quarta-feira, 12 de novembro de 2025

Outros verões virão

 

Imagem extraída do Google

José Pedro Araújo (*)

 

Esses dias que correm são de uma malvadeza tremenda. Refiro-me ao tempo, não a outros problemas da vida atual. E então me pergunto se o tempo já era assim, tão desumano, quando eu ainda era uma criança. No velho Curador, correndo descalço pelas ruas incandescentes e poeirentas, ou embrenhado na mata em busca de passarinhos, não me lembro de meu corpo padecer tanto quando nos dias atuais. O calor terrível que hoje me martiriza, já era tão grande assim, quando não havia a presença do ar-condicionado, e nem mesmo de um ventilador? Não sei responder a essa pergunta, pois as imagens que me vem à mente são de um frescor consolador. Além do mais, quando o sol castigava demais, sempre havia o riacho Firmino ou mesmo as pequenas lagoas que se formaram às margens da rodovia recentemente construída, a nos fornecer as suas águas dadivosas, espantando para longe o calor.

Dávamos como certo, que neste mês de novembro, as primeiras chuvas já apareciam por lá. Esparsas, talvez três ou quatro borrifos que mal dava para aplacar o calor do vento e faziam com que a terra se tornasse mais agradável de se pisar. Mas elas sempre estavam por ali. Dois de novembro, então, Dia de Finados, quando choramos os nossos que partiram, era um desses dias em que já se saia de casa com um guarda-chuvas nas mãos, pois havia a certeza de que o céu derramaria água sobre a terra. Pois os últimos dois de novembro têm fugido a essa regra. Nada de chuvas, apesar de algumas nuvens escuras terem ocupado espaço no firmamento, para depois seguirem mansamente em direção ao oeste, sem derramar uma gota sequer.

Nesse tempo também, os agricultores da minha região já haviam preparado as suas roças, feito a derrubada de praxe da mataria, e até aproveitavam-se do tempo seco para atochar fogo na galharia ressecada. Quanto aos retardatários, aqueles que não confiavam na regra imposta, arrependiam-se de não terem tido a cautela de praxe, e se preparavam para os próximos dias de estio, quando então também tacavam fogo nas suas derrubadas. Era isso, ou corriam o risco de perderam o tempo ideal, pois as chuvas do final do mês já vinham mais intensas e amiudadas, impedindo que as árvores caídas secassem e aceitassem o fogo que iria contribuir para a limpeza do terreno, preparando-o para receber as sementes.

Hoje em dia, não sabemos ao certo quando as chuvas cairão, molhando a terra e refrescando o ar. Os meteorologistas até já se aproveitaram do You Tube para divulgar as suas notícias sobre o clima, mas nem sempre acertam. Estão sempre procurando explicações nas condições climáticas para justificar os seus erros. Hoje, por exemplo, teríamos um pouco de chuva aqui em Teresina, diziam, coisa leve, mas que deixaria o ar mais respirável. Até vi algumas nuvens brigando contra o sol desde o começo da manhã, mas não creio que as minhas plantas venham a receber a dádiva da água caindo sobre elas ainda no dia de hoje. E à tarde, e até na primeira parte da noite, o calor vai se acentuar e nos torturar. Essa é outra diferença que sinto. Parece que a cidade se aquece muito mais quando o sol vai embora e a noite se derrama sobre ela. Nunca vi nada igual. O calor às oito da noite é mais intenso do que a temperatura que tivemos às três da tarde. Por quê? A pergunta que faço é para mim mesmo, não quero uma resposta dos ambientalistas ou de seus contrários. Já chega de ouvir sandices de um e de outro lado. Mas de uma coisa eu tenho certeza: a manhã esteve um pouco mais fresca que as dos dias anteriores. Bastou uma ameaça de chuva para o calor amainar e o vento derramar sobre nós um leve frescor.

A cada ano que passa clamo mais pela chegada das chuvas. Olho para o nascente com a esperança de que de lá venha uma nuvem carregada de gotas de água para serem derramadas sobre a cidade que se debate tristemente entre o calor e a esperança. Enquanto isso, vamos sofrendo também para honrar os elevados boletos que a empresa energética depositou na nossa caixa de correspondência. A conta da água também sofre uma grande elevação nesse período, chegando quase a dobrar. Ainda bem que não precisamos ligar o aquecedor de água, pois o líquido já desce do chuveiro tão quente que temos que praticar um grave desperdício, deixando que ela escorra por um bom tempo até se tornar mais acessível. 

Voltando ao meu velho Curador, recordo-me ainda de que a água que usávamos para tomar banho, e que era coletada no poço que tínhamos no nosso quintal, era mais fresca e não nos queimava o cocuruto como a que sai da tubulação que abastece a nossa rua. Eram tempos difíceis, sem água encanada, sem energia elétrica durante o dia, mas parece que convivíamos mais facilmente com o clima.

É certo que o período de chuvas, ou os invernos, como chamamos por aqui, trazem também os seus infortúnios, como as nuvens de muriçocas que invadem as nossas casas, a queda da energia que nos deixa no escuro, os alagamentos, até mesmo as ventanias que muitas das vezes nos causam sérios problemas. Mas nada rivaliza com as temperaturas escaldantes que nos afligem nos dias atuais. E é por isso que olho para o levante todos os dias na esperança de que aquela nuvenzinha fraca que se forma se junte às suas colegas e formem nébulas carregadas de água. Conto os dias para que isso aconteça.

E quando o inverno vem, fico a contar o tempo, preocupado de que o verão logo voltará. Teremos novos verões em breve, é o que me vem à cabeça. E olha que eu não planto roças, não crio animais, não faço nada disso. Imaginem só se eu me preocupasse com a sede dos meus animais ou com a secura dos meus roçados!

Acontece, como dá para notar, que sou um admirador da chuva, daqueles que invocam um dia chuvoso como “um belo dia”, e não como um “dia feio”, como costumam proferir os sulistas.  Daí, também, ir na contramão dos irmãos Goncourt, escritores franceses citados por Montello no seu ótimo Diário Completo, quando dizem que “Na província, a chuva é uma distração”, para destacar o tédio ou falta de ocupação dos provincianos. De minha parte, prefiro humildemente admirar o fenômeno natural como uma das mais belas oferendas da natureza para os seres humanos. Para mim, é como se gotas de prata estivessem sendo lançadas do alto para enriquecer os meus dias.

Porém, as notícias que acabo de ler no jornal local é de que Teresina terá uma semana de intenso calor e baixa umidade. Porque eu fui dirigir o meu olhar para o You Tube!

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José Pedro Araújo é engenheiro agrônomo, funcionário público federal aposentado, historiador, cronista, romancista, e coordenador do blog Folhas Avulsas.    


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