terça-feira, 16 de maio de 2023

PARTE 2—A MATA DO JAPÃO MARANHENSE GANHA A PRIMEIRA ESTRADA E COMEÇA A SAIR DO SEU ISOLAMENTO.

Imagem Mauricio Lamberg 1896


José Pedro Araújo(*)


Em abril de 1858, o Dr. Francisco Xavier Paes Barreto, Presidente da Província do Maranhão naquela ocasião, após um relato conciso sobre os trabalhos desempenhados na execução da obra, resenha inclusa no seu relatório à Assembleia Província, afirma que “Tendo consultado o relatório que sobre esta estrada apresentou o engenheiro Campos (João Nunes de Campos), que foi mandado à Barra do Corda, para examiná-la, resolvi em data de 07 de janeiro último, de acordo com o mesmo engenheiro, dar uma direção à estrada, mandando abrir uma picada que deve ter de 12 a 16 léguas de extensão entre o lugar denominado Santo Antonio do lado de Caxias e a Fazenda Japão de Dentro, do lado de Barra do Corda” – Publicador Maranhense, 23 de abril de 1858. A tal fazenda, ainda tenho dúvidas, mas quase uma certeza, deve ser a mesma Data Japão, pertencente a José de Melo Albuquerque, confinante com a Fazenda Santa Maria do Japão, do Coronel Diogo Lopes de Araújo Salles, e um dos seus parentes que o acompanharam na difícil epopeia de colonizar aquelas terras interiores e desconhecidas. A dúvida me surgiu porque, em outro relato, informou-se que o trecho da Barra do Corda à dita Fazenda Santa Maria já se encontrava concluído, portanto, não haveria mais a necessidade de abertura do trecho até a Barra do Corda, parando a picada que vinha desde Caxias por ali mesmo.

Na edição de 16 de maio de 1859, o mesmo diário traz informações do Presidente da Província, informando que “Tendo começado em 03 de agosto do ano findo a picada que deve comunicar a cidade de Caxias com a Vila da Barra do Corda, foi interrompida depois de quinze dias, por pretextarem os operários que o trabalho era árduo e insuportável. Engajados novos trabalhadores com mais vantajosos salários, recomeçou em 3 de outubro o serviço, que ainda foi interrompido a 21 de novembro, achando-se já aberta 5 léguas de estrada. Desta vez não só se despediram os operários como o piloto (operador da bússola), com receios mal fundados de correrias de índios selvagens... Resolveu, por isso, fazer novo engajamento de um indivíduo para servir de piloto e bem assim de alguns operários, que se acham empregados desde 14 de março; e a comissão está convencida de que desta vez levará a picada ao lugar denominado – Japão de Dentro” – Publicador Maranhense, 18/05/1859.

Em 16 de maio do ano seguinte, aquele jornal, na prática o diário oficial da província, dava-nos conta de que as obras da estrada estavam em andamento.

Aqui faço mais uma parada para informar que para a retomada dos trabalhos, a estrada mudou o local de seu início e passou a se chamar Estrada de Caxias à Vila da Barra do Corda. Agora, todas as ações estavam concentradas na cidade de Caxias. Nomearam-se comissão encarregada pela sua execução, composta pelas principais autoridades da cidade, incluindo-se aí o juiz da comarca, o juiz municipal, o presidente da câmara de vereadores, entre outros. Tal medida foi tomada em decorrência de uma grave revolta havida entre os índios Guajajaras depois que um comando militar armado assassinou cerca de 10 índios. A funesta ocorrência se deu após indígenas daquela etnia haverem se revoltado contra a obrigatoriedade de prestar serviços na construção de prédios públicos na vila de Barra do Corda. Na ocasião do violento entrevero, quando o diretor de índios entrou na aldeia para requisitar alguns membros que ali aldeavam, houve grande revolta e forte reação, e do embate restou que um membro da diretoria parcial dos índios foi morto pelos silvícolas insatisfeitos com a vexatória situação.

O caso ganhou grande repercussão na imprensa da capital e a rebelião durou até o ano seguinte. Após isto, as obras foram suspensas novamente e a direção da comissão de construção da estrada teve que ser transferida para Caxias.

Por conta disto, agora os operários não eram mais índios das tribos Guajajaras, mas cidadãos residentes em Caxias, a maioria deles originários de outras regiões que ali se encontravam após serem expulsos por calcinante seca que assolava seus estados de origem

Até aí, já havia transcorrido vários anos desde o começo da obra, e chegara-se ao ano de 1878. Diante de tudo isto, a comissão recém-nomeada contratou o Sr. Nuno Candido de Almeida para realizar os trabalhos de abertura da picada desde a Trizidela, localidade situada fronteira à Caxias, rumo à Barra do Corda.

