sexta-feira, 10 de março de 2023

O Trânsito do Engenheiro J. Palhano de Jesus pelas Terras do Curador em 1910


 

 

José Pedro Araújo(*)


A ligação da ilha de São Luís com os sertões sempre foi uma aspiração de todos os maranhense, e isso se daria através da construção de uma Ferrovia ligando o Itapecuru ao Tocantins, foi o que primeiro se pensou. Ou, mais precisamente, a ligação da ferrovia São Luís -Teresina à região tocantina através de um ramal ferroviário, fazendo-se a ligação definitiva entre essas duas partes do estado. Um projeto dessa natureza colocaria a esquecida região sudoeste do estado no mapa de uma vez por todas, e, de quebra, abria aos colonizadores a possibilidade de explorarem as terras de altíssimo potencial produtivo situadas no centro geográfico do território, a desconhecida região do Japão maranhense.

Vez por outra, os membros da assembleia provincial debatiam o assunto, como aconteceu nos anos que antecederam a 1910, quando o assunto da construção de uma ferrovia ligando Monção ao Tocantins esteve na ordem do dia e terminou o debate gerando ….

Contudo, foi em 1910 que esse assunto ganhou maior importância através do envolvimento do Ministro de Viação e Obras Públicas com o problema, colocando o engenheiro J. Palhano de Jesus no centro da causa. Palhano de Jesus era o engenheiro ferroviário responsável pela fiscalização da Estrada de Ferro São Luís – Caxias, e que ainda no começo daquele ano, receberia um telegrama controverso do seu chefe imediato, sediado no Rio de Janeiro, com determinações especificas para que ele procedesse o “reconhecimento da linha férrea de Monção a Grajaú, passando por Barra do Corda”. E ainda, que Palhano escolhesse o melhor local para o início da construção da citada estrada de ferro: ou partindo de Codó ou de Coroatá, que ficava ao critério dele a escolha do melhor local de intercessão das duas linhas férreas.

O chefe de Fiscalização das Estradas de Ferro se dirigia ao engenheiro Palhano em comunicado oficial do dia 27.01.1910, informando-lhe sobre a pressa do Ministro de Viação e Obras Públicas em obter informações e impressões sobre o melhor traçado para a citada ferrovia para que ele resolvesse sobre a “conveniência ou não de mandar proceder posterior estudo das linhas citadas”. Sim, das linhas citadas, pois eram duas as linhas: Monção a Grajaú e Codó ou Coroatá a Grajaú.

Somente no dia 19.02.1910, portanto, no mês seguinte, o citado engenheiro Palhano respondeu através de telegrama ao seu chefe imediato, Dr. Ernesto Antônio Lassance Cunha, Diretor da Repartição Federal de Fiscalização das Estradas de Ferro, desculpando-se por só naquele momento está respondo ao seu telegrama do mês anterior, por se achar todo aquele tempo em Caxias à serviço. Depois, diante da grande urgência do ministro, que queria que a sua viagem de reconhecimento se realizasse nos meses de fevereiro, março e abril, alegou que aqueles eram meses de maior precipitação pluviométrica na região, portanto, quase impossível para se realizar um trabalho de tal magnitude em um momento tão chuvoso quando rios, córregos e riachos transbordavam e obstavam a passagem de quem quer que procurasse transitar pela região que pretendiam estudar. Alegou ainda risco de vida em razão de trechos da região em causa ser habitada exclusivamente por selvagens. E não ficou somente nisto. Cobrou o pagamento de seus vencimentos atrasados há quatro meses, assim como o dos escriturários e serventes, sem receber pagamento há exatos sete meses. Informou ainda, que vinha realizando o pagamento de despesas oficiais através de recursos retirados do seu próprio bolso. Ainda alegou que precisava levar consigo um auxiliar diarista e pajens para realizar o serviço de cozinha durante a viagem, além de mais recursos para a aquisição de animais de montaria e de carga para fazer frente à viagem que empreenderiam. E, para finalizar, solicitou o fornecimento de bússolas portáteis, podômetros e aneroides, instrumentos usados para o levantamento de dados necessários a elaboração de relatórios sobre a situação física e geográfica da região.

