quinta-feira, 20 de janeiro de 2022

A Matriz de São Sebastião do Curador

Igreja Matriz de São Sebastião(Foto Carlos Magno)


José Pedro Araújo

Como já temos dito em outras oportunidades, São Sebastião não foi o primeiro padroeiro de um templo católico no velho Curador. Essa primazia coube a São Bento, primeiro protetor da humilde capela erigida pela comerciante Luvendora Melo, é que nos relata a história oral do município. A capela rústica que fora construída a partir da palha de babaçu, foi erguida em intenção a São Bento, por haver muitos animais peçonhentos na região escolhida para a sua construção, conforme também afiança os primeiros moradores da povoação que se formava. Erigida sobre a elevação onde hoje se acha a igreja matriz de Presidente Dutra, o ponto culminante da vila, esse primeiro oratório não possuía a opulência das catedrais erguidas nas grandes cidades, e muito menos o ar solene da matriz erguida em seu lugar anos depois. Mas foi o primeiro local de oração a receber os devotos locais do catolicismo.

Capela de São Bento em Construção 1928
Anos mais tarde, a capela simples foi passando por modificações, ocasião em que paredes de taipa substituíram as de palhas para, muito depois, serem também trocadas por outro material mais resistente e duradouro, o adobe. Nesse tempo, a construção já possuía um aspecto mais bonito, e em volta da praça em frente, muitas casas já haviam sido construídas. O ano em que esta última reforma se iniciou foi o de 1928. Seu construtor foi o frei Heliodoro Inzago, é o que nos mostra a documentação fotográfica existente, na qual aparece aquele religioso à frente de numerosas pessoas da comunidade, a maioria portando tijolos cerâmicos sobre a cabeça. O registro deste fato se deve ao Presidente (Governador) Magalhães de Almeida, que passava com a sua comitiva pela vila de Curador e foi recebido pelo religioso capuchinho e por numerosos populares.

 

Contudo, parece ter sido outro religioso em desobriga pela região, o primeiro capuchinho a ministrar uma missa no local. Tratava-se do frei Roberto de Colombo (Castelanza), também italiano, e pertencente a ordem dos Frades Menores Capuchinhos, que transitava incansável por todo o interior de Barra do Corda em constantes desobrigas. Teria ele ministrado a primeira missa na capelinha simples da vila de Curador entre os anos 1905 e 1910. Frei Roberto Colombo, mais tarde, seria escolhido como o primeiro Bispo Prelado da Diocese de Grajaú. Sobre este religioso, Dom Roberto J. Colombo, sabe-se que possuía uma saúde frágil, mas isso não o impedia de empreender longas viagens de evangelização em todas as povoações sob a sua responsabilidade, montado em animais de sela. Tais viagens, sob sol inclemente e debaixo de chuva, e que duravam meses, iriam agravar a sua saúde já comprometida, a ponto de ter que viajar com urgência para Fortaleza, no Ceará, em busca de tratamento médico. Cidade onde veio a falecer em 1927.

Nesse ponto existe uma pequena controvérsia. Alguns estudiosos atribuem a frei Heliodoro Maria Inzago, a primazia de ter rezado a primeira missa na capela de São Bento, quando ali permaneceu por longos meses como padre-construtor daquela capela, por volta de 1928. Frei Heliodoro foi pároco de Barra do Corda em 1935, segundo estudos procedidos pelo professor Edgar Brandes e registrado no seu livro sobre a história de Barra do Corda. Aliás, pouco tempo depois dessa data, por volta de 1937, já encontramos o diligente padre em Teresina, no Piauí, em substituição ao Bispo frei Serafim de Catânia, um ícone na história religiosa piauiense. Nesta cidade, frei Heliodoro foi o mentor de uma vastíssima obra de cunho social e religioso, como a fundação do convento dos Capuchinhos e a Escola dos Pobres de São Francisco de Assis, e era conhecido entre os católicos da cidade como “O Pobrezinho de Cristo”. Frei Heliodoro, construtor da última capela sobre a proteção de São Bento, faleceu no ano de 1981.

A Paróquia de São Sebastião teve a sua elevação a esta condição efetivada a 08 de dezembro de 1945, e as missas continuaram a ser realizadas na igrejinha construída por Frei Heliodoro Inzago. A falta de padres disponíveis, fez com que o primeiro vigário titular da nova paróquia só viesse a ser nomeado em junho de 1947. No dia 12 de junho o bispo D. Emiliano Lonati inaugurou oficialmente a nova paróquia e deu posse ao seu primeiro pároco. O escolhido foi frei Carmelo de Trucazzano, tendo como cooperador e encarregado de desobriga frei Aniceto de Tavernole.

