho no meu peito uma saudade nostálgica de tempos que não vivi.
    Gratidão por nos enriquecer com seus ricos textos!
    Feliz natal!!!!

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  2. Obrigado, Shirley, pelas suas carinhosas. Você interpretou muito bem o meu sentimento. Dizem que a cidade são as pessoas, eu concordo. Mas o ambiente físico também faz parte das nossas reminiscências. As ruas, o casario, o céu, os pássaros e seu cânticos, e até as árvores que costumávamos admirar tem o seu papel em tudo o que sentimos. Feliz Natal para todos os seu familiares.

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  3. Obrigado por manter viva a história da nossa amada Presidente Dutra. Parabéns!

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  4. Esse negócio de sonho é muito perigoso meu amigo Araújo. Começando por Nero em Roma...mas o pior é não sonhar. Eu também sou sonhador, mas tenho pago um preço alto... Vou compartilhar parte do texto na página.

    Quanto ao fato das primeiras casas estarem construídas no Largo, devemos observar que geograficamente esta é a parte mais alta da cidade, aí é a Colina do Curador.
    O que sobra são as lagoas, o riacho e a preguiça, terras baixas, vazantes.

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    1. É isso mesmo. Mas, quando o sonho é bom, o corpo descansa e o dia começa mais leve. Uma ótima lembrança da geografia do nosso Curador, meu caro. Naqueles anos de inverno pesado, escapavam dos alagamentos e da fúria do riachinho que atravessa toda a cidade para desaguar na icônica Lagoa do Curador.

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  5. Ao ler o seu texto, tive a sensação de que também estive nessa viagem onírica da qual fui passageiro quando ainda era apenas uma semente de vida contida nos órgãos reprodutores dos meus antepassados.
    Parabéns, Araújo, por você ter esse dom divino e maravilhoso de nos trazer à lembrança a história de um tempo que não vivemos, mas que temos certeza de que ele é verdadeiro, porque nós somos provas vivas da existência dos nossos antecessores.

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