A resposta do ministro de Viação, depois de algum tempo, foi dura e não comportava recusa. Determinava ele ao engenheiro Palhano, em 17/05/1910, e em resposta as suas alegações e cobranças, que ele, Palhano, começasse imediatamente os trabalhos de reconhecimento para o traçado da estrada de ferro e, aumentando mais o trecho a ser levantado, que a estrada deveria finalizar em Carolina, e não em Grajaú. E ainda mais. Que as despesas de toda a operação fossem custeadas com os recursos recebidos a título de diárias. Fora uma decisão realmente dura, pois o engenheiro alegava que os recursos recebidos como compensação pelos dias trabalhados, as ditas diárias, seriam insuficientes até mesmo para manter seus familiares, que ficariam na capital do estado, enquanto ele empreendia a viagem a serviço. Note-se que o Ministério de Viações deixou de lado a exigência da realização do levantamento expedito para o trecho da outra ferrovia, a que ligava Monção ao Tocantins. Mas, sobre isto, ninguém falou mais nada.

Por sua vez, ao que parece, o nosso engenheiro Palhano não era exatamente um inocente nesse jogo e, enquanto as discussões se desenrolavam, procurou junto ao governo do estado uma saída para o imbróglio que se constituía. E o governo, maior interessado na realização daquela obra ferroviária de grande magnitude para a sua região, responsabilizou-se logo no cobrimento de todas as despesas da viagem orçada pelo engenheiro. Só não se comprometeu em arranjar os equipamentos reclamados pelo engenheiro.

Em resposta, a seu chefe imediato no Rio, J. Palhano de Jesus afirmou que o Governador do Maranhão Luiz Domingues havia compreendido bem as suas justificativas que, diga-se, nunca e em tempo algum visaram a melhoria dos seus ganhos, mas unicamente a certeza da realização dos trabalhos pretendidos, tendo ele governador, despendido à conta do tesouro estadual os recursos necessários. E ainda mais. Afirmou que o chefe supremo do estado maranhense havia acreditado no seu trabalho e que o havia habilitado a dar início imediatamente àquela obra tão importante para o povo maranhense. Note-se ainda, que o engenheiro havia ganho tempo para iniciar os trabalhos somente quando as chuvas diminuíssem de intensidade na região visitada por ele.

E, assim, deram-se início aos trabalhos de levantamento do melhor roteiro para a construção de uma ferrovia que interligasse a região tocantina à capital do estado maranhense, passando pelas cidades de Pedreiras, Barra do Corda e Grajaú, até atingir as barrancas do rio Tocantins. A primeira decisão tomada foi a de iniciar o traçado da ferrovia a partir de Coroatá, e não da cidade de Codó. E justificou, dizendo que a extensão dos dois caminhos eram praticamente as mesmas, mas que havia escolhido Coroatá pelo simples fato desta cidade ficar mais próxima à capital do que aquela outra, situação mais apropriada aos sertanejos. E assim começou a caminhada da equipe incumbida pelo levantamento dos primeiros dados a respeito da melhor localização da ferrovia em questão. Viagem penosa sobre montarias, composta pelo próprio engenheiro Palhano, por um auxiliar de serviços e por um pajem responsável pelas ações domésticas do grupo, como a preparação de alimentos e outras ações necessárias ao conforto do grupo daquele grupo de trabalho.

Pelo roteiro que faz atualmente, poderíamos afirmar que a comitiva seguiu a mesma rota que leva até Peritoró pela MA-020, seguindo depois até a sede do município de Independência. E assim, deixando a estrada de Pedreiras à direita, seguiu a comitiva em direção a Capinzal, cabeceiras do rio Codozinho. A rigor, o traçado atual da BR-135 é o mesmo, salvo por algumas curvas eliminadas quando da melhoria da estrada, prova inequívoca que a dita rodovia seguiu um caminho já deveras conhecido pelos que transitavam em direção ao velho Curador. Seguindo ainda o roteiro dito pelo engenheiro no seu relatório, atravessaram a região conhecida como Califórnia, chegaram a Lagoa Nova(Santo Antônio dos Lopes), e de lá seguiram em direção ao cruzamento com a estrada que vem de Codó(Triângulo), avançando depois até a Serra da Boa Vista, divisor de águas dos rios Itapecuru e Mearim. Na descrição, o engenheiro não faz nenhuma citação do povoado Mata do Nascimento (D. Pedro), após ultrapassá-lo para chegar a Serra da Bela Vista. Cita ter passados por outras povoações, como Água Boa, Pão de Ouro, Cruzeiro e Tabocas, lugares hoje inexistentes ou desconhecidos por nós e sem citações nos mapas.

