domingo, 24 de março de 2024

"O Inventário do Coronel Diogo Lopes de Araújo Salles"


 

Creomildo Cavalhedo Leite (*)

Povoado Maracanã, ao longo de muitos anos foi uma das Sedes da Fazenda Jacoca, a qual tinha o marco inicial plantado na beira do Riacho Preguiça, e confrontando com a Fazenda Santa Maria do Japão, banhada pelos riachos Japão ao lado do antigo Povoado Curador, hoje Presidente Dutra, e Jacaré, próximo da Cidade de Tuntum;

A Fazenda Jacoca estendia-se desde o Coração da Mata do Japão até o Alto Sertão, chamada pelos antigos Povoadores como a Região das Areias, por ser cabeceira de vários Riachos e Brejos, que alimentam, por um lado o Rio das Flores e no outro extremo o Rio Corda, e ambos são tributários do Rio Mearim;

Esta faixa de Terra, até início do Século XIX, pertenciam ao antes Julgado de Pastos Bons, cujos limites fronteiriços estendiam-se para a antes Aldeias Alta, a atual Caxias e estendia rumo a Oeste para as bandas do Rio Tocantins;

A configuração do relevo geográfico e hidrográfico deste quadrante espacial, na parte central da Província do Maranhão, demorou a ser representada nos Mapas do Império do Brasil, porém, constatamos a existência de mapas que, incluíam este espaço físico desde 1749 (Mapa das Cortes);

No mapa de 1761, que apresenta a Província do Piauí e parte da Província do Maranhão, existem Relatórios, Cartas enviadas para notificar ao Rei na Corte em Lisbôa - Portugal, os quais apontavam, de forma dispersa, alguns Rios como o Mearim, Grajaú, Itapecuru, Serras, Lagoas e outros detalhes inerentes à cartografia da época;

Através de documentos oficiais, podemos citar a comprovação histórica do início do desbravamento, mapeamento, abertura da primeira estrada, nos idos do ano de 1837, pelo então Cidadão Diogo Lopes de Araújo Sales, iniciada no antigo Arraial de Campo Largo, na margem esquerda e beira do Rio Alpercatas, adentrando as antes impenetráveis e densas matas verdejantes, até a confluência do Rio das Flores, com o antes caudaloso Rio Mearim;

O Povoamento, nesta grande região, através dos registros dos primeiros sitiantes que, tomaram posse das Terras, são épicos e de muitas lutas, para combater os desafios postos, pela natureza em sua força indômita, todavia, prevaleceu a garra, a coragem e a determinação do Sertanejo para vencer e se estabelecer, fincando suas raízes;

Eram Terras do Brasil Colonial e depois Brasil Imperial, chamadas de Terras devolutas, um imenso espaço vazio, que bem poucos conheciam, e menos ainda tinham a coragem e intrepidez para penetrar nesta grande zona fértil, chamada de Japão;

No período da deflagração da insurreição chamada Balaiada, que assolou a Província do Maranhão, no período de 13 de Dezembro de 1838 a 1841, é relatada por vários renomados e laureados escritores, sobre este conflito, as consequências para a combalida economia da então Província Maranhense era devastadora;

Nas buscas empreendidas no mundo virtual da redes mundial de computadores, passando pelos muitos Livros e Jornais para encontrar pegadas na história dos meus Ascendentes Genealógicos, fui agraciado com vários documentos, todavia, um é muito especial o qual descreve minuciosamente, os primeiros anos da Cidade Barra do Corda, aquela que seria chamada de pérola do Alto Sertão do Mearim;

Nos idos do Ano 1849, o então Coronel Diogo Lopes de Araújo Salles, cerca de 1791 a 1865, filho do Capitão Francisco Xavier de Araújo Salles, 1767- (?), conhecido como Capitão Salles do Serrote, já era agraciado com o título de Cavaleiro do Império, Coronel Honorário da Guarda Nacional, Comandante da Legião da Guarda Nacional de Pastos Bons e da Chapada. O citado Coronel Diogo Lopes de Araújo Salles, em carta, cita textualmente:

"Eu, Diogo Lopes de Araújo Salles,

Nesta Freguesia da Santa Cruz da Barra do Corda, declaro para ser registrado no livro respectivo de Terras desta Freguesia que possuo no Lugar denominado "Santa Maria (do Japão)" uma posse de Terras com légua e meia em quadro pouco mais ou menos, limitando ao Oeste com Antonio de Souza Carvalhêdo, ao Sul com José de Mello Albuquerque, ao Norte e ao Sul com Terras Devolutas cujas Terras me apossei em 1949 para crear gados. E de como cumpre mandei passar duas iguais Declarações nas quais assino.

Villa da Santa Cruz da Barra do Corda, 9 de Novembro de 1855.

Diogo Lopes de Araújo Salles, n° 22 apresentado em 10 de Novembro.

