sábado, 5 de dezembro de 2020

UMA CIDADE A CAMINHO DO FUTURO

Foto de Wilana Araújo

 

José Pedro Araújo

 

Quando criança lá no meu torrão natal, Presidente Dutra, a maioria do que consumíamos era produzido pelos próprios consumidores em pequenos roçados. Falo dos anos sessenta, não da idade média, como pode parecer. Meu pai costumava colher na sua propriedade o arroz, o feijão, a mandioca, a melancia e o milho, apesar de ser comerciante. Ainda engordava um porquinho no quintal e umas poucas galinhas no galinheiro. O complemento era adquirido nas pequenas quitandas existentes na cidade. O sal, o açúcar, a tapioca, a manteiga, o querosene para as lamparinas, além dos temperos, restritos ao cominho, ao colorau e a pimenta do reino. A cebolinha e o coentro também podiam ser cultivados em um canteiro suspenso no quintal para evitar o ataque de galinhas e porcos.  Enquanto da única padaria que havia vinha o pão e as torradas para o café da manhã. E este mesmo se restringia ao pão massa grossa e ao massa fina, além do pão doce, é claro. Já havia também na cidade as lojas de tecido, que só vendiam... tecidos, para a confecção de roupas pelos alfaiates e costureiras da cidade. Somente anos depois, passaram essas lojas a comerciar roupas prontas para o uso imediato. Já foi um grande avanço.

A duas casas da minha, havia uma quitanda bem simples, com um balcão tosco e umas prateleiras piores ainda. Pertencia ao senhor Agostinho, um cidadão muito amável com as crianças e um brincalhão consumado. Lá, no seu pequeno comércio, ele vendia uma pequena variedade de coisas. Querosene(ainda me lembro que ele extraia o produto, para acondicionar em um litro que levávamos, através de uma bombinha de sucção que mais parecia uma daquelas de encher pneus de bicicleta, e que ele inseria em uma lata de dezoito litros de Querosene Jacaré), vendia também o sal em pedras, o açúcar que ele retirava de um saco de cinquenta quilos com um recipiente que mais parecia um búzio marinho. Às vezes vendia um pouco de arroz, e também feijão macassar e fava, esta última muito apreciada por nós quando a minha mãe adicionava o leite de coco e a transformava em um manjar digno dos deuses. Contudo, nem sempre havia esse sortimento todo. O que mais me lembro que havia lá era o fumo de rolo (que ele cortava em cima do tosco e maltratado balcão com uma espécie de cutelo preso por uma das pontas), e litros e litros de cachaça da terra, chamada de beltroina.

Tempos depois, também próximo da minha casa, instalou-se uma mercearia mais moderna, e foi um acontecimento. Ficava no outro lado da rua, a pouco mais de cem metros de distância da casa dos meus pais. Era a quitanda, ou mercearia, já que era algo mais avançado, do Ponês. O proprietário do estabelecimento era um rapaz expansivo e bem conhecido, que já havia se destacado como o craque de um time da cidade, que logo ganhou clientela devido ao seu sortimento maior e ao seu carisma. Lá ele vendia tudo o que precisávamos, além de biscoitos e balas sortidas que ele colocava bem na nossa frente, sobre o balcão, em um expositor giratório de vidro. O belo mostruário possuía quatro ou cinco depósitos colados um ao outro e com grandes tampas de latão rosqueadas que fechavam as largas bocas dos vidros colados. Foi uma novidade muito atrativa. E a meninada da minha região da cidade só queria comprar alguma coisa no Ponês para, com o troco que sobrasse, adquirir algumas balas de hortelã, de frutas, de mel, ou mesmo alguns caramelos, esta guloseima uma grande e doce novidade. Vendia pilhas para lanterna e até brilhantina para o cabelo dos rapazes, leite condensado, biscoitos de vários tipos e muito mais. Tinha um estoque bem variado.

O senhor Agostinho perdeu este cliente. Como filho mais velho, minha mãe me mandava sempre comprar alguma coisinha que estava em falta, e eu ia correndo ao Ponês, virei freguês assíduo. O comerciante era muito esperto e procurava acompanhar o ritmo das mudanças no comércio. Foi só lançarem a geladeira à querosene, e ele logo comprou uma para a sua bodega, e passou a vender suco de laranja, de limão e de maracujá. Depois introduziu o suco de uva e o de groselha, quando apareceu o Ki-Suco, uma grande novidade para época e que passou a fazer parte de noventa e nove por cento das festas de aniversário.

