quarta-feira, 14 de julho de 2021

NOVAS DESCOBERTAS A RESPEITO DA OCUPAÇÃO DAS TERRAS DO CURADOR

Bandeira de Presidente Dutra - MA    

 

José Pedro Araújo(*)

 

A história dos primórdios de Presidente Dutra (Curador), município situado na região central do estado do Maranhão, tem sido contada de várias formas por gente que terminou por criar uma certa confusão na cabeça das pessoas interessadas em descobrir quem primeiro habitou as terras do município. Já externei o meu descontentamento com a monografia publicada pelo IBGE na sua Enciclopédia dos Municípios Brasileiros, na qual se conta uma história bem distorcida e até certo ponto fantasiosa a respeito dos primeiros desbravadores do velho Curador. Infelizmente, essa versão deturpada, talvez por ter sido a primeira a ser publicada por um órgão oficial, e registrada no papel, além da credibilidade desta instituição federal, é ainda hoje tomada ao pé da letra até pelos órgãos da administração municipal, como a Prefeitura e a Câmara Municipal. Assim sendo, adotaram do jeito como foi escrita, como sendo a verdadeira história do nosso velho Curador, mesmo desrespeitando frontalmente a história oral que era contada pelos mais antigos que a vivenciaram ou a ouviram de quem a tinha vivido.

E assim, a história dos dois cunhados, José de Souza Carvalhêdo e José de Souza Albuquerque, que teriam partido de Codó por uma trilha aberta pelos caçadores para descobrir e habitar a região, e que mistura realidade com fantasia, terminou por ofuscar a verdadeira história dos primitivos ocupantes do local. Não são citadas fontes confiáveis de pesquisas para justificar as afirmações do autor da monografia editada pelo instituto de pesquisa, mas, mesmo assim, passou a ser aceita como verdadeira até mesmo por alguns colégios locais. A falta de fontes primárias que atestassem tais enredos, ou mesmo a identificação do seu depoente, não colocou em dúvida a sua origem e fidelidade.

Nem mesmo a história oral dos nossos ancestrais é respeitada, de modo especial aquela que afirma que o primeiro homem a se estabelecer na região, em uma encruzilhada de caminhos no qual hoje se situa a sede do município, conhecido pelo alcunha de Curador, em razão dos seus conhecimentos da medicina natural, empregado no tratamento das pessoas que para ele acorriam, é reverenciado, e passou a ser considerada como lendária. Acontece, que esse cidadão de cujo nome não se tem conhecimento em razão de ser sempre chamado pelo seu apelido, deixou registros da sua passagem, quando deram o seu nome à lagoa em cujas margens situou a sua casinha, bem como ao riozinho que a abastece, denominados Lagoa do Curador e Riacho do Curador. A própria povoação que se formou depois disto, recebeu o seu nome até que em 1948 teve o seu nome alterado para Presidente Dutra. O riacho, a propósito, também perdeu a sua denominação inicial quando alguém passou a denominá-lo riacho Firmino, uma homenagem a um dos primeiros ocupantes que por aqui chegaram.

Tem sido uma batalha cansativa conseguir informações sobre os primeiros ocupantes da região da Mata do Japão e, por conseguinte, da nossa velha comuna. Os registros documentais são poucos ou encontram-se desaparecidos. As notícias que tínhamos nos davam conta das famílias primitivas, tudo com base na história oral. Recentemente, uma luz se acendeu nessa escuridão, quando um amigo pesquisador, Creomildo Carvalhêdo, um incansável estudioso da história da região conhecida como Mata do Japão, e descendente de um dos primeiros ocupantes da região, enviou-me informações importantes a respeito dessas indagações. Disponibilizou-me importante material objeto de suas pesquisas com novas informações que elucidam e encaminham no rumo da verdade a história da região. E é a partir daqui que quero fazer algumas considerações. A história completa dessa descoberta deve sair na segunda edição Atualizada e Revisada do nosso livro, que ainda não tem data marcada para sair.

