segunda-feira, 28 de outubro de 2024

O MEU PRIMEIRO ENCONTRO COM OS BEATLES

Imagem recolhida do Google

José Pedro Araújo (*)

 

Antes de me alongar, preciso fazer aqui uma ressalva: já havia me encontrado com os Beatles anos antes. Contudo, não sabia que se tratava deles, no que pese a fama estratosférica dos Quatro Jovens de Liverpool. E esse primeiro contato incógnito se deu quando ouvi pela primeira vez a música And I Love Her, no final do ano de 1.965, pelas ondas da rádio Timbira do Maranhão. Nesse tempo, passava eu as minhas tardes tomando conta da loja do meu pai situada na Rua Grande, mesmo sem saber responder nada sobre os preços dos artigos à venda. A loja comercializava tecidos, perfumaria, cintos, peças de plásticos, chapéus finos, entre outros produtos. E meu pai, para poder discutir preços com a clientela, apreçava os artigos com dois códigos com letras do alfabeto. O primeiro trazia o valor de custo do produto, enquanto o segundo identificava o valor mínimo que a mercadoria poderia ser vendida. Eu, criança ainda, desconhecia a forma de conversão das letras em números, razão pela qual, sempre que aparecia algum cliente, tinha que chamar por meu pai ou pela minha mãe para atendê-lo.

A minha função, portanto, era apenas a de vigiar a loja nas horas mortas da tarde, quando a clientela permanecia em suas casas curtindo a sesta e protegendo-se da canícula impiedosa da tarde. Nessas horas, ficava eu de sentinela, enquanto meus pais também tiravam o seu rápido cochilo em redes brancas e perfumadas. Irrequieto como toda criança, eu sentia que aquilo era uma forma disfarçada de me castigar pelas estripulias que costumava realizar. Assim, insatisfeito com o “aprisionamento”, resolvi que precisava fazer alguma coisa para matar o tempo e superar a insatisfação de ver os meus colegas irem para o jogo de futebol na Praça Diogo Soares ou tomar banho no riacho Firmino. Tinham tolhido o meu tempo, acreditava. Hoje, diria que o motivo adotado pelos meus pais era muito justo.

Voltando ao assunto do título acima. Para aqueles que se surpreendem com o fato de somente ter tomado conhecimento da existência da mais famosa banda do mundo já próximo da sua extinção, justifico dizendo que naquela época a televisão ainda não havia chegado até nós, e que as revistas de variedades chegavam na cidade com um preço muito alto. Não dava para mim. Assim, o rádio era o principal veículo de comunicação que nos chegava, trazendo notícias e tocando as músicas de sucesso que ocupavam os primeiros lugares nas paradas.  E eu não me incomodava muito com o que os falavam, queria era ouvir a música que tocava logo depois.

Havia até encontrado uma maneira de superar o tempo que se arrastava com cansada lentidão: ouvir música em um velho rádio portátil que o meu genitor mantinha encostado em um canto por estar sem serventia. Tive que improvisar uma antena para ele com algumas cordas de aço para violão, que também comercializávamos na nossa loja. Havia identificado que o rádio até ligava, mas o aparelho só emitia um chiado confuso, não se ouvia nada mais.

Trabalho feito, observei que o problema estava sanado ao ligar novamente o aparelho, pois o som que saiu do receptor era de boa qualidade. Passei a sintonizar algumas emissoras de rádio em diversos Estados, como a rádio Globo do Rio, a Sociedade da Bahia, a Clube de Pernambuco, e a Timbira de São Luís. Até passei a contar com alguns programas em diversas delas. Na rádio Clube de Pernambuco, por exemplo, tinha predileção pelo Programa do Bolinha, que transmitia os maiores sucessos do Hit Parade na época. Enquanto isso, na Timbira ouvia o programa Alegria na Taba, e foi nesta que ouvi pela primeira vez a música And I Love Her. Não fiquei sabendo quem cantava, pois, como já afirmei alguns parágrafos atrás, não me interessava muito pela prosopopeia do locutor, mas achei a música especialmente bela, mesmo sem compreender uma só palavra que eles diziam no idioma de Shakespeare.

Dois anos depois, ocorreu o meu encontro definitivo, que eu considero o primeiro, com a maior e mais badalada banda de música de todos os tempos: The Beatles. Já estudava no Ginásio Presidente Dutra e, certo dia, ao entrar na sala de aula, encontrei alguns colegas travando uma acalorada discussão sobre o nome correto de certa banda de música, cujo rosto dos quatro componentes aparecia na capa de trás de um caderno que os jovens estudantes traziam nas mãos. Nessa época a língua estrangeira ensinada no colégio era o Francês, portanto, não sabíamos nada de Inglês, já vou logo esclarecendo como forma de defesa. Discussão vai, discussão vem, e um dos colegas resolveu pedir a minha opinião sobre a pronúncia correta do nome estampado no alto da capa. Gaguejei qualquer coisa que não me lembro mais, decorridos tantos anos, mas, com certeza, não respondi o que eles queriam, pois a discursão continuou açodada.

O que ficou na minha memória, entretanto, foi o rosto dos quatro rapazes cabeludos e trajando uns terninhos estilosos, com o nome destacado sob cada um: John Lennon, Paul McCartney, George Harrison e Ringo Star. Nunca mais esqueci a imagem nem tampouco os nomes daquele grupo e o de seus componentes. Aquele foi, de fato, o nosso primeiro encontro. Os Beatles se transformou em um divisor de águas no meu gosto musical, e até hoje gosto de ouvi-los nos meus momentos de lazer e de relaxamento. Daí achar que a banda não morreu. Nunca se desfez! Daí também achar que os rapazes de Liverpool passaram, em carne e osso, pela minha sala do velho ginásio fundado pelo insigne Dr. José de Ribamar Fiquene, juiz da comarca e fundador e proprietários daquele inesquecível educandário.

(Texto publicado anteriormente em 13/01/2015. Ampliado e corrigido).

(*) José Pedro Araújo, é engenheiro agrônomo, funcionário público federal aposentado, historiador, cronista, romancista, e coordenador do blog Folhas Avulsas.

 

  


 

Um comentário:

  1. Caro colega e amigo José Pedro Araújo, gosto de todas as crônicas de sua autoria. Mas esta, que tem recortes da infância e juventude, tem um ingrediente especial.
    Parabéns por abordar a matéria de forma leve e rica em recursos literários.
    "Anônimo" Edésio 😁

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