A igrejinha construída mais de vinte anos antes estava em situação lastimável, e entrou nos planos da Prelazia a construção de um novo e bem projetado templo para fazer jus ao crescimento da cidade e ao grande número de fiéis. Não existe garantia de que o projeto tenha sido idealizado pelo padre Francisco de Chiaravalli, padre construtor responsável pelas inúmeras obras da Prelazia do Grajaú.  Contudo, é quase uma certeza de que tenha sido ele o autor do projeto da nova igreja de Presidente Dutra. Frei Metodio de Nembro, autor da importe obra literária “São José de Grajaú – Primeira Prelazia do Maranhão”, discorre assim sobre a necessidade de um novo templo na cidade: “a igrejinha estava, porém, velha e desmoronando e não servia às necessidades da cidadezinha. Isto apressou a execução da planta já estudada para uma nova igreja. Com esmolas arrecadadas pelo vigário cooperador frei Aniceto de Tavernole em várias cidades do Brasil, o novo vigário frei Renato de Valgranna (que havia substituído frei Carmelo) atacava decidido os serviços de construção da nova matriz, cuja primeira pedra fora colocada a 04 de outubro de 1948”( obra cit. pág. 115).

Frei Metodio arremata a sua informação com informações preciosas sobre a obra, a sua arquitetura e as razões porque foi implementado um projeto de construção original e fora dos padrões comumente adotados pela igreja católica no país: “Vencidas umas e umas dificuldades, a igreja foi concluída, apresentando-se bela e imponente, com três naves divididas por uma fileira de colunas e de arcos mourescos, com transepto bem proporcionado e a ampla perspectiva da abside, propositadamente distanciada para dar lugar ao coro. A robusta estrutura, todo o externo da fachada ornada de traços, enfeites, florões e pilares, e o corpo da igreja, podem ser considerados uma forma de lombardo evoluído; no conjunto o estilo é um harmônico eclético, interpretado com alma moderna... todos esses novos edifícios de culto, diferentes no estilo e na mole, tem uma características comum: a não aquiescência ao monótono estilo colonial, para dar lugar a uma vigorosa capacidade inventiva”(obra cit. págs. 112/115/116).

A obra sofreu alguns atrasos por falta de recursos, e só ficou pronta anos depois. Se levarmos em consideração à colocação dos sinos no campanário, somente por volta de 1955 foi concluída, num exaustivo trabalho realizado pelos frades capuchinhos frei Renato de Valgranna e frei Dionísio de Primolo. Alterou-se ainda o nome do seu padroeiro, substituindo o primitivo São Bento por outro da predileção dos capuchinhos, São Sebastião. Para este fato, a história oral apresenta como justificativa à mudança de padroeiro, ao fato de que o mês de março, quando eram comemoradas as festividades da igreja, caía num período de muitas chuvas, o que atrapalhava sobremodo a festa religiosa e por ser a região muito favorável à contração de doenças endêmicas por ocasião do inverno. A meu ver, tal justificativa não se sustenta, uma vez que janeiro, mês dedicado a São Sebastião, também faz parte do período chuvoso. E, por sua, o mês dedicado a São Bento, é julho, e não março, como diziam os defensores dessa tese.

O certo é que, quando a igreja foi planejada, já se tinha em mente a mudança, por alguma razão que não nos foi dado conhecer. Uma hipótese, é que alguns anos antes os capuchinhos haviam construído a Basílica de São Sebastião, padroeiro do Rio de Janeiro, em um acontecimento que ficou marcado na história do Brasil, uma vez que foi promovida uma campanha monumental de arrecadação de recursos para a sua construção que envolveu grande parte da população do Rio, e de outras partes do país. A história desta construção ficou muito conhecida porque já era o terceiro templo construído para o padroeiro São Sebastião na cidade. O primeiro, construção rústica com paredes de taipa e cobertura de palha, foi erigido pelo fundador da cidade, Estácio de Sá, em 1567, próximo ao Pão de Açúcar, na praia Vermelha. Havia sido esta, portanto, a primeira construção com a finalidade de culto na cidade. Em 1583, o templo, em más condições, foi transferido do local para o Morro do Castelo, para onde foram trasladados os restos mortais do fundador, que se achava ali sepultado, Estácio de Sá, e o marco simbólico de fundação da cidade do Rio de Janeiro. Já era uma construção mais bem acabada, mas também foi demolida, como veremos mais adiante.

Interior da Basílica no Rio de Janeiro

Contudo, a Ordem dos Capuchinhos só tomaria conta daquele segundo templo em 1842, instalando-se ali e permanecendo por longos anos. Mais uma vez essa tranquilidade foi quebrada em 1921 quando o governo federal resolveu demolir completamente o Morro do Castelo para implantar obras na cidade. E junto, também veio abaixo o prédio da igreja de São Sebastião. Essa segunda demolição causou uma comoção sem precedentes na cidade. Daí o sucesso observado na construção do novo templo na Tijuca. Mais uma vez também, concluída a belíssima obra, houve o traslado das relíquias históricas para o local: a imagem de São Sebastião, as cinzas de Estácio de Sá e o marco de fundação da cidade do Rio de Janeiro.

Interior da Matriz em Presidente Dutra

O templo também foi construído em estilo lombardo evoluído, tal qual mais tarde seria edificada a matriz do Curador. Aliás, a sua abside, ornada de colunas e arcos em estilo mourisco, parece muito com a de São Sebastião do Curador.