As informações as quais me refiro, estavam contidas na edição de 16 de setembro de 1891, do jornal Diário do Maranhão. Tratava a notícia sobre uma ferrenha disputa pela posse das terras do Curador e região, por parte do Coronel Diogo Lopes de Araújo Sales, cearense com morada às margens do Rio Alpercatas desde os anos 1830, juntamente com parentes e amigos seus, e certos invasores que passaram a ocupar suas terras. O texto esclarecedor começa assim:

Terminada a guerra de 1838/40, o Cel. Diogo, seus parentes e amigos que então moravam na margem esquerda do Alpercatas, não descansaram sob os louros da vitória e trataram de explorar as desconhecidas florestas que se ocupavam entre o Alpercatas (Itapecuru) e Mearim. Foi assim que descobriram a fértil terra do hoje conhecido pelo nome de “Japão”, cujas terras foram por eles situadas, não sem grandes sacrifícios e perigos de vida, pois por mais de uma vez tiveram que lutar com índios bravos e escravos foragidos das grandes feitorias do Alto Itapecuru. Em subsequentes anos foram registrados nessa vila, as seguintes posses de terra naquela ribeira:

“Santa Maria e Taboa, pelo Coronel Diogo Lopes de Araújo Sales”.

“Preguiça (Coco Grande) e Bom Sucesso, por seu genro, José de Melo Albuquerque”;

“Jacoca, pelos seus sobrinhos Antonio de Sousa Carvalhedo, Anastácio Martins Chaves e Francisco Ferreira de Souza”;

“Tuntuntum(assim mesmo), por Francisco de Sousa Milhomem”.

Diogo Lopes de Araújo Sales fora contratado no ano de 1837 para abrir uma estrada que faria a ligação entre a sua povoação do Campo Largo, nas margens do rio Alpercatas, até a foz do rio Flores, na sua confluência com o rio Mearim. A estrada em questão passava pelo local onde hoje se situa a cidade de Presidente Dutra, daí ter o empreiteiro responsável pela sua abertura tomado conhecimento das terras inigualáveis da região. Segundo o historiador Jean Carlos Gonçalves, ele também um estudioso obstinado da história da região, na execução desse serviço alguns dos trabalhadores vieram a perder a vida em decorrência de sofrerem o ataque de doenças palustres que infestavam a região. De outro modo, com o surgimento da Revolta da Balaiada, Diogo Lopes teve que suspender os trabalhos de abertura da estrada, já quase no seu término, para se envolver no conflito a convite do governo.

A guerra a que se refere o texto no seu início, foi a famosa Balaiada, na qual o Cel. Diogo Lopes combateu como comandante de tropas legalistas. A matéria continua a trazer informações importantes sobre as primeiras famílias “cearenses” que, corridas do seu estado em razão de conflitos políticos entre facções antagônicas, mas, e sobretudo, pelos males de uma terrível seca que atingiu o sertão nordestino, passaram a ocupar as terras que nesse tempo se achavam praticamente desocupadas, mas não sem dono, como poderemos ver na sequência da matéria do jornal: 

Todos esses lugares, e muitos outros que compõe o território do Japão, foram sempre reconhecidos como pertencentes à comarca de Barra do Corda, assim como sempre respeitados os direitos adquiridos por seus primeiros povoadores, verdadeiros beneméritos da pátria, já há muito falecidos. Muitos anos se passaram; houve uma grande peste de morcegos que quase faz despovoar o Japão; e nunca foi contestada a posse de seus legítimos habitantes, aliás, sitiantes; até que a estrada de Caxias para esta vila veio criar nova e embaraçosa situação não só para os antigos proprietários daqueles lugares, como até mesmo para o pacífico foro desta vila”.

Segundo documento assinado pelo Coronel Diogo Lopes de Araújo Sales, e publicado junto à matéria em questão, de fato, a posse dessas terras havia se dado em 1849 por ele e seus parentes e aderentes, tendo as mesmas sido registradas no Livro de Registro de Terras da Paróquia de Barra do Corda, a quem cabia por lei na época o registro paroquial das terras da região, em 1855.

Com a abertura da estrada de ligação Caxias-Barra do Corda, houve uma invasão de pessoas oriundas do Ceará e Piauí para a região da Mata do Japão, ocasionando os primeiros conflitos pela posse da terra. Conforme a reclamação feita acima pelo Cel. Diogo Lopes de Araújo Sales, essas pessoas foram se assenhorando das mesmas que pensavam serem devolutas, instalando-se nas mais proveitosas, nem sempre desocupadas. Na esteira dessa imigração, a maioria das pessoas chegavam completamente desprovidas de recursos e aproveitavam o solo dadivoso para instalar pequenos roçados de subsistência nas margens dos riachos e lagoas da região do Curador. Essa imigração se acentuou durante o ano de 1877, quando a seca foi mais inclemente nos estados nordestinos mais a leste, e dentre as muitas famílias que chegavam, algumas começaram a construir os seus casebres no alto de São Bento, hoje Praça São Sebastião.

