sexta-feira, 2 de fevereiro de 2018

O PAÍS DAS DISPARIDADES

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Cunha e Silva Filho*


          Não pense o leitor que eu tenha alguma pretensão ou veleidade de ser um analista  da realidade brasileira como se fora um cientista político, um sociólogo,  um historiador ou um pensador. Ao meu texto simplesmente aplicaria a classificação de gênero crônica, ou artigo de opinião. Nada mais do que isso. Meu texto  não está  repleto de quadros  estatísticos,  de porcentagens, de  gráficos,  de pesquisa  de campo,  de embasamento teórico com a sua terminologia própria e  o seu jargão técnico girando em torno de uma hipótese de trabalho. Seria, antes uma conversa (escrita) com um  leitor indeterminado, um leitor geral, em bate-papo  descontraído  e salutar, quiçá se aproximando (me perdoe a indevida comparação) de um “resmungo” à Ferreira  Gullar (1930-2016) ou à Carlos Drummond de Andrade (1902-1987).
          Se falar do título até diria que me inspirei numa nota  aposta a uma reportagem  de um   jornal  de ampla circulação.  Meu texto apenas quer se comunicar claramente com  alguém,  ou algum leitor que, por acaso,  me venha a ler e que, talvez, nem me conheça  bem.  A minha intenção, contudo,  é boa e não fará mal a ninguém, a menos que seja uma pessoa  extremista ou radical em questões  da realidade social  do país.
      Imitando uma ficha  de dados sobre um autor  analisado, apresentada por um  eminente crítico literário  brasileiro, que, agora,  anda um pouco afastado  dos arraiais literários ou acadêmicos, veja o que  mostro na  ficha abaixo:

Brasil: pais de dimensões continentais;
População:  muito populoso, com um crescente   contingente de  idosos;
Língua oficial: língua portuguesa;
Classes sociais:    miseráveis,  pobres,   classe média baixa (difusa, a bem dizer, de difícil classificação),  média, média alta,  elite  econômica (alta burguesia), bilionários;
Níveis de escolaridade: analfabetos, analfabetos funcionais,  semiletrados, letrados,  altamente letrados (um parêntese: no  ensino da matemática,  o rendimento nacional se mostra  pleno de “disparidades”:  escolas com baixo rendimento em matemática, em contraste  flagrante com  escolas públicas (poucas) e privadas com alto rendimento  nessa disciplina. Se, porém, olhar-se   para o grupo de elite (no sentido cultural) no  desempenho da matemática,  vê-se que o Brasil,   contraditoriamente,  se alça, dentro dos parâmetros da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), a uma  posição    que já ombreia com os países com  o altíssimo  nível da União Matemática Internacional. Quer dizer,   o país  revela ser um mosaico  que vai  dos baixos níveis da educação mundial ao mais alto nível dos países  de economia  avançada.
Maiores problemas: corrupção política,  violência crescente, tráfico de drogas e de armas pesadas,  facções criminosas, dentro dos presídios e fora deles, sobretudo nas capitais do país.
    
    Ora, tal estratificação sóciocultural, agravada pelas suas mazelas, dá o que pensar e ainda torna mais  contraditória e complexa  a situação anômala do Estado  Brasileiro. Diante dessa  complexidade  de modos de ser de uma nação, é fácil de entender por que o pais não cresce harmoniosamente nos setores mais  vitais  a fim de que  se alcance  um melhoria significativa  que nos conduza a um  bem-estar   mais igualitário, mais humano, mais justo. Está aos olhos de quem tem experiência  que  o Brasil é vítima  de uma  perniciosa  concentração de renda, onde uns poucos vivem  como   qualquer rico de um pais adiantado ou não.  E tal concentração tende a aumentar à medida em que  os ventos  do capitalismo  global soprem com  a rapidez e fúria devastadora.
       A avidez do lucro e da mais valia, da reserva de mercado pandêmica nada deixam de pé na sua passagem em busca  do lucro  e da acumulação de riqueza  unilateralmente. Da pobreza alheia dos anônimos, sempre desavisados e inconscientes, nasce a opulência dos  tycoons.   A riqueza não é subjetiva, mas é dura qual uma pedra. A objetividade é a sua falta de limite mais perseguido.
     Neste contexto social é que  o país  se situa  e define  o que  seja melhor  aos plantonistas dos  poderes  político e  econômico. Neste mesmo contexto é que os destinos da nação são traçados a peso de ouro (ou de propina deslavada e cínica).
    Ao mesmo tempo em que o país  está bem adiantado na burocracia  federal,  estadual ou municipal altamente  informatizada e,  por conseguinte,  controlando  todo os passos, por exemplo, dos servidores  públicos,  em outros setores também  públicos  tudo está mal  administrado,  mal gerido  e suscetível  de desvios  de verbas, peculatos e corrupção ativa ou passiva  crônicas, a despeito  de algumas vitórias  do Ministério Público e da Polícia Federal, os setores  como educação,  segurança, saúde e transporte estão, no geral,   deixando  ainda  muito a  desejar  no que concerne a benefícios sociais  prestados  ao  contribuinte  pelo  país afora.
     Afirmar-se, pelas mensagens de governantes, que o país está saindo do sufoco da recessão, que o consumidor está comprando mais e que a economia está retomando seu  rumo certo é uma meia-verdade,  porquanto ainda há muito que caminhar  na direção das correções cabíveis, a começar   das ações do próprio  governo federal que, à outrance,  teimam em  modificar  a Previdência Social sem  consultar  a população brasileira e sem um amplo debate entre ela e o governo.   
     Quando um autoritário  e   soberbo  relator  do projeto de  reforma  previdenciária admite  em público que o país tem uma contingente   significativo de  idosos e nestes  em parte  põe a culpa  pelos  desatinos  do perdulário  governo  federal, ele está  desrespeitando  essa faixa  de aposentados que não tem  nenhuma responsabilidade  pelos  desastres   da administração   Temer e dos governos que  o antecederam. Ao contrário,  os aposentados do governo  federal foram penalizados com uma espécie de confisco obrigatório,  que foi o desconto, na folha de pagamento dos servidores, do que chamam de  “contribuição para  seguridade social  de aposentadoria,”  ou seja,  os servidores, que já descontaram  tanto no período  ativo,  quando aposentados,   sofreram essa redução compulsória nos seus vencimentos. Lembro, a propósito, que esse desconto para a seguridade social, foi efetivado no bondoso governo  Lula.
    Enquanto o país de contrastes e, por tabela, de desigualdades e injustiças, vai tecendo sua teia mefistofélica e draculiana de arbitrariedades e desídias administrativas, a sociedade, cindida em vários sentidos, vai vivendo sua dolce vita felliniana dentro das divisões  firmemente  impostas  pelos donos do poder continuamente  realimentador    do status quo   desigual e  autoritário e com aparência de fazer  os tolos  pensarem que  tudo se está   mudando para o bem geral da nação  e do seu povo   “cordial” e pândego.
   Em outras palavras, excetuando os miseráveis que nada podem, os ricos continuarão ainda mais ricos e a classe média lato sensu se endividando pelo  canto de sereia do consumismo,  vão, como podem, aguentando o tranco e eu a me lembrar dos versos do poeta da saudade:  A vida é uma girândola  na alvorada/ao retinir dos   guizos de vidro da Folia/Evoé Evoé

(*) Cunha e Silva Filho é escritor, crítico literário e professor.

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