sexta-feira, 6 de janeiro de 2023

A SUCURUJU GIGANTE DO RIACHO FIRMINO

Imagem do Google

                                     

José Pedro Araújo(*)

Em finais dos anos sessenta ainda existia uma velha ponte de madeira sobre o riacho Firmino. Foi a primeira a ser construída sobre aquele riozinho e serviu durante muitos anos à passagem de veículos de todos os tipos, além de facilitar a vida dos pedestres que por lá transitavam. Mesmo depois de construída a primeira ponte de concreto armado, aquela ponte de madeira ainda resistiu por muitos anos até que veio a nova ponte de concreto por onde os carros passam hoje, construída praticamente no mesmo lugar da velha ponte madeira. Conto isto para situar as pessoas sobre o local e o assunto que passo agora a tratar.

Pois bem, um pouco abaixo daquela velha ponte, ainda na lembrança de muitos, havia um olho d’água que brotava da base de uma pedra muito grande. O líquido que emanava dele era de uma limpeza cristalina e muita gente da cidade se abastecia dele, sobretudo as pessoas que vivam ali nas proximidades. Na base da grande pedra, de onde escorria a água da nascente, perfuraram um buraco na rocha, em formato de bacia grande, onde cabia o bastante para encher algumas latas de dezoito litros, daquele tipo usado com querosene antigamente.

Após encher aquela panela, a água continuava a escorrer pela rocha até cair dentro do riacho que passavam a alguns metros de distância. E sobre aquele lugar, algumas árvores muito altas forneciam uma sombra quase constante, fazendo do local um espaço muito agradável onde muitas pessoas acorriam para tomar banho.

Abaixo daquele lugar, porém, o terreno era embrejado e o mato bastante alto, conferindo ao local um aspecto bem feio, escuro e quase impenetrável. Certo dia, após tomarmos banho na fonte, conversávamos animadamente sobre todos os assuntos irrelevantes do mundo, quando alguém perguntou se eu teria coragem de penetrar naquele local tenebroso. Sem entender o porquê da pergunta, ponderei que não tinha motivos para tentar tal aventura. De pronto, o garoto me disse que eu estava mesmo era com medo. Tentei argumentar que medo eu não tinha, mas, também, não possuía razões suficientes para entrar naquele brejo, somente para agradar ao meu desafiador. O assunto já estava virando uma polêmica, quando outro garoto afirmou que aquele local não era visitado por ninguém desde o dia em que avistaram o rastro de um Sucuruiú(Sucuri) na lama, de dimensões comparáveis a uma palmeira de babaçu das bem grossas.

Incrédulo, argumentei que aquilo só podia ser uma brincadeira, pois não havia cobra com aquela dimensão. Mas a meninada contestou o meu argumento e disse existir sim. E disseram mais. Que essa cobra habitava uma caverna que existia na base do morro que descia até próximo ao rio. De fato, a elevação do terreno chegava bem perto do riacho e se encerrava de forma abrupta, formando um paredão de arenito. Era bem possível que houvessem algumas pequenas cavernas escavadas nela. E que nessas pequenas “locas”, escondessem-se algumas cobras daquele tipo. O certo é que a história da existência de uma sucuri naquele local intimidava a todos, pois sabíamos que a região era infestada daquele tipo de serpente. É fato também, que durante muitos anos aquela estória amedrontou a garotada, afastando-a daquelas pedras. Até mesmo os pescadores da região evitavam se aproximar daquele local para lançar suas redes de pesca.

