sexta-feira, 23 de março de 2018

Os Personagens da Marechal

Av. Marechal C. Branco com pista sinalizada


José Pedro Araújo

Marechal Castelo Branco é a avenida que ombreia o rio Poti pela sua margem esquerda, importante via que se transformou rapidamente em alternativa importante ao tumultuado trânsito para buscar o centro da cidade. Bela no seu aspecto paisagístico virou também pista de caminhada para os apreciadores do jogging. Gosto de fazer as minhas caminhadas matinais por lá, em detrimento da outra pista que margeia o mesmo rio pelo seu lado direito, e que foi batizada com o nome de Raul Lopes. Esta outra avenida recebe uma quantidade maior de “atletas”, especialmente nas tardes mornas de Teresina. Porém, foi na Marechal que eu me adaptei e queimo algumas calorias, desfrutando do seu sombreamento e da sua paisagem atraente. Já afirmei certa vez, para responder à indagação do porquê de não gostar de caminhar pela Raul: gosto de bater pernas durante a parte da manhã, quando o clima é mais ameno, e também por não possuir muitos conhecidos por ali que possam atrapalhar a minha caminhada e a meditação que faço nessas horas. Por isso, gosto de caminhar sozinho e incógnito, ao contrário de muitos que gostam de conversar muito durante a caminhada. Dizem, para se justificarem, que o tempo passa mais rápido. Só que eu prefiro meditar ao invés de emitir ideias, ouvir pontos de vista. Pronto.
Tenho observado alguns personagens que transitam sempre por lá para aprimorar a forma física, em busca da saúde perdida. Começo pelo mais ativo deles, um cidadão magro, careca e que usa sempre calça de jogging, talvez para esconder as pernas finas e ágeis. Vejo que deve estar aí pela casa dos quarenta anos, quem sabe, um pouco mais. Este é um viciado no mister. Por ser um dos poucos com quem me comunico, mesmo rapidamente, fiquei sabendo que caminha ( e corre também) todos os dias, inclusive aos domingos. Afirmou também que se sente mal no dia em que, por um motivo ou por outro, tem o seu hábito prejudicado. É uma figura que representa fartamente esses tempos em que as pessoas repõem as pernadas substituídas pelo uso do carro ou da moto, coisa que fazem até para ir à padaria logo ali na esquina.
Depois tem aquela jovem mulher que, não muito assídua quanto o nosso carequinha, vez por outra põe em dia o aprimoramento físico. Alta, forte, sempre com uma leg colada às pernas longas, passa por mim correndo e agitando a trança comprida e elegante. Poderia ser eleita a musa da Marechal, mas, pensando bem, isso não vem ao caso. Não que não transite por ali belas mulheres. Mas é que não pretendemos desfeitear outras atletas até mais assíduas e dedicadas.
Tem também aquela senhora cinquentona que, vez por outra, leva os seus cães para passear. Gorducha, claudicante ao caminhar, arrasta três cachorros pelas coleiras. Um dos animais é fêmea, grande e gorda, com um pouco de sangue Rottweiller nas veias, e me parece bonachona e tranquila. O outro é um Poodle de pelagem branca. Melhor dizer que possui um resto de pelos bancos, posto demonstrar que a sarna o tem atacado sem dó nem piedade, derrubando os cabelos sedosos e deixando ver uma pele avermelhada, maltratada. Apresenta essa característica mais destacadamente na parte de trás que ficou parecida com as ancas vermelhas de um babuíno. E o terceiro é um Pequinês de pelo também branco, rechonchudo e agitado, que parece comandar a matilha. Irrequieto, ele puxa o cordel que o prende para um lado e para o outro, para, retrocede, e a mulher, calmamente, atende a todos os seus comandos. Merece uma comenda da parte da Sociedade Protetora dos Animais pelo trabalho realizado.
De maneira igual, outra senhora traz sempre à mão uma sacola com ração para gatos e algumas garrafas plásticas com água limpa. Acredito que por ali são abandonados muitos gatos, pois a quantidade e variedade deles é enorme. E ela até já improvisou dois abrigos sob os bancos de concreto, utilizando-se de pedaços de compensado ou de papelão para erigir duas casinholas para os bichanos. As duas mulheres, tanto a dos cachorros, quanto a que abastece os gatos de comida e água, vestem-se a caráter para realizar a sua caminhada matinal. Em nada se distinguem das outras caminhantes.
