quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024

MATINHA 75 ANOS - Avenida Major Heráclito


Vista da Av. Major Heráclito - Matinha - MA (@kabecojunior)

 

 

Aroucha Filho (*)

Em todo o mundo as cidades têm referências que lhes são peculiares. Museus, monumentos, fontes, palácios, catedrais, parques, teatros, praças, etc... Esses são locais que os turistas buscam em suas visitas. 

Eu sempre busco os museus e as igrejas, como indispensáveis nas visitas aos lugares que me destino a conhecer.

 As avenidas são marcas relevantes nas cidades, assim temos: a Champs Élysées, em Paris, com seu destacado Arco do Triunfo; a 9 de Julho, em Buenos Aires, com o seu simbólico Obelisco; a Avenida da Liberdade em Lisboa, com seus 90 metros de largura; em Santiago a Avenida Libertador General O' Higgins, mais conhecida como Avenida Alameda, com seus 8 km de extensão. Deixei a que mais frequento e adoro passear por ela, para citar por último, trata-se da Avenida Paulista, onde sempre me hospedo em São Paulo. Eu tenho uma grande atração e intimidade com a Paulista, frequento-a quando em São Paulo, diariamente. Sou um assíduo frequentador do MASP. No entanto, a Avenida que mais me encanta e me fascina é a avenida em que nasci no ano de 1951. Uma avenida mística, indelével na minha memória. Possui um simbolismo histórico, tem charme e importância na vida da cidade. Percorri todo esse caminho para referir-me à Avenida Major Heráclito Alves da Silva, na cidade de Matinha - Maranhão. Tão importante para os matinhenses quanto as supracitadas.

A Avenida Major Heráclito nasceu junto com a cidade. Os primeiros traços da urbanização da sede do município foram implantados nesse logradouro. A marcante característica urbana, que se apresenta com ruas largas, teve origem no traçado dessa avenida, irradiando esse aspecto para as demais vias que foram se abrindo com o processo de expansão urbanista da sede do município.

A Major Heráclito com os seus 1300 metros retilíneos de extensão, medindo em média 17 metros de largura, nasce na Avenida José Sarney, que até a década de 60 era denominada rua João Pessoa. Se estende até encontrar a MA 014. Antes da construção da MA 014, chegava até o portão do Campo de Aviação. O primeiro prédio era o Abrigo, local onde ficavam os passageiros para aguardar os aviões teco-teco que faziam linha (voos) para os municípios da Baixada Maranhense. Do outro lado da avenida a primeira casa era a residência do Sr. Teodomiro, bem próximo à cerca de proteção do aeroporto.

A avenida Major Heráclito foi e é a via mais importante da cidade de Matinha. Antes concentrava todos os órgãos e serviços público dos três poderes, nas esferas municipal, estadual e federal. Ficavam nesse logradouro a Coletoria Federal, a Agência de Estatística - IBGE e a agência dos Correios e Telégrafos. Meu pai era o responsável pela Agência dos Correios. 

Nesse prédio público, eu nasci, e lá morei até o ano de 1961. Depois dos Correios, nesse terreno, por iniciativa do meu pai e outros moradores, foi construído o Grêmio Recreativo Matinhense 15 de Fevereiro, que funcionou como local de realizações das festas da sociedade matinhense, por um longo período. Hoje funciona a Loja do Armazém Paraíba.

No âmbito do poder estadual, ficavam a delegacia, a cadeia, o Hospital Dr. Afonso Matos, o Grupo Escolar Joaquim Inácio Serra e a Coletoria Estadual.

O Poder Municipal, a Câmara Municipal e as Secretarias funcionavam no prédio da Prefeitura, um imponente prédio com uma entrada principal, rodeado de janelões, com uma varanda interna em formato de L. Onde hoje é a residência do ex-vereador Sr. José Bonifácio, funcionou nas décadas de 50/60 um Colégio Municipal com duas salas de aula, o Coleginho, era assim chamado por ser próximo e bem menor que o Grupo Escolar Joaquim Inácio Serra, que na época era construção de maior porte do município.

À avenida Major Heráclito funcionaram lojas comerciais expressivas para o comércio local. Na esquina da prefeitura, hoje, casa da Sra. Livramento de Zé Mário, funcionou o comércio do Sr. Antônio Neves.

Naqueles tempos Matinha não possuía "luz elétrica", refiro-me à segunda metade dos anos 50. O comércio do Sr. Antônio Neves era o principal distribuidor de querosene, combustível utilizado para “alimentar as lamparinas", única fonte de iluminação das residências. Era rara a residência que possuía "Petromax".

Petromax designava uma marca de lampião utilizado na iluminação das residências. Essa marca de tão popular pelo seu largo uso, ficou designativa desses utensílios domésticos. O nosso era da marca "Coleman", mesmo assim, era um "Petromax"

Por ocasião da posse do prefeito João Amaral da Silva, o segundo prefeito eleito de Matinha, um foguete atingiu o depósito onde eram guardadas as latas de querosene, provocando um grande incêndio. O primeiro grande incêndio registrado em nosso município.

