segunda-feira, 12 de setembro de 2022

OS 67 ANOS DE EMANCIPAÇÃO POLÍTICA DE TUNTUM - O MALOGRO DO ESQUECIMENTO E A ESPERANÇA DA REDENÇÃO


 

Praça da Matriz - Tuntum - MA.


 Por Jean Carlos Gonçalves*.


 


A cada ano, sempre que se aproxima o dia 12 de setembro, a data escolhida pelos primeiros governantes locais para se comemorar a emancipação política de Tuntum

A cada ano, sempre que se aproxima o dia 12 de setembro, a data escolhida pelos primeiros governantes locais para se comemorar a emancipação política de Tuntum - MA, se revigoram alguns questionamentos sobre o processo histórico que culminou na Lei nº 1362/1955, que estabeleceu emancipação.

É motivo de inquietação o fato de acontecimentos impactantes e de importantes personagens, que protagonizaram a façanha da emancipação, permanecerem praticamente ignorados e/ou esquecidos, salvo em raras situações esporádicas, isoladas.

Nomes de saudosos homens públicos como Eurico Bartolomeu Ribeiro, promotor de justiça, secretário de Estado, deputado estadual, deputado federal, o governador do Maranhão mais jovem da história (aos 28 anos governou interinamente o Estado - 26/03/1956-09/07/1957); Ariston Leda, empresário, vereador e primeiro prefeito eleito de Presidente Dutra e também o primeiro chefe do poder executivo eleito de Tuntum; Eugênio de Barros, exitoso empresário, prefeito de Caxias - MA, por dois mandatos senador da República e governador do Maranhão que sancionou a lei supracitada. Tais personagens da política maranhense não devem ser relegados ao esquecimento ou desconhecimento para esta e às futuras gerações. Assim como não se deve ignorar o protagonismo dos vários segmentos sociais, muitos deles até agora anônimos, que faziam de Tuntum um importante núcleo de povoamento na primeira metade da década de 1950. 

Hoje os nomes de Ariston Leda e Eugênio Barros dão nomes a ruas que embora importantes, não medem 500m. A praça Eurico Ribeiro foi totalmente descaracterizada: construíram uma biblioteca e a sede do Serviço de Atendimento Médico de Urgência - SAMU. Este se localiza inadequadamente, uma vez que o ideal é que fosse na saída da cidade no sentido ao povoado Araras, o mais próximo possível da BR-226. Muito pouco para quem protagonizou a emancipação, numa época que não havia plebiscito, a população não era consultada, tudo ficava a cargo da iniciativa dos agentes políticos, independentemente se seriam beneficiados particularmente, não é esse o ponto discutível. Não se pretende aqui exaltar feitos heroicos de ocupantes de cargos de poder, mas tão somente de conferir a devida relevância de suas atuações para a independência política de Tuntum e os mesmos são ignorados, ou quase totalmente desconhecidos pelas gerações recentes.

Obviamente, as famílias pioneiras, seus destacáveis representantes, os retirantes que chegaram nos famosos paus-de-arara, fugindo do flagelo das secas nos demais estados nordestinos, ou mesmo os que chegaram a pé, tocando uma mula, um jumentinho, trazendo uma pequena bagagem e os seus pequeninos filhos no meio da carga, também devem ter lugar reservado na memória desta geração presente, pois foram aqueles homens e mulheres que representaram uma verdadeira explosão demográfica e, por conseguinte, elevaram a importância do povoado. Foram eles, jornaleiros dinâmicos, trabalhadores, guerreiros destemidos, obstinados, que cotidiana e coletivamente atraíram interesses de outros para essa parte da Zona Fértil da Mata do Japão, o Eldorado, e, assim, favoreceram as condições necessárias para as ações daqueles agentes públicos, que por sua vez, assumiram a vanguarda do processo histórico que transformaria um dos mais promissores povoados do município de Presidente Dutra, em novo ente da federação.

Conhecer a nossa história, resgatar personagens, fatos e processos históricos, além de ser uma questão de justiça para com a memória daqueles que desbravaram, edificaram e construíram o tecido social tuntuense, é também um direito inalienável dos munícipes do presente, especialmente, das crianças e jovens, daqueles(as) que passam pela Av. Dr Joacy Pinheiro, por exemplo, para chegar até ao colégio, ou ainda daquele(a) que estuda na Escola Municipal José Teixeira, EM Maria Secretária, Centro de Ensino José Pinheiro, Centro de Ensino Isaac Martins, ou ainda daqueles que procuram atendimento médico numa Unidade Básica de Saúde como a Raimunda Basílio ou Rita Pinheiro Coelho e ignoram, quase completamente ou sequer detém informações elementares desses importantes sujeitos históricos, que nomeiam fachadas dos prédios e logradouros públicos da cidade e do município.