Vejo por lá também aquele senhor gordo – não, não estou falando de mim - que caminha sempre acompanhado da esposa. Alto, pernas grossas qual patas de elefantes – acredito que inchadas – quando o vi começar os seus exercícios pensei que não prosseguiria por muito tempo, tal o aspecto de sofrimento que mostrava no rosto alvo e de barba branca e cerrada. Mas me enganei. Já o vejo por ali há muitos meses e observo que o seu aspecto é muito mais tranquilo, mais desenvolto, respira melhor, já não mostra mais aquele cansaço de quem vem caminhando há séculos. Esse merece ser parabenizado pela sua persistência.
Faço referência agora àquela gordinha, baixa compleição física, formas infladas dentro de uma malha muito colada que passa por mim numa velocidade estonteante como se eu estivesse parado. Deve estar com o peso dobrado. Não tem o perfil que eu penso ser o ideal para alguém caminhar com tanta desenvoltura. Era o que eu pensava antes. Mas estava engando quanto a isso. Ela passa por mim em marcha batida e sem demonstrar o menor cansaço, sacudindo o corpo dentro daquela calça de malha fina que parece uma segunda pele do tipo que as mulheres usam para conferir maior beleza às pernas. Essa moça me mostrou ainda que a idade me fez caminhar mais lento, por mais que eu queira imprimir velocidade às minhas pernas. Mal comparando, pareço aquele fusca barulhento que parece desenvolver uma velocidade estonteante, tão alto está o giro do motor, mas que trafega se arrastando pela pista qual uma tartaruga. E isso me incomoda, reconheço.
Depois, tem aqueles atletas de uma vez só. Chegam um dia, alongam-se, exercitam-se espalhafatosamente, e partem numa correria desenfreada. Logo à frente encontro-os prostrados sobre um dos bancos existem no passeio, soltando o ar com dificuldade. Nunca mais aparecem na Marechal. São muitos iguais a estes. Aves de arribação. Quase todos os dias vejo uma cara nova por lá.
Tempos atrás apareceu por lá um sujeito esdrúxulo, magro, fantasiado de indiana Jones, que parecia uma figura saída dos programas de humor. Trajando calça de jogging, tênis pouco apropriado para uma caminhada, camisa de malha mangas longas, tipo essas que vemos hoje nas praias - e que alardeiam possuir elementos para a defesa contra raios ultra violeta. Portava ainda um chapéu do tipo usado pelos exploradores sobre a cabeça que me parece perturbada. Parece conhecer os moradores da região, pois vejo-o sempre parar para uma conversa com alguns deles. Dias atrás retomou a caminhada exatamente quando fui passando por ele. Andou um bom tempo perto de mim e observei que ele cantava algumas musiquinhas para criança, tipo A dona Aranha... E mal terminava uma emendava outra. Depois entoou marchinhas de carnaval e, mais à frente, desandou a cantar músicas da Jovem Guarda. Uma coisa que eu observei, foi que ele não termina a música, canta somente uma parte dela e já vai emendando com outra.  Ou por não saber, ou por querer mostrar a sua “play list” completa. Encontro-o quase todas as vezes que vou caminhar, e, invariavelmente, traja o mesmo tipo de roupa, e está sempre cantando. Vai se saber porque!
Finalmente, quero falar aqui de um personagem que vejo quase todas as vezes que vou me exercitar por ali: um bem-te-vi. Quando menino chamava esse tipo de ave de “João Besta”, pois ficam sempre a se mostrar para nós, fazendo estripulias. Acredito que este já me conhece, e até sente alguma amizade por mim, pois fica caminhando na minha frente, ligeiro, saltitando sobre aquelas perninhas finas, compridas e desajeitadas, mas quando me aproximo mais ele entra no mato rasteiro e some. Desaparece tão rapidamente como apareceu. Sempre caminhando, nunca ao sabor das suas asas, e sempre no mesmo ponto da avenida. Penso que tem o seu ninho por ali.
No dia que não vou caminhar na Marechal Castelo Branco sinto falta e a minha consciência pesa por achar que é uma atividade inescapável a qual não posso prescindir. E ainda aproveito para me deleitar com os personagens que vejo transitar por ali. É o meu passatempo, melhor e mais saudável. E como não fico conversando durante todo o trajeto, deixo de engolir quilos de fumaça emitida pelos veículos que trafegam ligeiro pela avenida.

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