Demonstrando o tempo que vivíamos, ficou estabelecido no contrato celebrado, que o contratado forneceria 6 animais de carga, preparados com arreios, malas e ancoretas para a condução de água, 6 machados, 6 foices, 6 facões americanos, 4 enxadas e uma alavanca, uma arma de fogo para cada trabalhador, além de todos os gêneros alimentícios e todos os demais equipamentos necessários a abertura da picada na mata(As armas serviriam tanto para a defesa pessoal do grupo, quanto para a obtenção da proteína de que precisavam através da caça de animais silvestres. Pelo contrato ainda, receberia o responsável pela obra dez mil réis diários pelos dois meses previsto para o seu término. Entretanto, se ultrapassasse este prazo, este valor cairia para cinco mil réis diários. A previsão para a realização dos trabalhos era de dois meses, mas o contratado levou exatos três meses para concluí-la e depois retornar à cidade de Caxias. Nesse meio tempo, Nuno Almeida ia enviando cartas ao Jornal do Comércio de Caxias com a descrição das suas ações, com exceção do último mês, dado a dificuldade encontrada para o envio das tais correspondências.

E com a demora e falta de notícias, já o davam como morto pelos silvícolas ou escravos foragidos que, segundo acreditavam, infestava a região. Mas Nuno Almeida retornou para casa, e foi recebido com festa pela população da cidade que o conduziu até a sua residência sob o som festivo de instrumentos musicais. Ele apresentaria depois o seu relatório à Comissão de Socorros aos Cearenses, órgão responsável pela atenção aos flagelados da grande seca de 1878/1879, e que na época ocupavam as ruas de Caxias. Nuno Almeida informou ao Jornal do Comércio não ter sido encontrado índios ou escravos fugitivos durante os trabalho realizados na abertura da picada.

Em 06/10/1879, sala das Comissões da Assembleia Provincial, discutiu-se a proposta apresentada pelo cidadão Antonio da Rocha Lima no valor de 28:000$000 réis (vinte e oito contos de réis), prontificando-se a construir a estrada aproveitando a picada agora aberta. Pelo visto, foi mais uma tentativa infrutífera, e a estrada continuou a existir apenas nos sonhos da população da região. E isso é mais um indício de que o trabalho parou no lugar em que findava a estrada aberta pelo Coronel Diogo Lopes de Araújo Salles.

O trabalho realizado na abertura da picada, e as informações complementares postadas no relatório apresentado, serviu de base para a Lei 1254, de 09 de maio de 1882, diploma legal que disciplinava a construção da citada estrada, e que ensejou discussões tantas e tensas no legislativo provincial. Entretanto, a lei em si não deu causa suficiente para os mandatários da província implementarem, de uma vez por todas, a tão ansiada estrada. Agora já se tinha uma Lei, que previa a sua construção; uma picada, rasgando a mata virgem de um polo ao outro do citado caminho, mas a burocracia impedia que o projeto saísse do papel, a despeito das enormes vantagens que a obra significava para a província maranhense.

Novo orçamento foi aprovado pela Assembleia Provincial dessa vez, o valor estabelecido era de apenas 15:000$000 réis (15 contos de réis), recursos previstos para a construção da obra especificada na Lei 1254/82. Por sua vez, o Presidente da Província havia novamente oficiado ao Juiz de Direito da Comarca de Caxias, e solicitado que ele montasse uma nova comissão sob cuja responsabilidade a construção da estrada ficaria. Foram nomeados, além do citado Juiz de Direito responsável pela Comarca, o Juiz Municipal, o Presidente da Câmara Municipal e o Promotor da Comarca. Poucos dias depois a citada comissão oficiou ao Presidente da Província que havia se reunido para lançar o edital com as regras a serem seguidas, edital já lançado com o fim de dar ciência aos interessados pela concorrência. Não se sabe o que obstou mais uma vez a consumação da obra tão aguardada. A verdade é que a coisa não andou mais uma vez

PS. Revendo alguns autores que se debruçaram sobre a história da região, fui encontrar no celebrado livro do professor Galeno Edgar Brandes (Barra do Corda na História do Maranhão - Edição Sioge -1994), informações acerca da construção da estrada de ligação Barra do Corda a Codó, obra realizada durante o ano de 1870. Às pág. 95/96, aquele incansável barra-cordense, relata-nos o seguinte:

    "A estrada de Barra do Corda a Codó foi uma exigência do desenvolvimento comercial e industrial daquele povoado, a exemplo do que ocorreu com a de Caxias. Foi construída no ano de 1870, extensão da de Caxias, no governo do Presidente Dr. José da Solva Maia, oportunidade em que a Assembleia Provincial era presidida pelo deputado Dr. Fernando Vieira de Souza. Foi um caminho de serviço ligando inicialmente a sede de Barra do Corda à Serra da Boa Vista, limite extremo do 3º Distrito da Vila da Barra do Corda, passando e definindo os seguintes lugares: Barra do Corda; Riacho Feio; Três Lagoas; Clemente; Coco; Flores; Dois Irmãos; Lagoa dos Currais; Cipó, Cigana; Coco dos Messenas; Lagoa D'anta; Tuntum; Curador; Serra da Boa Vista, num total de 180 quilômetros".

 (Final da segunda parte)

(*) José Pedro Araújo é engenheiro agrônomo, funcionário público federal aposentado, historiador, cronista, romancista, e coordenador do blog Folhas Avulsas. 

Um comentário:

  1. Que legal, José Pedro.
    Através do Blog Folhas Avulsas, vou entendo como foram construídos os caminhos que penetram no sertão maranhense.

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