11 de novembro Diário Incontínuo
QUATRO POETAS DO PIAUÍ
ELMAR CARVALHO é poeta, cronista, contista, historiador e membro da APL.
No
meu trabalho de reorganização do que restou de minha biblioteca,
terminei encontrando um exemplar de LB – Revista da Literatura
Brasileira. Trata-se do exemplar nº 6. A brochura, de apenas 45
páginas, consequentemente sem nome na lombada, encontrava-se perdida
entre os meus livros, de maiores dimensão e volume. Não a via há vários
anos. Pensava até que ela se extraviara, no meio de tantos papéis. Por
uma circunstância que adiante será explicada, não lhe havia esquecido. O
número que tenho em mãos contém crítica literária, resenha de
publicações, contos, crônicas, uma novela e outras matérias.
Não
há indicação sobre sua periodicidade. O exemplar em comento é referente
ao ano de 1997. Seu conselho editorial é formado por Aluysio Mendonça
Sampaio, poeta e contista, e Henrique L. Alves, crítico literário,
secretário geral da Academia Paulistana de História. Gloria Rivers é o
nome de sua secretária administrativa. Entre suas matérias constam Quatro Contistas do Brasil, em que figuram Aluysio Mendonça Sampaio, Caio Porfírio Carneiro, Dalton Trevisan e Moacir Sclyar, e Quatro Poetas do Piauí,
cuja seleção recaiu sobre Da Costa e Silva, H. Dobal, Clóvis Moura e
Elmar Carvalho. Considero o primeiro, o nosso poeta maior, o nosso poeta
laureatus, o príncipe dos poetas piauienses. Dobal e Clóvis, estão
entre os poetas piauienses de minha predileção, aos quais, entre os
mortos, acrescentaria Mário Faustino, Celso Pinheiro, Martins Napoleão e
Jonas Fontenele da Silva. A contracapa anunciava que a próxima edição
traria os Quatro Poetas do Rio de Janeiro, sem lhes antecipar os nomes.
Meu
primeiro contato com a poesia de Da Costa deu-se quando eu era garoto,
quando ainda cursava o antigo ginásio, através de uma professora de
Português e Literatura, não sei se dona Francisca Teresa Andrade ou se
dona Eidene, filha do farmacêutico e comerciante Aquiles Brasil Rocha. O
fato é que a mestra leu o soneto A Moenda, de nosso poeta maior, para
mostrar a riqueza dessa composição, tanto pelo conteúdo como pelas
figuras de estilo, sobretudo as aliterações começadas pela letra r. Eu
já conhecia, na época, os grandes poetas nacionais, e fiquei orgulhoso
de que o Piauí tivesse um poeta de tal magnitude, um bardo que se lhes
podia ombrear.
Desse
episódio, fiquei com a certeza de quão era importante o estudo de
literatura em sala de aula. Por esse motivo, quando presidi a UBE-PI,
gestão 1988/1990, lutei para que o ensino de Literatura Piauiense fosse
posto no texto constitucional do estado como disciplina obrigatória, o
que terminou acontecendo, graças ao esforço e obstinação do deputado
Humberto Reis da Silveira, que homenageei com honrarias da entidade,
cujos diplomas ele emoldurou e expunha em seu gabinete, porquanto sabia
da sinceridade da outorga. Um pouco depois da declamação feita por
Francisca Teresa ou Eidene, na Casa do Estudante do Piauí, em Teresina,
vi o poema Saudade, estampado em um cartão postal, e mais uma vez
constatei a grandeza do poema dacostiano. Desse soneto, meu pai extraiu o
magnífico verso – Saudade ! Asa de dor do Pensamento! – e o depôs na
lápide de minha irmã Josélia, falecida aos 15 ano de idade, vítima de
desastre automobilístico, no esplendor de sua beleza e carisma. Estive
presente a alguns dos eventos da comemoração de seu centenário de
nascimento, ocorrido em 1985, inclusive a uma palestra proferida pelo
poeta e embaixador Alberto da Costa e Silva, seu filho. Li o número da
revista Presença, elaborado em sua homenagem, com matérias biográficas e
críticas sobre ele. Não lhe pude adquirir o livro de suas Poesias
Completas, editado na época. Comprei-as numa edição posterior, da Nova
Fronteira, e as li todas, com prazer, enlevo e enternecimento.