Por volta de 1895, o meu bisavô materno, José Nunes de Almeida, piauiense situado já nas margens do Mearim, em Pedreiras, migrou para a região do Curador onde instalou duas fazendolas para a criação de gado. Construiu também a sua casa no largo de São Bento, onde já existiam algumas construções rústicas, como afirmamos acima. Próximo à sua casa, uma prima, Luvandoura Melo, construiu também a sua, e nele instalou o primeiro comércio na povoação. Luvandoura foi também quem, junto com membros da comunidade, erigiu a primeira capelinha de palha no local, exatamente no lugar onde se acha hoje a formosa matriz de São Sebastião. Como já afirmei em textos anteriores, coube ao Sr. José Nunes de Almeida a construção da primeira casa de telha na povoação ainda nascente.

Ouvi algumas vezes da minha avó, Maria José (Zezé), sua filha, que na época da chegada da família à região, ao tempo em que era apenas uma meninota, o depoimento de que, naquele tempo, a povoação do Curador contava com vinte e sete casebres apenas, todos de palha. Essa história já contei algumas vezes, e a repito para dizer que estas pessoas fizeram parte da segunda leva a se situar em terras do Curador. Dos primeiros a chegarem, existe ainda os descendentes de Antônio de Souza Carvalhedo, que primeiro se situaram nas terras da Jacoca. Enquanto que os descendentes do Sr. José Nunes formam a família Barros, uma das maiores do município.

Depois disto, a fama da região e de suas terras de ótima qualidade atraiu gente de todas as regiões para formar o município que temos hoje. Com exceção dos primeiros que aqui chegaram na companhia do Coronel Diogo Lopes de Araújo Sales, a maioria era composta por gente pobre e sem posses, e sem recursos para alimentar a família por mais de um mês. A cidade sede não surgiu à sobra de uma grande fazenda ou em volta do pátio de uma igreja rica e com um patrimônio vasto em terras, como em muitos lugares. Não seria exagero afirmar que estes pioneiros chegaram por aqui de mãos abanando e construíram tudo a partir do zero. Era gente de luta que enfrentou uma região inóspita, atacada por epidemias e por animais selvagens, além dos indígenas que tentavam preservar suas terras ancestrais. A região ainda está em construção, mas já dá para olhar para os lados e aplaudir o trabalho feito por esta brava gente pioneira que levava meses para fazer o trajeto desde as suas regiões originárias no lombo de animais ou mesmo a pé.  

Chamo a atenção do poder público municipal para que se preocupe em fazer com que nas escolas do município passe a se ensinar a verdadeira história dos seus colonizadores, daqueles que construíram com suas próprias mãos a verdadeira saga do Curador. Da maneira que está, não temos a história oficial do Curador. A que temos, foi escrita por estranhos sem o uso de pistas ou provas verdadeiras que atestasse a sua veracidade. Continuaremos com as pesquisas, iremos à cata dos registros paroquiais e das sesmarias que deram a posse para os primeiros povoadores da região da Mata do Japão, precisamos identificar a todos.   

 (*) José Pedro de Araújo Filho, é natural de Presidente Dutra e autor do obra Do Curador a Presidente Dutra - História, Personalidades e Fatos. Possui também alguns livros publicados eletronicamente na Amazon.com.

8 comentários:

  1. Um belo texto. Um capítulo que faz um resgate histórico da povoação do município de Presidente Dutra, antes denominado Curador. Bonito trabalho do escritor e historiador, José Pedro Araújo. Parabéns.

    ResponderExcluir
  2. Digno de aplausos esse seu incansável esforço em descobrir a verdadeira história de nossa querida Presidente Dutra.👏👏👏👏

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Agradecido, meu irmão, afinal, somos descendentes da segunda leva de cidadãos que escolheram esta terra para assentar suas famílias. e nos cabe a tarefa de não deixar a história dos nossos pioneiros cair no esquecimento.

      Excluir

  3. Meu caro amigo, José Pedro, eu não sei se você lembra que lhe falei uma vez que as terras do povoado Calumbi pertenciam ao senhor Mário Pereira Leite, o qual dizia que havia recebido as resprctivas terras através de um título de posse herdado do pai dele que, por sua vez, havia herdado o mesmo do seu pai, avô de Mário Pereira Leite cuja data de concessão de posse das terras do Calumbi aconteceu em 1835, portanto veja abaixo o que eu encontrei nas minhas pesquisas sobre as semarias.