Anos depois o comércio se expandiu na cidade, o que era uma atividade muito incipiente, de repente se transformou em algo grandioso para os padrões locais. Foi nessa época que apareceram os primeiros mercadinhos que ofereciam de tudo em termos de miudeza e alimento. Vendiam em só local, desde os produtos de primeira necessidade, mas também os shampoos, os perfumes mais baratos, e até mesmo alguns tipos de frutas eram encontrados lá. Estou me referindo aos anos setenta e oitenta. A cidade crescia e a população exigia cada vez mais produtos mais sofisticados. Não era mais nem preciso ficar do lado de fora do balcão e implorando para ser atendido, pedindo as coisas. Agora nós mesmos apanhávamos os produtos nas prateleiras e só íamos ao balcão para realizar o pagamento. O papel de embrulho também foi substituído pelo saco plástico, e os produtos, até mesmo o arroz e o feijão, já vinham acondicionados em embalagens individuais. Havíamos dado um salto grande no jeito de comercializar, e os estabelecimentos também precisaram de espaços mais atraentes e limpos, em geral, com nomes atraentes pintados nas fachadas. Quanta mudança, em manos de vinte anos. Até um pequeno açougue alguns desses mercadinhos já possuía. Não era mais preciso ir ao Mercado Central ainda no escuro da madrugada para não perder a carne fresca que, no geral, não dava para todos. Já havíamos entrado nos anos noventa e dois mil, quando essa comodidade nos foi oferecida. Depois foi o que se viu. Mercadinhos transformados em Supermercados, amplos e confortáveis, até mesmo com ar condicionado para espantar o calor que nos aflige a maior parte do ano.

Ontem, 04/12/2020, chegamos a outro patamar, demos outro salto na qualidade desses estabelecimentos. Foi inaugurado na cidade um grande Supermercado. Ou um hipermercado, como queiram. O Grupo Mateus inaugurou a sua filial de nº 55, no bairro Santa Maria. Foi um grande acontecimento para a cidade. O Mateus Eletro, vai oferecer tudo o que se pode encontrar em um estabelecimento deste porte. Lá se podem encontrar desde produtos de primeira necessidade, artigos de limpeza e higiene, roupas, calçados, e até eletrodomésticos, além de um açougue, uma peixaria, uma padaria, e um espaço para a venda de salgados. E também uma choperia, o Boteco Gelado. Também contará com um amplo estacionamento para a sua clientela, e o interior da loja manterá uma temperatura bem agradável para conforto dos clientes. Como acontece nesse tipo de estabelecimento, as promoções semanais serão anunciadas em grandes folhetos impressos e distribuídos para a clientela. Chegamos, em 2020, em termos de supermercado, é claro, ao nível das grandes metrópoles do mundo. Construído em um altiplano espaçoso em que eu, quando menino, usava para caçar Preá, fica localizado na outra margem do riacho Firmino, em um ponto estratégico, podendo ser visto de grande parte da cidade.

Comércio como o do senhor Agostinho, ou o do Ponês (ainda existente, tocado por um dos seus filhos), ainda podem ser encontrados às dezenas na periferia da cidade, e até mesmo em ruas próximas ao centro. E com certeza ainda contarão com boa e fiel clientela. Lá, o tratamento intimista, a proximidade com o cliente, que é chamado pelo seu próprio nome, e até o velho caderno de débitos, ainda pode atrair uma considerável freguesia. Tem espaço na cidade para todo o mundo. Contudo, quem quiser um ambiente mais moderno e com todo o conforto, até mesmo um local para um passeio visando espairecer, já tem essa opção na cidade. É o meu velho Curador entrando na rota das grandes redes de comércio. Desde algum tempo já temos uma filial das lojas Americanas, e até mesmo de redes de farmácias, mas, a chegada desse Hipermercado atraiu gente desde as três horas da manhã para formar a fila de entrada no dia da sua inauguração. Parece que vai cair bem no gosto do presidutrense. Como diria a minha tia Feliciana, uma centenária moradora da cidade, “nem parece que estou em Presidente Dutra!”   

10 comentários:

  1. Agora deu uma vontade danada de conhecer Dona Feliciana, um pezinho no passado que volta mais... O moderno é bom, mas prefiro a simplicidade das antigas.

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  2. Temos espaço para todos. E nenhum é perfeito tem suas vantagens e desvantagens. Mais uma coisa é certa presidente Dutra tem ganhado muita coisa boa recentemente. Parabéns PK

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  3. Que texto maravilhoso amigo. E que saudades dessa ami
    ga tão querida e inesquecível! Saudades...

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  4. Excelente matéria. Li com gosto, navegando no tempo lembrando da minha infância. Parabéns

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  5. Muito bom ouvi esse depoimento, sorte daqueles que participaram dos dois momentos igual ao senhor. Momentos inesquecíveis que não voltam mais. Parabéns pelo texto.

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  6. Sempre fazendo um.passeio pelo tempo com.seus textos maravilhosos, meu primo.
    Que memória que vc tem!!!

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  7. É muito legal se falar da memória da cidade. Principalmente quem vivenciou. Eu não fiz parte dessa história. Talvez mais recentemente (1997) quando conheci minha esposa Maria Thereza, filha do Sr. Ponês e tive a grata satisfação de conhecê-lo, uma pessoa amável, conhecido por todos e ainda um grande comerciante. Parabéns pela alusão ao desenvolvimento de Pres. Dutra. Esperamos que o novo Prefeito eleito e sua equipe com seu planejamente traga essa cidade melhorias para sua população.

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  8. Gostei tanto que não me nerária a Ler pra meus filhos que já são da modernidade lindo demais amei voltar no tempo nasci em 1963 então ainda muito jovem mais meus pais viveram essas épocas aí de muitos rumores Parabéns pelo texto bastante memorativo

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  9. Eu vivi esse período com muita sobriedade e alegria. Mas sempre que leio um texto assim como o seu, José Pedro, sinto-me lisonjeado por ter nascido e vivido toda a minha infância no município de Presidente Dutra do Maranhão.

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