Se conhecer o passado é uma questão de justiça, de direito fundamental e social, uma via para extirpar a ignorância, então, somente se apropriando do conhecimento histórico local é que o indivíduo desenvolverá um sentimento de afetividade, de pertencimento para com o lugar de origem e, a partir daí, assumir uma postura cada vez mais ativa, consciente, digna, enfim, de pleno exercício de cidadania. Nesse sentido, logo se faz necessário e urgente uma política pública de fomento à consciência histórica voltada à sociedade geral, mas primordialmente, para a classe estudantil do município de Tuntum. 

Aqui se assiste por sucessivas décadas uma verdadeira inação, apatia ou mesmo má vontade dos governos locais, no tocante, a uma política de fomento da consciência histórica. Praticamente nada fora feito ao longo de quase sete décadas de autonomia política. Seja pela própria ignorância dos gestores, e daí a falta de sensibilidade, seja pelo pragmatismo político, de entender que tal conhecimento não é tão relevante, não é prioridade, não gera capital eleitoral, que investimentos nessa área não garante a perpetuação nos cargos de poder. E quando constroem alguma narrativa no passado, o fazem sem critério, com metodologia duvidosa, propalam um discurso carregado de intencionalidades, no qual omitem, distorcem fatos, exaltam determinadas figuras políticas e sociais, em detrimento de outras, destroem o que os adversários construíram, representam um município a sua imagem e semelhança, romantizando, evocando um passado ufanista seletivo, que silencia e exclui determinados grupos e personagens que protagonizaram e/ou antagonizaram fatos e processos históricos importantes.

Contudo, vale ressaltar que algumas iniciativas de pesquisa, de resgate da memória histórica de Tuntum de modo mais sistematizadas foram implementadas nos últimos anos, fruto da iniciativa de alguns acadêmicos e de algumas escolas do município, mas ainda de modo isolado, ou seja, as iniciativas tomadas não são fruto de uma política pública estruturada e definida. Entretanto, precisa-se louvar e reconhecer as ações dos profissionais da educação do município, que de algum modo instigaram mais recentemente, em seus estudantes a curiosidade pela história do município. 

Mais recentemente destacamos a importantíssima ação da Secretaria Municipal de Educação que tem como titular a Profª de História Antonia Morais Gomes. Pois fora no último feriado de 7 de Setembro, a culminância do projeto para as comemorações do bicentenário da Independência do Brasil, ocasião em que se celebrou a história do município - AMADO "TUNTUM  PEDAÇO BRASILEIRO: História vivida, geram memórias!",  como temática para a grande festa cívica: o tradicional desfile das escolas da rede municipal de ensino, que apresentaram nas ruas da cidade uma verdadeira aula de história de Tuntum. Foi marcante, especialmente por garantir uma das tradições que fora interrompida em 2020 e 2022, devido a pandemia do Covid-19. Foi maravilhoso assistir à execução do Hino Nacional Brasileiro, o Hino Municipal pelos acordes da sanfona e destreza do grande Wilson Boré. Assistir à apresentação de cada escola, de cada pelotão, contando parte da nossa história foi sensacional e nos encheu de esperança.

Pois sabemos que para tal ação, a equipe técnica da Secretaria de Educação e as equipes escolares, indubitavelmente, se debruçaram sobre os aspectos geo-históricos do município. Pesquisas foram realizadas, leituras foram compartilhadas, textos foram produzidos e reproduzidos, socializados. É desse movimento em rede, contínuo, ininterrupto que precisa ser implementado nas escolas, nas demais instituições sociais, como uma política pública e não como evento circunstancial.

Nesse sentido, a atual gestão municipal tem acenado positivamente, demonstrado preocupação, acerca da urgente necessidade de construção de uma identidade coletiva, alicerçada na pesquisa e produção do conhecimento histórico, a partir da realidade concreta da sociedade tuntuense. 

Assim sendo, eis que surge mais latente o otimismo, a esperança de que a consciência histórica seja alimentada diariamente e, nesse sentido, compete ao poder público municipal assumir a vanguarda desse movimento. 

