terça-feira, 15 de novembro de 2022

A vida no Curador sem estradas

(Cortesia Gerson Sereno)1ª Ponte sobre o riacho Firmino

 

José Pedro Araújo(*)

 

Estava por esses dias assistindo a um vídeo no Youtube sobre aqueles aventureiros que trafegam por péssimos caminhos com destino à patagônia sem reclamar muito das dificuldades encontradas nos difíceis caminhos. E eram muitos os atrapalhos. Em determinado ponto da estrada que serpenteava entre abismos imensos, depararam-se eles com a sua obstrução em decorrência de um grande desmoronamento. No local, algumas grandes máquinas trabalhavam incessantemente para retirar os escombros do meio do caminho para liberar a passagem. Aí me veio à lembrança uma cena acontecida no velho Curador lá pelo início dos anos sessenta ou final dos cinquenta. Estávamos fazendo o que mais gostávamos, brincando até nos cansarmos, no sítio do meu tio Bazu, local onde passava a maior parte do dia e onde morava na época a minha avó materna, quando ouvimos o barulho de máquinas para os lados do riacho Firmino. O som que vinha dos motores era muito alto, chamando-nos a atenção, e logo eu e um primo nos dirigimos para lá para verificar o que acontecia. No caminho, meu acompanhante, alguns anos mais velho do que eu, ia me informando que estavam abrindo um novo acesso à cidade para a rodovia em construção naquele momento. E que a nova entrada se daria na rua Cel. João Paulo, logo ali pertinho, e que o mesmo ultrapassava o riacho em um ponto diferente daquele em que ficava a velha ponte de madeira, um pouco a jusante.

A bem da verdade, a dita rua Coronel João Paulo não era bem uma rua ainda, pois as casas na época terminavam no hotel São José, que nem hotel era por aquele tempo. A continuação da rua, naquele tempo, não passava de uma trilha estreita aberta em direção ao riacho, no local onde mais tarde seria construída a primeira ponte de concreto que ainda estava somente desenhada no projeto.

Recordo-me, que ao descermos pelo caminho em direção ao local em que as máquinas trabalhavam naquele instante, nos deparamos com duas ou três grandes Motoscrapers revolvendo a terra em manobras rápidas e coordenadas. No local havia um pequeno córrego que atravessava o caminho e desaguava em uma alagadiço que existia no ponto onde hoje fica a residência do senhor Leão do Norte. E existiam também algumas mangueiras de copas muito altas, e à direita do caminho alguns buritizeiros de elevado porte em fila retilínea e bem organizada, atestando que alguma mão cuidadosa deveria tê-los plantado ali. De fato, havia sido o meu tio Bazu que os havia cultivado dentro do seu imenso quintal.

As máquinas, pertencentes à construtora Olipaula, propriedade do senhor Oliveira Paula, pai do conhecidíssimo humorista Chico Anísio, derrubavam naquele instante as velhas mangueiras e abriam o caminho para iniciar a construção dos aterros da futura estrada que chegava naquele instante às portas da cidade. Naquele ponto, o riachinho que corria entre os buritizeiros, e abastecia a lagoinha, foi interrompido. Nem um pequeno bueiro foi construído para permitir a sua continuação para o outro lado da estrada em construção. Mais à frente, na passagem do riacho Firmino, seria construída a primeira ponte de concreto armado que conhecemos, e que ainda está lá e dá acesso ao grande Hipermercado Matheus construído recentemente na elevação do terreno que existia logo depois do citado manancial.

A velha ponte de madeira, construída logo abaixo, na administração do prefeito Gerson Sereno, seria abandonada em definitivo, e dela só me lembro das suas longarinas desnudas e do seu tablado já quase inexistente e muito esburacado, sobre o qual só passavam apenas e tão somente as pessoas que insistiam em atravessar o riacho naquele ponto. Fazíamos também as nossas pescarias de cima de velha ponte que era o acesso único à cidade para quem vinha da capital ou dos municípios que ficavam no seu trajeto, quando a entrada na cidade se dava pela rua Raimundo Freitas. Antes da velha ponte de madeira ser construída, ouvi de gente mais velha do que eu, o acesso à cidade já se dava por aquele ponto, e os caminhões tinham que atravessar o leito do riacho, coisa só possível no período de maior estio.

Era um tempo em que a BR 226 ainda não havia sido construída, e a viagem para a Barra do Corda se dava pela velha estrada que seguia pela rua Adelino Barros, passando pelo Alto da Balança e seguindo em direção aos Poços.

Do mesmo modo, antes da construção da BR-135, a estrada nova construída pela Olipaula, os viajantes que seguiam para o leste, após a passagem do riacho, viravam à direita, passando pelo planalto aonde hoje se acha construído o Hipermercado, e seguiam por trás da Eletronorte e, lá na frente, virava-se para a esquerda, passando-se em frente a Fazenda Santa Maria, seguindo-se até o povoado Sapucaia. A nova rodovia cortou essa sinuosidade do trajeto e construiu uma reta da cidade ao povoado Calumbi. Fiz o antigo trajeto citado a cavalo pelo menos uma vez quando fui em visita ao povoado Creoli do Joviniano. A 135, também denominada Central do Maranhão, recebeu este nome por atravessar todo o estado maranhense, da sua capital até a ribeira do Tocantins, foi um projeto que sucedeu a outro, ferroviário, que nunca saiu do papel.

Quem reclama hoje de alguns buracos na estrada, nunca provou o velho caminho usado pelos mais velhos quando precisavam se deslocar para alguma das cidades que abasteciam a região de mercadorias e viveres, como Pedreiras, Codó, Caxias, ou mesmo a distante capital, São Luís. Levava-se dias no lombo de animais, com paradas obrigatórias em diversos pontos do caminho. Não se tinha ainda as camionetas ou os veículos off-road com tração nas quatro rodas para enfrentar os caminhos difíceis de então, e para os quais tais dificuldades fazem parte da diversão e do prazer de alguns de darem seguimento a suas aventuras fora das rodovias asfaltadas. O Curador de outras eras não era para amadores ou para cultuadores de permanente conforto.

(*)José Pedro Araújo é engenheiro agrônomo, funcionário público federal aposentado, historiador, cronista, romancista, e coordenador do blog Folhas Avulsas.

7 comentários:

  1. Já estava com saudades dos teus escritos, José Pedro.
    Delicia ler essa tua nova crônica, rica em detalhes.
    O CURADOR te inspirando, sempre.
    Forte abraço.

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    1. Obrigado, meu amigo. O sítio ao qual me referi é a morada do pai do seu amigo Elian. Era o nosso Xangri-lá.

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  2. Como filho adotivo desta cidade mais que amo por me acolher, ainda bem que temos você para divulgar a história desta cidade, um abraço.

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  3. Meu amigo José Pedro, você descreveu com propriedade as dificuldades e intempéries naturais que os nossos antepassados enfrentaram para chegar ao antigo Curador.
    Os que conhecem a região sabem que a vida naquela época era um empreendimento de alto risco e de consequências imprevisíveis.
    Um forte abraço e fique com Deus!

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    1. É verdade. Nossa região foi colonizada por homens e mulheres de fibra, gente que lutou bravamente para se instalar na região. Um forte abraço, e fiquem com Deus também!

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  4. Primo, como me vem à memória tão nitidamente essa passagem de nossa infância, lendo esses seus relatos, que parece que foi ontem. Como o acompanhante para a fiscalização das obras da estrada, me sinto revivendo aqui faze de nossa infância que jamais esqueceremos.

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