José Pedro Araújo(*)
Tenho a impressão de que os dois
jardins mais caprichados da cidade era os da minha mãe, Teresinha, e outro, da
minha tia, Felicinha. Estou me referindo à pequena cidade de Presidente Dutra,
urbe encravada no interior profundo do estado do Maranhão. As duas irmãs, agiam
como se disputassem a primazia de ter o melhor e mais belo horto do lugar, e se
esmeravam nos cuidados com dezenas de plantas floríferas logo às primeiras
horas da manhã, antes mesmo de se servirem do café da manhã. Mas isso era só
impressão. Em verdade, elas eram aficionadas com o cultivo de flores. E tudo teve começo em um tempo em que a cidade
não possuía água encanada, recurso natural vital também para os vegetais. E por
não o obterem nas torneiras, elas tinham que coletar água de poços cacimbões,
puxando manualmente o líquido precioso de uma profundidade de mais de quinze
metros.
Não sei se elas falavam também
com as suas plantas, ou se somente as acariciavam revirando as suas folhas e
flores em busca de ácaros, fungos ou percevejos. O fato é que elas, sempre que
tinham um tempo livre, voltavam às suas amigas e as vistoriavam uma por uma
outra vez. E não estou falando de poucas plantas. Espalhadas cuidadosamente em
dezenas de jarros, as mais necessitadas de sol eram posicionadas de modo a
banharem-se por, pelo menos, seis horas diárias com os raios incandescentes do
astro-rei. Enquanto isso as mais sensíveis, e menos exigentes, eram postadas mais à sombra. O fato era que os dois jardins estavam sempre
repletos de flores, que elas sabiam nominar uma por uma.
Hoje esses jardins não existem
mais, certamente em razão das suas duas cuidadoras também não estarem mais
presentes. E eu, apesar de apreciar a beleza das suas flores, nunca tive muitas
plantas na minha casa. Até que a pandemia do coronavírus maldito nos forçou a
ficar em cárcere privado. Foi um período dos mais difíceis, se não o pior
deles, aquele tempo em que todos nós passamos a ficar trancados, sem poder sair
à rua. Ficar em casa, como no meu caso, é prazeroso, desde que não seja por
obrigação. Gosto de passar um tempo com os meus livros, e até me arrisco a
escrever alguma coisa. E para exercer esses ofícios, de leitor e escrevinhador,
nada melhor do ficar em meu lar e, se possível, em um lugar isolado do barulho
doméstico. Mas, naqueles dias tenebrosos, eu já não encontrava o mesmo prazer
que desfrutava anteriormente. E o resultado é que passei a ficar um pouco
circunspecto, acabrunhado mesmo com o isolamento obrigatório. O jardim da mamãe
Foi quando uma das minhas noras, observando
o meu desânimo, trouxe um jarro da Rosa do Deserto (Adenium obesum) para
que eu tentasse reabilitar. Uma planta que ela havia ganho do seu pai. Eu não
conhecia a Rosa do Deserto, apesar de ela já estar na crista da onda, e não ter
jardim que preze na cidade que não tivesse pelos menos algumas
variedades desta roseira. A alegação da minha nora era de que eu, agrônomo por
formação, deveria saber como fazer para restabelecer a saúde daquela planta
cultivada em um jarro de cerâmica, e com um belo suporte de metal fabricado
pelo seu genitor que, em suas horas vazias, dedica-se ao trabalho com metais,
em uma serralheria que ele montou no seu próprio quintal.