Posteriormente esse ponto comercial foi adquirido pelo Sr. João Amaral Nunes, conhecido como João Barata, onde instalou uma grande loja de tecidos, armarinho e utensílios domésticos. No outro canto funcionava o comércio do Sr. João Lima, uma mercearia e bar, com uma bela mesa de jogo de bilhar. O mais importante comércio da avenida era pertencente ao Sr. Manoel Antônio da Silva, primeiro prefeito de Matinha, nomeado para instalar o município e promover a primeira eleição. Para esse pleito, fora eleito o primeiro prefeito de Matinha, o Sr. Aniceto Mariano Costa.

Esse comércio funcionava em uma loja geminada à residência do Sr. Manoel Silva, vendia de tudo. Adquiria e exportava para São Luís gêneros produzidos ou produtos extraídos no município: amêndoas de babaçu, tucum, farinha, arroz, etc... Não sei ao certo, porém, acho, que a primeira padaria de Matinha funcionou ali nos anos de 1949 a 1953. Tinha como padeiro chefe Ribamar Muniz (Ribamar de Honório), auxiliado por Nelson Alves - recém falecido - e Francisco Gomes da Silva (Chico Padeiro).  Em seguida essa padaria foi adquirida pelo seu genro Sr. Arnaldo Lindoso, operando-a até o ano de 1963. Padaria São José. Era uma padaria avançada para a época e seus produtos eram distribuídos em todo o território do município, com destaque ao pão massa fina e massa grossa, pão doce, bolacha doce, biscoito e a famosa bolachinha. Ah! Fabricava massas frescas (macarrão).  Eu como vizinho e amigo dos seus filhos, Carlos Eduardo e Carlos Antônio, tinha como divertimento arrumar as bolachinhas na forma, antes de ir ao forno para serem assadas. E claro, nos dava o direito de nos deliciar com uma boa porção desse tradicional produto matinhense.

As melhores casas residenciais eram as edificadas na Av. Major Heráclito, na sua grande maioria de alvenaria e telha. Tempos em que ainda predominavam as casas construídas com taipa e palha.

A avenida já ostentava um belo conjunto arquitetônico, composto pelo prédio da prefeitura, o Grupo Escolar, o prédio do hospital, o prédio dos Correios, a imponente casa do Sr. Manoel Silva, com sua bela escadaria interna e o piso em sobrado de madeira de lei. Nas imediações de onde fica a casa do Sr. Sebastião Neves, existia duas belas casas no estilo "bangalô", as primeiras desse tipo arquitetônico, de propriedade do município, essas edificações tinham plantas bem diferentes da arquitetura local. Era um estilo arquitetônico com linhas modernas, acesso por corredor descoberto e porta ao fundo; cumeeira no sentido perpendicular à avenida; teto com duas águas e sem os usuais "espigões".

Duas barragens de contenção construídas de alvenaria existiam na avenida para evitar erosão e facilitar a acessibilidade das pessoas no período invernoso, eram implantadas no sentido longitudinal à avenida. A primeira e a maior foi construída na década de 50, e ficava frontal à Praça de Eventos. Era longa, bem construída e possuía uma grande galeria por onde escoava as águas pluviais que se acumulavam em grande volume naquela área. A outra ficava nas imediações (hoje) do Depósito Leal, tinha a mesma finalidade; não possuía galeria, apenas um recorte por onde era drenada a água que escorria do transbordamento da Baixa de Crisóstomo. As águas dali alimentavam o Igarapé de Pito; a da outra barragem, o Igarapé do Gongo.

Em uma noite da década de 50, em procissão iluminada por velas, a comunidade católica saindo da Igreja de São Sebastião, conduzindo uma grande cruz, eu participei desse evento religioso, seguiram até as imediações da Padaria de Benedito de João Lima, e implantaram uma grande cruz de madeira, na cor ocre, bem no centro da avenida. Era um grande monumento da fé. Todos chamavam: O Cruzeiro. A intenção dos fiéis que caminharam nessa procissão, era, a exemplo do Cristo Redentor, monumento do Rio de Janeiro, deixar registrado um marco da fé ao cristianismo simbolizado por essa grande cruz.

Ali permaneceu por décadas. Sentados em sua base com dois degraus, reunia moradores para longas conversas de final de tarde.  Lamentavelmente não foi preservado.

O primeiro Mercado de Matinha também funcionou na Major Heráclito, era próximo à esquina da Prefeitura.

Enfim, essa larga e elegante avenida carrega o maior simbolismo urbano da nossa cidade.

Nessa avenida eu vivi alegre e feliz toda a minha infância, guardo até hoje as amizades, desta tão significativa fase da minha vida.

Todas as brincadeiras permitidas pratiquei nesse belo logradouro, joguei bola, empinei papagaio, andei de perna de pau, rodei ladeira abaixo dentro de pneus, joguei bolinha de vidro, pião feito de coco babaçu, jogo de chucho, banhei na Baixa de Crisóstomo, andei de bicicleta. Fiz muitas estripulias por ali.

Hoje, em homenagem aos 75 anos de emancipação política de Matinha, falar dessa imponente Avenida é o meu contentamento.

Parabéns, Matinha!

(*) Aroucha Filho é Engenheiro Agrônomo, funcionário público federal aposentado, poeta, compositor e cronista.

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