Muitos anos depois, lendo um romance de Mário Palmério, grande escritor regionalista mineiro, deparei-me com a história de uma sucuri gigante. O livro tinha por título, Vila dos Confins e era ambientado nos sertões das Minas Gerais. O autor descreve em certo trecho da história a luta de um novilho para escapar de uma sucuri gigante que o havia apanhado quando ele havia ido até um açude para beber. A história relatava que a cobra enlaçou a ponta do rabo em uma raiz no fundo do açude e depois deu o bote, laçando o novilho que se achava à beira da água. Afirmava ainda que, assustado, o boi reagiu com violência e tentou fugir. Mas que só consegui se afastar por alguns metros, e que havia esticado a cobra até não poder mais avançar, como se ela fosse de borracha. Depois disto, a cobra o arrastou para a água novamente, fazendo com que o novilho saísse riscando o chão com os cascos, enquanto soltava urros lacerantes que acordou a todos na madrugada. E assim, a luta recomeçava. Quando o animal chegava bem perto da água, a cobra afrouxava momentaneamente a pressão sobre ele e, imediatamente, o laçava com outra volta. E o boizinho, vendo-se livre, tentava se afastar da água novamente. Mas, a distância que percorria já era mais curta e, novamente, a cobra o arrastava para a água e, outra vez, afrouxava a pressão para dar nova volta no corpo do seu prisioneiro.

Um fato que chamou a atenção do autor, era que, enquanto ela arrastava literalmente o animal para a água, soltava da boca uma baba gosmenta, espalhando-a pelo corpo do animal, deixando-o liso como quiabo.

Finalmente, já sem forças, o animal entregou-se ao seu algoz, que começou a engoli-lo por inteiro e lentamente. A baba derramada sobre o corpo do seu prisioneiro era para favorecer a sua deglutição. Segundo o autor, o boizinho de cento e poucos quilos foi engolido até só restar de fora os chifres. Se a cobra o tivesse engolido com chifres e tudo, fatalmente as aspas do animal furariam a cobra na barriga, uma vez que ela incha e fica com o abdome muito intumescido. Afirma o escritor também, que a cobra permanece dias a fio para digerir a presa, boiando na flor da água. E que, ao final desse processo, a cabeça da vítima se desprende do restante do corpo e cai, completando-se o quadro de absorção do pobre animal.

Não se tem notícia de que algum animal dessa envergadura tenha sido comido pelas Sucuris do riacho Firmino. Entretanto, muitos suínos foram devorados por eles quando iam fuçar na lama das margens daquele manancial. O olho d´água já não existe mais. Foi arrasado quando as máquinas rasgaram o local para preparar o terreno para a construção da nova ponte. Aquele olho d’água, contudo, ficou na lembrança de muitos que viveram aqueles tempos. A água límpida e fresca que brotava da base daquela pedreira foi utilizada durante muitos anos para abastecer potes, filtros e quartinhas quando não existia ainda água encanada no nosso velho e bom Curador. Mas, a imagem das pessoas carregando as latas de querosene em uma vara atravessada nos ombros, essa ficou eternizada na minha memória. Assim como as histórias fabulosas que os meninos contavam que cobras gigantes habitavam nas cavernas existentes no local.

Acreditar, eu nunca acreditei, de fato, mas, por via das dúvidas, nunca me aproximei daquele local, nem mesmo para jogar o meu anzol na água, já que ali parecia ser um lugar propício para se fisgar alguns mandis. Preferia, em vez disto, pescar lá de cima da velha ponte de madeira que distava menos de uma centena de metros do tenebroso local em que se dizia morar um Sucuruju gigante.

Agora há pouco, para embasar o final deste texto, fui em busca de algo parecido no Youtube e encontrei um vídeo produzido há pouco mais de dez meses atrás, em um riacho no interior da Amazônia, em que se mostrava imagens de uma Sucuri gigante medindo de oito a dez metros de comprimento. Vi as imagens ao vivo, não é mais uma história de pescador. E para quem não sabe, o nosso Curador se situa na região conhecida como pré-amazônia. Já não me surpreenderia mais se a história contada pelos meninos na já distante quadra da minha infância, fosse verdadeira. Ainda bem que não aceitei o desafio do meu interlocutor e fui conferir no local se era verdadeira ou não a história que ele contava.  

 (*) José Pedro Araújo é engenheiro agrônomo, funcionário público federal aposentado, historiador, cronista, romancista, e coordenador do blog Folhas Avulsas.

    

Um comentário:

  1. Uma crônica com rosto de conto.
    Na minha região, Baixada Maranhese, no município de Penalva, existe uma grande ilha flutuante, Ilha do Formoso, um habitat de grandes Sucuris. Muitas lendas e toadas sobre grandes serpentes

    ResponderExcluir