Lançado no Livro respectivo.

Paguei de emolumentos Mil e Quinhentos e Vinte Reis, a Manoel Ribeiro de Mendonça, Vigário da Vara da Comarca."

A descrição da Terra e sua abrangência:

"Santa Maria, até a Serra das Lagoinhas, onde extrema com Caxias e Codó, compreendendo as Moradas Santa Maria, Lagoa do Mandacaru, José Firmino, Canafístula e Serra das Lagoinhas."

Participaram desta empreitada alguns de seus familiares (genro e sobrinhos), cada um abaixo citado, ocupando terras na região e registrando-as oficialmente em lugar próprio. São eles:

* José de Mello Albuquerque, casado com Francisca Alves Feitosa (genro)

E os sobrinhos:

* Major Antonio de Souza Carvalhêdo, casado com Luzia Carvalhêdo;

* Anastácio Martins Chaves, casado com Dona Joanna Martins Chaves

* Francisco Ferreira de Souza;

* Francisco de Sousa Mil Homens;

Esses desbravadores tomaram posse em 1849, como ocupantes e sitiantes, de grandes extensões de terras situadas na região conhecida como Mata do Japão, e inicialmente passaram a criar gado vacum. As áreas, depois, foram por eles registradas, e logo depois começaram a chegada muitas pessoas para morar e trabalhar nelas. Todas elas foram levadas a registro, em especial a Fazenda JACOCA;

Em pesquisas por mim realizadas, no Ano de 2016, descobri a seguinte menção na obra denominada 'Barra do Corda na História do Maranhão', de autoria do Professor Galeno Edgar Brandes - São Luís: SIOGE - 1994, na página 207, no segundo parágrafo. Mensagem exarada como testemunha do tempo, assim descrita:

"Enquanto isso se passava, antes dos idos de 1866, ocorrera na vila de Barra do Corda, o passamento do coronel Diogo Lopes de Araújo Sales, membro da comissão encarregada de arregimentar voluntários na região (Para a Guerra Brasil/Paraguai). Líder inconteste, amigo e protetor de Manoel Rodrigues de Melo Uchôa, nos choques e desentendimentos existentes entre o nosso fundador e o intelectual e comandante dos Bem-te-vis - Militão Bandeira de Barros. (Vide Registro no Livro do Cartório do 1º Oficio da Comarca de Barra do Corda - Fls. 39, 39 verso e 40). Onde se encontra o Inventário daquele Homem Público que ajudou no desenvolvimento e manutenção da Paz nos primeiros quarteis do século XIX."

Por diversas vezes realizei viagens a Barra do Corda, Maranhão e fui ao Cartório daquela cidade em busca deste citado documento, não tive êxito, entretanto. Depois, junto com alguns amigos, que buscavam documentos de familiares para comprovação genealógica, encontrei o Inventário do Coronel Diogo Lopes de Araújo Salles, em uma pasta composta por cerca de 400 imagens, trabalho realizado pelo Guerreiro H. Ennes, bem como a transcrição das primeiras páginas do Inventário, conforme segue, a título de apresentação: 

"Procuração bastante que faz Dona Joanna Rodrigues de Faria”

Saibão quantos este público instrumento ou procuração bastante ou procuração bastante [sic] virem que no anno de Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil oitocentos sessenta e seis nesta Villa do Tamboril, termo da Comarca do Ipu da Província do Ceará, em meu cartório me apareceu Dona Joanna Rodrigues de Faria, moradora no lugar Campo Largo [?] deste termo, conhecida de mim e das testemunhas abaixo assinadas pela própria de que dou fé, e por ella foi dicto na prezença das mesmas testemunhas que pela presente instituia por seus bastantes procuradores na Villa da Barra do Corda da Província do Maranhão ou em qualquer parte que [ilegível] esta se apprezentar a seus filhos, Firmino Rodrigues de Faria e seus irmaons Doutor Herculano de Araújo Salles e Diogo Lopes de Araújo Salles Junior e a elles in solidum ou a cada um de per si dá planos e especiaes poderes todo o seu direito e justiça no inventário e partilha amigável ou judicial que [linha corroída] [fl.20].

Illustrissimo Senhor

Diz Firmino Rodrigues de Faria, como procurador de sua Mãe Dona Joanna Rodrigues de Faria, que tendo requerido inventário nos bens ficados por falecimento do Coronel Diogo Lopes de Araújo Salles, para o que foi por Vossa Senhoria marcado o dia de hoje e não tendo voltado a deprecada, que foi expedida para a Villa da Chapada, afim de ser citado o herdeiro Manoel de Mello Albuquerque, como cabeça de sua mulher Dona Maria de Araújo Mello, e nem tão bem sido citada a inventariante cabeça de casal; por isso o Supplicante requer a Vossa Senhoria haja de marcar novo prazo para o referido fim.