A Gestão Municipal de Tuntum e suas autarquias da Educação e Cultura não devem se furtar dessa oportunidade histórica, de fazer um trabalho sistêmico, científico, de resgate da memória, de arquivamento, de valorização e conservação da produção histórica, artística e cultural. É chegada a hora de inovar, de fazer diferente, tempo de escrever a nossa própria história com lucidez, como conhecimento científico, despido de parcialidades.

Há muito por fazer: precisamos de um núcleo de pesquisa com o incondicional apoio da gestão municipal; sistematizar uma proposta para o consumo do conhecimento a ser produzido pelo público estudantil; assegurar formação continuada aos professores da rede pública municipal; planejar e executar projetos de pesquisa nas unidades de ensino, em cada sala de aula, a partir da realidade do entorno da escola e da trajetória de vida dos estudantes. Essa construção é e sempre será coletiva.

O que hoje somos é produto da ação de homens e mulheres que nos antecederam no tempo, portanto, não se deve ignorá-los ou reduzir a sua importância, pois todos ajudaram a construir a nossa história. Desse modo, precisamos de formatar essa identidade comum, aguçar o sentimento de pertencimento para com Tuntum, para continuarmos conduzindo o destino deste município. O passado deve atribuir sentido à vida presente, nortear as decisões, as escolhas, para que não incorramos nos equívocos até então cometidos. Não podemos abdicar dessa missão histórica.

Neste dia 12 de setembro, sim, devemos reconhecer a iniciativa dos homens que lideraram o processo de emancipação de Tuntum, mas não podemos omitir, menosprezar, ignorar os primeiros desbravadores, as famílias pioneiras na ocupação da cidade e dos mais longínquos rincões do município. Não podemos esquecer dos trabalhadores, empreendedores, dos tipos humanos - vaqueiros,  quebradeiras de coco, lavradores, tropeiros, mestres de ofício, missionários evangelizadores, parteiras, rezadeiras, profissionais liberais, vendedores ambulantes, enfim, todos aqueles que  até agora são anônimos, que foram silenciados intencionalmente ou não. Já se esgota a hora de tirá-los do cárcere do tempo passado inexplorado. Vamos juntos libertá-los das masmorras do vil esquecimento?

Hoje, é mais um dia para rememorar os artífices de nossa história e de também valorizar os que ora constroem cotidianamente o nosso município e que mantém a nossa identidade cultural, pois somos herdeiros de um passado comum apesar da diversidade filosófica, política, religiosa, etc, que constitui a nossa sociedade.

Lembrem-se da máxima! "Um povo que não conhece a sua história está fadado ao fracasso.". Ou como diria o poeta cubano Pablo Milanés:

"E quem garante que a História
É carroça abandonada
Numa beira de estrada
Ou numa estação inglória


A História é um carro alegre
Cheio de um povo contente
Que atropela indiferente
Todo aquele que a negue


É trem riscando trilhos
Abrindo novos espaços
Acenando muitos braços
Balançando nossos filhos

 

Quem vai impedir que a chama
Saia iluminando o cenário
Saia incendiando o plenário
Saia inventando outra trama"

Ainda há tempo. Vamos iluminar o cenário? 

Parabéns ao povo de Tuntum pelos os seus 67 anos de emancipação política! 

(*) Prof. Jean Carlos Gonçalves, poeta, cronista, historiador, prof. de história da rede pública municipal de Santa Filomena - MA e Coordenador da rede pública estadual do Maranhão, é coordenador do Blog Ecos de Tuntum.



 

A cada ano, sempre que se aproxima o dia 12 de setembro, a data escolhida pelos primeiros governantes locais para se comemorar a emancipação política de Tuntum 


2 comentários:

  1. Quanta generosidade, nobre amigo! Muito grato, por tanta deferência! Um fraternal abraço!!

    Jean Carlos Gonçalves.

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  2. Primeiramente, parabéns pela publicação; esclarecedora e pertinente.
    É preciso fazer justiça e dá importância a quem realmente merece. Milhares de tuntuenses de nascimento e migrantes acolhidos como irmãos, permanecem no anonimato e sem o devido reconhecimento em face do papel preponderante que tiveram no desenvolvimento deste município.
    Urge resgatar a lançar luz sobre a verdade. Essa é a nossa tarefa prioritária.

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