Depois de atravessar a Serra da Boa Vista, passarem pela Palma e seguiram até o povoado Sapucaia. De lá, seguiram adiante, passando pelo Curador( que não fez referência também), Tuntum, até pegarem a estrada para a Barra do Corda, sede do município. Como a BR-226 inexistia, o percurso até a Barra seguia a estrada velha do Tuntum, autênticos caminhos de tropeiros, virava para o sul em direção ao sertão das Areias, Lagoa D’anta, Cigana e seguia em frente. As melhores informações que podemos colher do relatório apresentado são relacionadas ao que se cultivava naquele tempo na região do Japão: o arroz, milho, mandioca, o algodão e o fumo. Além disto, segundo declaração do autor do trabalho, “Nas Matas do Japão e nas do Baixão, cria-se muito gado de boa qualidade, e muito superior ao gado dos campos (referia-se à região acima de Barra do Corda, e até a região tocantina), que se alimentam com capim agreste. Faz exceção o dos campos que se estendem do rio Lageado até perto de Porto Franco, aí o pasto é um capim mais nutritivo a que dão o nome de “Capinão””.

Por sua vez, apesar da falta de estradas, ferrovias ou rios navegáveis na região, já existiam caminhos conhecidos para os principais centros, como Codó, Pedreiras, Coroatá e Caxias, cujo trânsito com animais de montaria ou de carga era constante. Por lá também eram conduzidas as boiadas que seguiam para a feira de Caxias, da região ou que vinham da Barra do Corda, Grajaú, ou mesmo da região Tocantina.

A outra informação importante, é que em 1910 já haviam muitas fazendas espalhadas em toda a região do Japão, apesar das dificuldades de transporte para comercializarem seus produtos agrícolas e seus gados nas praças mais desenvolvidas. A propósito disto, o fazendeiro José Nunes de Almeida, meu bisavô, o mesmo que construiu a primeira casa coberta de telha no velho Curador, nesse mesmo período fazia viagens costumeiras para Caxias com o intuito de vender seus produtos. De lá, também trazia o que precisava para o seu consumo, como o querosene, o sal, o açúcar, além de tecidos e todo o aviamento necessário à costura das roupas e lençóis. E nessas viagens, demorava-se cerca de quinze dias para ir a Caxias, resolver suas coisas, e voltar para o Curador.

Apesar disto, o Engenheiro escolheu um outro roteiro para a construção da tal ferrovia tocantina: a velha estrada beirando o rio Mearim e que passava por Pedreiras. Não levou em conta o fato daquela região possuir um rio navegável, pelo menos em parte do ano, quando as águas do mesmo favoreciam o trânsito de barcos a vapor puxando seus batelões. A região do Japão, apesar dos rasgados elogios recebidos quanto à sua avultada possibilidade produtiva, ficaria mais uma vez esquecida.

O fato é que os políticos e administradores se envolveram mais uma vez nas suas querelas e a tal ferrovia nunca saiu do papel. A disputa entre grupos antagônicos pela primazia da construção e exploração da Tocantina atrasou por décadas o início da obra. Depois veio a primeira guerra mundial em 1918 e o país reduziu o ritmo das obras em todo o território nacional, e mais uma vez a Tocantina não foi iniciada.

Termino afirmando que na campanha eleitoral para presidente da república em 1950, sobre um palanque em Carolina, o Brigadeiro Eduardo Gomes, candidato à presidência prometeu: “Prometo-vos, que se for eleito dar, no meu governo, todo o meu empenho para que no lustro em que dirigir os destinos da nação, a Tocantina se torne realidade concreta”. A promessa foi publicada no jornal Correio da Manhã, do Rio de Janeiro. Não foi eleitor e a Tocantina também jamais foi construída. 

(*) José Pedro Araújo é engenheiro agrônomo, funcionário público federal aposentado, historiador, cronista, romancista, e coordenador do blog Folhas Avulsas. 

6 comentários:

  1. O blog: Folhas Avulsas -
    htpp://josepedrparaujo.blogspot.com -

    "O Trânsito do Engenheiro J. Palhano de Jesus pelas Terras do Curador em 1910."

    O Engenheiro Agrônomo José Pedro Araújo Filho, funcionário público federal aposentado, historiador, cronista, coordenador do blog Folhas Avulsas, é Escritor da Obra:
    "Viajando de Curador a Presidente Dutra."
    Um Mestre e, que sabe narrar belíssimas histórias, com detalhes de um Artista primoroso, o qual, aprendi a respeitar e admirar.