Nestes termos

O Supplicante Pede a Vossa Senhoria Illustrissimo Senhor Juiz Municipal o justo deferimento e Espera Receber Mercê.

Barra do Corda, 5 de setembro de 1866.

Firmino Rodrigues de Faria

[fl.23]

Termo de Juramento e Declaração de Cabeça de Cazal e Auto de Inventário

Aos vinte dias do mez de Setembro de mil oito centos e sessenta e seis no, digo, seis nesta Villa de Santa Cruz da Barra do Corda, do termo da comarca da Chapada, Província do Maranhão, em as cazas de morada de Francisco de Mello Albuquerque onde foi vindo o meretissimo Juis Municipal e de Orphãos em exercício deste termo o capitão Joze Martins de Arruda com migo escrivão interino de seu cargo assima nomeado ahi prezente a Excellentissima Senhora Dona Maria Jose de Araújo Salles, viúva que ficou do Coronel Diogo Lopes de Araújo Salles, por elle Joze lhe foi deferido juramentos nos Santos Evangelhos, de baixo do qual lhe encarregou que declarado o dia em que tenha falecido o dito seu marido e se tinha feito alguma despocisão testamentaria, quais eram os herdeiros que lhe havião ficado; que idade tinhão e o que disse a curreição todos os bens, sem ocultar algum, debaixo da pena de perda do direito que nelles tiver, pagar o dobro da sua avaliação e incorra no crime de perjuria. E sendo por ella dicta disse que [ilegível] óbito dito seu marido Coronel Diogo Lopes de Araújo Salles ti [fl.23v] Tinha fallecido no dia onze de Novembro do anno passado com testamento que se acha junto deixando cinco filhos cuja idade declararia no título dos Herdeiros e que prometia dar a Carregação todos os bens debaixo das pennas que elle tinhão sido carregados do que fiz este termo que assigno com o juiz. Eu Raimundo [ilegível] Ribeiro escrivão interino que a escrevi.

(Capitão José Martins de Arruda)

Maria José de Araújo Salles

Título dos Herdeiros

Cabeça de Cazal

Dona Maria Jose de Araujo Salles

Filhos:

. Dona Joanna Rodrigues de Faria, 50 annos, Viúva do finado Jose Rodrigues de Faria

. Doutor Herculano de Araujo Salles, 47 annos, Cazado

. Donna Francisca de Mello Albuquerque, 46 annos, Cazada com Jose de Mello Albuquerque.

. Dona Maria de Araujo Mello, 40 annos, cazada com Manoel de Mello Albuquerque

. Advogado Provisionado Diego Lopes de Araújo Salles Junior, 31 annos, Cazado, digo, Diogo Lopes de Araujo Salles Junior, Cazado, trinta e sette annos.

Fonte:

Arquivo Judiciário Desembargador Milson de Souza Coutinho – TJMA

 

(*) Creomildo Cavalhedo Leite, é Funcionário Público do Estado do Tocantins, Pesquisador, Cronista e Genealogista.

 

4 comentários:

  1. Gostaria muito de descobrir a história de meus antepassados que moraram nesta região no século 19. Sou neto de vitoriano Lopes de Araújo, mas não sei se há relação com a história do coronel.

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  2. Meu amigo, obrigado mais uma vez pelas informações históricas que enriquecem os meus parcos conhecimentos da nossa terra natal.
    Aproveitando o ensejo, eu gostaria de saber se o Creomildo Cavalhedo Leite é parente do senhor Mário Pereira Leite, antigo dono das terras do Calumbi cuja propriedade foi transferida aos antepassados desse cidadão pelo sistema de Sesmaria segundo relatos do indigitado cidadão em 1849.

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  3. Parabéns pelo laureado enriquecedor de nossa curador.

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  4. Shalom Guerreiro José Pedro! Muito obrigado pela gentileza de publicar esta Crônica histórica "O Inventário do Coronel Diogo Lopes de Araújo Salles", solícito apenas uma correção no parágrafo que apresenta o teor da carta do Cel Diogo Lopes de Araújo Salles, ao citar/digitar o ano 1949 e, que na verdade o correto é "Ano 1849", no mais só tenho que te agradecer e posso te afirmar que quando a transcrição cronológica das 400 imagens do Inventário estiverem concluídas, teremos um verdadeiro mapa de dados sobre este grande Quadrante Espacial Especial, chamado Território Fértil da Mata do Japão, incluindo Nome de Pessoas, localidades, Fazendas e propriedades além de outros detalhes históricos que, certamente lançarão novas luzes sobre o belo e majestoso Torrão Maranhense, berço de muitos dos nossos Ancestrais. Um abraço caloroso e fraterno. Palmas - Tocantins, 24 de março de 2024. Creomildo Cavalhedo Leite

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