Voltando ao curador, concluída a construção da igreja, era necessário adquirir a imagem do novo padroeiro para ocupar lugar no altar central, na posição em que deveria estar São Bento. Como é de praxe, logo foi iniciada uma campanha para arrecadação de fundos junto à comunidade presidutrense, que teve como coordenadora a senhora Adélia Sereno, pertencente a uma das famílias tradicionais da cidade. E, rapidamente, arrecadou-se a quantia de 700$000 (setecentos mil réis), dinheiro suficiente para custear a compra da imagem mandada confeccionar na cidade do Rio de Janeiro. Aquisição feita, era preciso transportá-la do Rio de Janeiro até Presidente Dutra. Como não havia meios de transportes como nos dias atuais, a imagem veio de navio do Rio até São Luís, tendo seguido depois por meio fluvial através do rio Mearim até a cidade de Barra do Corda. De lá, transportada em uma rede por quatro homens que se revezavam continuamente no ofício, chegou à cidade sob uma chuva de fogos de artifícios e a comemoração de milhares de fiéis que a aguardavam na entrada da cidade.

Quanto aos sinos que ainda hoje badalam no alto da torre do campanário da matriz, a história é também muito instigante. E o trabalho e o custo da sua confecção e transporte também já foi muito maior. Os admiráveis sinos foram fabricados em 1955, na Itália. Mais precisamente em Milão. Através de pesquisas, coisa que sempre faço antes de começar uma crônica, descobri coisas impressionantes sobre a Fundição Barigozzi, também fabricante dos sinos da torre de São Sebastião do Curador.

Por exemplo, tomei conhecimento de que aquela fundição responsável pela confecção dos sinos da matriz de Presidente Dutra, foi a mesma que confeccionou as campânulas de muitas igrejas históricas na Itália. Algumas delas eu tive a felicidade de conhecer quando por lá transitei certa vez. Alguns exemplos: no alto do campanário da histórica e belíssima igreja de Santa Maria del Fiori, o icônico Duomo e Catedral de Florença, construída pelo incensado arquiteto Giotto di Bondone, batem sinos fabricados pela fundição Barigozzi. Do mesmo modo, somente para citar mais um exemplo da importância daquela fundição, após um colapso nos sinos da Igreja de San Marco, em 1902, em Veneza, a fundição Fratelli Barigozzi foi chamada para substituí-los por outros iguais ou melhores. São os mesmos que batem atualmente lá no alto do seu belo campanário.

Agora outras informações importantes sobre a Matriz de Presidente Dutra: pesquisando no Livro de Batismo, verifica-se que o primeiro batizado realizado após a criação da paróquia, aconteceu no dia 26/12/1947, ocasião em que frei Carmelo ministrou o primeiro dos sete sacramentos à menina de nome Eva, nascida no dia 15/11/1946, filha do casal Miguel Francalino da Silva e de Dionísia Maria da Conceição.

Por sua vez, o primeiro casamento realizado na matriz de São Sebastião foi oficiado pelo mesmo Frei Carmelo, no dia 17 de março do mesmo ano, às 7:00 horas, tendo contraído matrimônio o casal Antonio de Matos Veras, 32 anos, piauiense de Bom Jesus do Gurguéia, e Maria da Piedade Cabral, 18 anos, paraibana, nascida na cidade de Cajazeiras.

8 comentários:

  1. Os textos formidáveis de José Pedro não nós surpreende mais. O seu amor e zelo pela história do Curador é constante e admirável. Aqui, nesse texto, ele regista um imenso fragmento da história de Presidente Dutra, a antiga vila Curador, como ele prefere denomina-la.
    Maravilha de crônica.
    Para registro: São Sebastião também é Padroeiro da minha cidade, Matinha/MA.

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  2. B dia, Senhores e senhoras .
    Há muito José Pedro relata fatos históricos da "região do Japão",próxima ao centro geográfico do Maranhão.
    A aglomeração urbana de maior expressão daquela próspera porção territorial do meu estado natal era Curador, hoje a
    pujante cidade de Presente Dutra.
    Parabéns pela riqueza histórica e literária desta bem elaborada escrita.
    👏

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  3. Em lugar de próxima região... entendamos próspera região...

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  4. Desculpa, o segundo comentário foi desnecessário. 😂

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  5. Salvo engano, S. Sebastião é o padroeiro da Paróquia de Passagem Franca, terra do bravo historiador Fonseca Neto.

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  6. Mestre, acho que seu livro sobre a história de Presidente Dutra e do velho Curador já merecia ter uma segunda edição, que, diante de suas novas pesquisas, seria substancialmente aumentada.

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    1. É verdade, Poeta. E já estou trabalhando para isso, apesar da preguiça que me tem envolvido nesse período pandêmico. Contudo, se Deus me der forças, e os meus mecenas continuarem com a boa vontade de sempre, logo teremos uma reedição revista e ampliada do livrinho sobre o Curador.

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    2. Obrigado pelo incentivo, queridos amigos. As palavras de apreço de vocês é que nos faz prosseguir nesta faina, mesmo sem o dom natural da escrita.

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