    Período “das Posses”

    Com a Independência, as terras da Coroa Portuguesa passaram ao domínio do Império do Brasil. A legislação portuguesa então em vigor, inclusive as Ordenações Filipinas, foram recepcionadas no que não colidiam com a soberania da nova nação.
    A deliberação que suspendera o regime de sesmarias foi mantida pela Provisão de 22 de outubro de 1823, até que sobre a matéria decidisse a Assembleia Geral Constituinte do novo país. “Mas um hábito de mais de três séculos não se havia de erradicar com facilidade da
    prática administrativa nacional”.713 Assim é que algumas sesmarias ainda foram concedidas “ou por exigências indeclináveis do serviço público ou por outras circunstâncias imperiosas”714, em 1823, 1829, 1832 e 1835. Embora a Constituição Imperial de 1824 tivesse previsto o direito fundamental à propriedade, nada dispôs sobre sua regulamentação, nem sobre o exigido processo de privatização das terras do Estado.

    711 JUNQUEIRA, Messias. O instituto brasileiro das terras devolutas. São Paulo: Lael, 1976, p. 39.

    712 JUNQUEIRA, Messias. O instituto brasileiro das terras devolutas. São Paulo: Lael, 1976, p. 40 e 41.

    713 JUNQUEIRA, Messias. O instituto brasileiro das terras devolutas. São Paulo: Lael, 1976, p. 40.
    714 JUNQUEIRA, Messias. O instituto brasileiro das terras devolutas.

    Muito se diz que, deslumbrados com os lucros do comércio oriental, os portugueses deram pouca importância para as terras brasileiras. Apesar disso, logo em 1504 foi concedida a primeira capitania ao rico empreendedor Fernão de Noronha, tendo por objeto a Ilha de São João, atualmente designada Fernando de Noronha. Constituiu-se, assim, a Capitania de São João, entretanto jamais explorada, pois os recursos do beneficiário já estavam direcionados à extração de pau-brasil no continente, atividade da qual ele era arrendatário da Coroa Portuguesa, que, conforme já explicado, monopolizava todas as atividades econômicas, inclusive a de extrativismo. Fernão de Noronha recebeu a capitania com o direito de transmiti-la aos seus descendentes. A concessão da ilha foi confirmada em 1522 “por duas vidas”, exigindo-se apenas quinto e dízimo. Tais atos foram renovados, em 1559, a um neto com o
    mesmo nome do donatário. Mas, de fato, o arquipélago permaneceu abandonado e foi invadido por ingleses, franceses e holandeses, voltando definitivamente ao controle português em 1737. Enquanto isso, os descendentes de Noronha foram herdando o título real de posse da ilha. Seu trineto, João Pereira Pestana (suposto parente distante de Mário Pereira Leite), requereu e obteve a confirmação da doação em 1692. A reversão da capitania à Coroa, porém, é de data ignorada.
    Essa infrutífera primeira concessão de terras brasileiras se deu sob a formatação de capitania, sistema que seria tentado com maior intensidade a partir de 1534. Ao lado desse instituto jurídico, havia outro de maior relevância para a presente pesquisa, o das sesmarias.

    627 OLIVEIRA, Francisco; PAOLI, Maria Célia. Os direitos invisíveis. In: Os sentidos da democracia: política do dissenso e hegemonia global. São Paulo: Vozes/FAPESP, 1999, p. 307-334, p. 311.

    628 ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA DO BRASIL PUBLICAÇÕES LTDA. Fernando de Noronha. In: Enciclopédia

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Um belo trabalho de pesquisa, meu caro amigo Alcenor. Você tem propensão a este tipo de trabalho também, e gostaria que continuasse na faina de encontrar as pegadas dos nossos antecessores.

      Excluir
  4. Excelente Li, e bebi, cada Palavra desta bela e bem fundamentada crônica histórica, sobre parte do Quadrante Espacial e Especial do Sul do Maranhão; muitas outras páginas escritas por verdadeiros de heróis anônimos, estão no fundo baú do tempo, esperando o resgate dos arqueologos da história para trazerem a tona fragmentos da história dos primeiros colonizadores deste Torrão Maranhanse, chamado: Mata do Japão.

    Valeu Nobre Guerreiro José Pedro de Araújo,
    Receba meus sinceros cumprimentos e parabéns pela presente Matéria.

    Palmas - Tocantins - Brasil, 17 de julho de 2021.

    Creomildo Cavalhedo Leite.
    10° Geração do Primeiro Antônio de Souza Carvalhêdo que chegou no Brasil por volta de 1680.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigado, amigo Creomildo. Como vês, tenho tido a sorte de contar com o trabalho de muitos amigos nessa incansável luta de busca das nossas origens. E, felizmente, fui aquinhoado com uma das suas pesquisas que que nos trouxe dados importantíssimos que há muito buscávamos.

      Excluir