Meu
primeiro conhecimento dos versos de H. Dobal se deu quando eu tinha em
torno de 19, 20 anos, quando conheci a avantajada biblioteca de João
Nonon de Moura Fontes Ibiapina, quando fui visitá-lo, acompanhando uns
parentes de meu pai, que eram seus amigos. O nobre magistrado e escritor
morava em um sobrado, na rua Pedro II, em Parnaíba, e seu acervo
ocupava um amplo salão do andar superior. Fontes Ibiapina era um homem
simples, humilde, sem empáfia e sem afetação. Não era verborrágico e nem
eloquente, de modo que não impressionava muito em sua conversa. Na
verdade era muito contido, chegando quase, às vezes, a ser
monossilábico. Entretanto, era um mestre na arte de escrever. Eu era
leitor de sua coluna de resenhas literárias, publicada semanalmente no
jornal Folha do Litoral, que ele manteve durante muitos anos. Magistrado
íntegro, imparcial, foi um dos fundadores da Academia Parnaibana de
Letras, e seu primeiro presidente.
Nessa
visita ou em outra, já não tenho certeza, mostrou-me sua grande
biblioteca. Admirou-se quando eu lhe pedi emprestado uns livros de sua
autoria, pelo fato de que, entre tantos clássicos da literatura
universal, eu fosse escolher os de sua lavra. Acontece que eu já lhe
lera Brocotós, anos atrás, por empréstimo de uma prima, e gostara muito
de suas estórias e forma de narrar. Nessa ocasião, sabendo que eu era de
Campo Maior, perguntou-me se conhecia os poemas de H. Dobal. Ao lhe
responder negativamente, mostrou-me alguns versos do poeta. No início,
estranhei aqueles versos personalíssimos, inusitados, sem preocupação
com rimas, e somente em futuras e sucessivas leituras pude apreciar a
sua beleza ímpar, sem derramamentos emocionais. Décadas após, sugeri seu
nome ao vereador Luiz Carlos Martins Alves, para que ele recebesse o
título de Cidadão Honorário de Campo Maior. O nobre edil conferiu-me a
honra de proferir o discurso em sua homenagem, por ocasião da outorga da
honraria. Quase três anos atrás tive a elevada honra de ocupar a
cadeira nº 10 da Academia Piauiense de Letras, que fora ocupada por H.
Dobal, sem a pretensão de que estaria a substituir esse aedo
insubstituível.
Quanto
a Clóvis Steiger de Assis Moura, tomei contato com sua arte poética
através da revista Presença, então órgão da Secretaria de Cultura. Mais
tarde me veio às mãos o valioso opúsculo Argila da Memória, em que as
suas lembranças líricas e amarantinas ficam a pulsar e borbulhar por
entre suas páginas, com gargarejos de gargalos, com golfadas de
afogados, com rumorejos de redemoinhos, em que perpassam as elegias dos
sinos e do cemitério, e as lembranças dos que se foram, tragados pelas
águas traiçoeiras do Velho Monge. Quando ele veio lançar um pequeno
livro de cordel, conheci-o pessoalmente. Soube depois, que ele, com o
apoio de Cineas Santos, publicara o livro Duelos com o Infinito (2005),
através da Secretaria da Educação. Tendo admirado Argila da Memória e
Flauta de Argila, porfiei em conseguir esse livro. Procurei o poeta
Cineas Santos, que só tinha um único exemplar. Disse-me ele que eu
talvez conseguisse algum volume na Seduc.
Nesse
órgão, procurei uma conhecida minha, que não conseguiu localizá-lo.
Obstinado, dirigi-me ao gabinete do secretário, para ver se existia
algum exemplar perdido em alguma gaveta ou prateleira. Não havia.
Entretanto, uma servidora do gabinete, vendo o meu interesse e esforço,
disse que iria tentar encontrar algum exemplar, em outros setores da
Secretaria. Ficou de me ligar se a procura tivesse êxito. Ligou-me
alguns dias depois, para me dizer que podia ir buscar o livro. Fui e o
recebi de suas boas e abnegadas mãos. Mergulhei, então, na leitura desse
grande poeta piauiense, que foi também notável sociólogo, com
respeitáveis estudos sobre negritude, ele que era descendente de escravo
e de barão do império prussiano. Pesquisador determinado e sério, ficou
vários dias ou meses na comunidade dos Mimbós, estudando a história, a
cultura e os costumes desses remanescentes de quilombolas. Tenho a honra
de ser o primeiro ocupante de cadeira da Academia de Letras do Médio
Parnaíba, sob seu patronato.
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