Pelo visto, como a minha nora residia com a família em um apartamento, a sua plantinha não era servida com a quantidade
de sol diário que ela necessitava, e estava por isso entrando em processo de
morte lenta. Essa foi a desculpa que ela me deu. Mas, a verdade mesmo, era que
ela queria me repassar uma ocupação que me tirasse do meu estado de lassidão,
pondo as minhas mãos em contato com a terra. O que é verdadeiro ainda, é que eu
consegui reabilitar a plantinha e logo ela estava vigorosa e florificando outra
vez. E ela, a minha nora, por conta disto, passou a me trazer toda semana um
jarro com uma rosa de uma variedade diferente. Ela até conseguiu me
levar a um sítio nas imediações da cidade para adquirir mais algumas dessas
plantas.
algumas espécies do meu jardim
Hoje tenho muitas delas no meu
jardim, cada uma mais bonita que a outra. E, pasmem, passei a comprar algumas outras
Rosas do Deserto que produzem flores diferentes das que tinha. E passei a
estudar bastante sobre o assunto também. quanto a isto, devo acrescentar que encontrei poucas referencias acadêmicas
sobre essa planta da família das suculentas.
Essa história me levou a recordar
uma passagem da minha vida de estudante de agronomia na Universidade Federal
Rural de Pernambuco. Certa vez, em tempos de matrícula das disciplinas para
aquele semestre, fui abordado por uma colega com uma proposta que considerei
estapafúrdia. Ele chegou com uma lista de nomes de alguns colegas, e me indagou
se eu não aceitava me matricular na disciplina de jardinagem. Tomei um susto,
pois tinha a convicção de que aquela era uma matéria mais afeita às mulheres, e
não para mim. E ele, sorrindo com a minha reação, e talvez com a minha
ignorância, contou-me a história verdadeira sobre o seu interesse pela
disciplina. Disse-me que fora ao Departamento de Horticultura à procura de uma
disciplina optativa para se matricular, e se deparou com a cadeira de
jardinagem na grade curricular. E como nunca tivesse ouvido falar que existisse
uma turma que cursasse essa matéria, falou para o funcionário que o atendeu
sobre o seu estranhamento. E ele então lhe respondeu que a disciplina era
ofertada sim pela universidade, só que nunca se formara nenhuma turma, apesar
de existir um professor contratado para dar aulas sobre a matéria. E isso tinha
uma explicação, ele continuou. Uma turma precisaria ter, pelo menos, doze ou
quinze alunos, não me recordo bem a quantidade necessária. E como existiam
pouquíssimas mulheres no curso de engenharia agronômica, nunca havia se formado
uma turma completa. O colega então lhe perguntou se o professor a que ele se
referia recebia salários para ministrar uma matéria que nunca havia tido uma só
aula. E recebeu como resposta um sim, e há muitos anos, tantos que ele não se
recordava desde quando esse professor recebia seus salários religiosamente.
Foi então que o colega passou a
arrebanhar alunos para se matricularem na disciplina optativa. E conseguiu
juntar um grupo de mais de vinte pretendentes. Muita gente estava curiosa para
participar da primeira aula ministrada por aquele professor imprestável, depois
de tanto tempo recebendo seus salários sem trabalhar.
Contudo, para encurtar a
história, informo que não foi ainda daquela vez que a disciplina foi ministrada
na UFRPE. Pois, o tal professor, rebelou-se frontalmente e falou que não iria ministrar
aulas para aquele grupo. Talvez tenha chegado aos seus ouvidos a história
completa sobre a formação extemporânea da turma. Entretanto, acredito que tenha
pesado mais o fato de ter que frequentar a universidade para dar aulas, depois
de mais de uma dezena de anos de inatividade. E não teve jeito. Os alunos
tiveram que procurar outras disciplinas para preencher a grade curricular
obrigatória, porque o professor inoperante não arredou pé. Encerro aqui a
história dizendo que eu não fiz parte daquela turma que nunca chegou a ter um
só dia de aula de jardinagem. Não topei fazer parte da lista nem por
brincadeira. Afinal, já estava matriculado em oito cadeiras naquele semestre. Já
viram se eu tivesse que tomar aulas três vezes por semana em uma disciplina que
não fazia a menor razão para mim? E agora estou aqui, cultivando plantas e me
sentido imensamente feliz por exercer este mister. (*) José Pedro Araújo é engenheiro agrônomo, funcionário público federal aposentado, historiador, cronista, romancista, e coordenador do blog Folhas Avulsas.
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Muito bom! Ri demais com a parte em que o professor se irritou quando finalmente formou uma turma! Hahah
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