    Fiz uma rápida abordagem no Relatório citado abaixo, e segue, alguns pontos, extraídos do mesmo, sobre o vasto Território do Japão no coração do Maranhão.

    "Relatório do Reconhecimento ligeiro da estrada de ferro do Itapecurú ao Tocantins."
    Apresentado ao Snr. Engenheiro
    Ernesto Antonio Lassance Cunha.
    M. D. Engenheiro Chefe-Diretor da Repartição F. de Fiscalização das Estradas de Ferro.
    Pelo Engenheiro encarregado do reconhecimento
    José Palhano de Jezús.
    Impresso Offial - Maranhão - 1910."

    O presente Relatório, citado acima, tem exatamente trinta páginas, do belo e puro resultado do trabalho e muito suor deste destemido e valente Engenheiro José Palhano (Engenheiro Chefe da Estrada S. Luiz a Caxias, citado em:
    memória.bn.br/DocReader/HotpageBN.aspx?bib=313394&pagfis=42481&URL=http://memoria.bn.br/docreader#

    Neste brilhante Relatório, por sete vezes, é citado a palavra: JAPÃO,
    todas de forma enriquecedora; aqui, menciono, cinco das sete citações.

    1 - Página 5/30:
    "Para ir de Coroatá a Barra do Corda, a existência desses contrafortes me indicava a estrada geral de Pedreiras até à travessia do rio Peritoró. Daí para diante tinha eu duas Estradas: Uma pelo centro do município do Codó, passando pelo JAPÃO, e outra por Pedreiras, subindo o rio Mearim pela margem direita."

    2 - Página 8/30:
    "Nesta elevação (Km 133), divisor de águas entre as bacias do Codó (Itapecurú) e do Flores (Mearim), penetra-se nas matas do JAPÃO, nome dado à parte superior da bacia do Flores Transposta a Serra, a estrada vai cortando, na direção S. O., os numerosos afluentes deste riacho, tendo de galgar os contrafortes divisores, em terreno quase sempre acidentado. Passa então por PALMAS, atravessa o rio POMBINHAS, tributário do CURADOR, o rio deste nome no povoado SAPUCAIA, o rio TUMTUM, o SIGANA e, transpondo a chamada Serra da INHUMA, vai ao riacho Flores (Km 215). Deixando este, vai-se ao CÔCOS, seu afluente, de cujas águas se passa para as do riacho FEIO, que se transpõe no Km 246."

    3 - Página 9/30:
    "De Pão de Ouro ao alto da Serra sobem-se 100 metros e da base da Serra até o cume 60 metros, descendo -se depois 70 metros até a base do lado do JAPÃO."

    4 - Página 16/30:
    "As matas marginais do Mearim, assim como as do JAPÃO e as do centro do CODÓ e COROATÁ são justamente afamadas pela sua prodigiosa fertilidade, sendo nelas cultivados principalmente o algodão, os cereais e o tabaco.
    Nas matas do JAPÃO e nas do "baixão" cria-se muito gado de boa qualidade e muito superior ao gado dos campos, que se alimentam com capim "agreste."

    5 - Página 18/30:
    "No JAPÃO, em cujas matas se cria muito gado, existem diversos núcleos de população, dos quais o principal é o CURADOR, assinalado na planta; além destes existem outros pelos vales do CORDA e do MEARIM, como seja o PAPAGAIO, o CATETÉ, etc."

    É gratificante lê, Memórias que trazem luz e calor, sobre o passado do nosso querido Torrão, berço de muitos heróis anônimos deste Solo Maranhense.

    "Saúde e Fraternidade.
    Caxias, 11 de Setembro de 1910.
    J. Palhano de Jezús,
    Engenheiro Encarregado do Reconhecimento, Fiscal de 1a Classe.

    Boa leitura e bom proveito.

    Palmas - Tocantins - Brasil,
    11 de Março de 2023.

    Creomildo Cavalhedo Leite
    E-mail: creomildo04@gmail.com

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  2. Agradeço pelas palavras cordiais do meu amigo Creomildo, um dos grandes pesquisadores que temos hoje sobre a nossa região interiorana conhecida como Japão maranhense. Um forte abraço, grande amigo!

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  3. Parabéns meu nobre conterraneo por suas palavras contando a história de nossa região.

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  4. Seus comentários enriquecem a história de nossa terra

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    1. Agradeço pelo incentivo, nobre conterrâneo.

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