sexta-feira, 12 de maio de 2023

A MATA DO JAPÃO MARANHENSE GANHA A PRIMEIRA ESTRADA E COMEÇA A SAIR DO SEU ISOLAMENTO.

Barra do Corda em fins do século XIX

 

José Pedro Araújo(*)

Antes de mais nada devo esclarecer que o Curador nem existia como povoação quando os políticos maranhenses iniciaram as tratativas para a abertura de uma estrada (melhor utilizar o termo caminho, visto que o objetivo era facilitar o trânsito das boiadas e dos animais de carga e montaria) ligando a vila Barra do Corda a cidade de Caxias. Atravessava-se o ano sagrado de 1854, e o Presidente da Província do Maranhão, Eduardo Olímpio Machado, atendendo às solicitações dos barra-cordenses, determinou ao Juiz da Chapada (Grajaú), Polycarpo Lopes de Leão, que desse início aos trabalhos de abertura de uma picada entre os dois lugares acima já nominados, com os seguintes termos: “Constando-me que é fácil a abertura de uma estrada que conduza da Barra do Corda a cidade de Caxias, haja Vmc. de colher a respeito e transmitir-me com a máxima brevidade possível as mais completas e minuciosas informações, devendo desde já mandar proceder a abertura da picada, que se torna necessária para a exploração – Deos guarde Vmc. – Palácio do Governo do Maranhão, 11/03/1854 – Eduardo Olímpio Machado”. Jornal Publicador Maranhense, 07/04/1854.

Esta foi a primeira vez que se falou na abertura dessa estrada, mas, não foi a última. Ao longo do tempo, por mais de trinta anos, e depois de muitos outros Presidentes passarem pelo mesmo posto de mando, o assunto da tal estrada continuava a ocupar as páginas dos jornais da capital e a suscitar debates na Assembleia Provincial. Acontece que a Província do Maranhão, embora tardiamente, procurava uma forma de facilitar o transporte de bens dos altos sertões para as proximidades da capital, e até mesmo da sua principal cidade interiorana. E, segundo a própria autoridade maior da província, encurtar as distâncias, reduziria também o tempo de condução dessas riquezas. Ocorria ainda, que depois de 1852, ano em que o Conselheiro Saraiva superou a força política de Oeiras e mudou a capital para o centro do estado do Piauí, às margens do rio Parnaíba, e a menos de cem quilômetro de Caxias, os vapores começaram a singrar as águas do rio Parnaíba. Levavam também, além dos produtos da própria terra mafrense, os produtos cultivados e o gado dos sertões dos Pastos Bons, Enquanto isto, trazia bens de consumo do litoral para o interior, e o mercado ganhou nova sede na recém fundada cidade de Teresina. 

Caxias, a principal feira do sertão até então, passou a definhar e a perder a sua importância. E precisava contar agora com a força dos altos sertões do Grajaú e do Tocantins. Para que isso acontecesse, precisavam-se abrir caminhos para a condução dos seus gados, além de outras riquezas. Daí, atendendo aos reclames e barra-cordenses e caxienses, o Presidente Eduardo Olímpio Machado adotou a ideia, em 1854, de abrir uma estrada reta, como ele mesmo afirmou, entre Caxias e a Barra do Corda, encurtando as distâncias pela metade.

Todavia, como fazer uma estrada que atravessasse as imperiais florestas do centro do território em uma extensão de mais de 250 quilômetros, se as finanças da Província se encontravam sobremaneira debilitadas? Usando a força de trabalho mais barata que a Província possuía, e que eram abundantes na região: os indígenas. Deve ter pensado aquela autoridade na ocasião.

E foi assim que o Presidente da Província oficiou ao Diretor do Corpo de Trabalhadores índios de Barra do Corda, cargo criado pouco tempo antes por ele mesmo, Frederico Augusto de Souza, estabelecendo as regras a serem seguidas por ele para a consecução daquela obra faraônica para os termos da Província empobrecida.

Logo no seu item 2º, vinha a determinação: “Neste mesmo ano, e com a maior brevidade possível, faça Vmc. seguir da Vila da Barra da Corda o número de índios, que for necessário, acompanhado de um feitor inteligente, que conheça e dirija os rumos da agulha(bússola) para abrir uma picada que ter na povoação da Trizidela, na frente da cidade de Caxias – Eduardo Olímpio Machado - Presidente da Província do Maranhão – Jornal Publicador Maranhense, 08/08/1854. Estava dada a ordem para o tal diretor utilizar coercitivamente os pobres indígenas da região cordina.

E assim, o tal diretor retirou das aldeias Guajajara, nas proximidades da Vila da Barra do Corda, cerca de quarenta índios para realizar os serviços mais pesados da empreitada (abrir a mata à machadadas). Estabeleceu que eles iriam receber como pagamento a quantia de 7$000 réis ao mês, cada um deles. Para se ter uma ideia do que representava o salário a ser pago, esclareça-se que, uma rústica cangalha para animal, havia sido avaliada em 5$000 réis (cinco mil réis) no mesmo orçamento. Dias depois, informou-se orgulhosamente que os serviçais indígenas haviam recebido o primeiro pagamento: em alimentos, não em dinheiro, e que o juiz da vila havia testemunhado esse acerto de contas. Não deu para sabermos o tipo do alimento que foi entregue.

Por importante, informe-se que, para a execução total da obra, foram alocados recursos da ordem de 7.000$000 réis (7 contos de réis). E ainda mais. Informava o dito jornal, uma espécie de diário oficial da época, que o Coronel Diogo Lopes de Araújo Salles, rico fazendeiro estabelecido em Grajaú, ainda deu início à obra de abertura da picada. Contudo, o Presidente da Província não concordou com o valor exigido por ele para executar o trabalho e determinou que o próprio Diretor do Corpo de Trabalhadores Índios se responsabilizasse pela realização do trabalho, mediante o recebimento de uma gratificação mensal.

Aqui, abro um parêntese para dizer que era provável que o Coronel Diogo Lopes já tivesse aberto um caminho entre a Barra do Corda e uma de suas fazendas situadas na região em que surgiria mais tarde a Povoação do Curador. Aliás, esta afirmação foi depois confirmada pelo engenheiro e deputado provincial caxiense Teixeira Mendes, em debate na Assembleia. Este Coronel, juntamente com familiares seus, foram os primeiros ocupantes das terras da região conhecida como Mata do Japão de Dentro em 1849, e uma de suas fazendas era justamente a Data Santa Maria, em cujas terras a cidade de Presidente Dutra (ex-Curador), foi assentada. A Fazenda Santa Maria do Japão era um dos pontos por onde a picada passaria, seguindo depois rumo a Caxias. Por sua vez, a sua Fazenda São Marcos, estava situada no povoado Campo Largo, localizado em região mais ao sul do território barra-cordense, e com ligação antiga com a vila de Barra do Corda, é provável que ele conhecesse, como ninguém, o rumo a ser seguido, além de já ter boa parte do caminho aberto para o seu próprio trânsito e dos seus rebanhos. Entretanto, como já afirmei algumas linhas atrás, a sua proposta foi recusada. E o governo se meteu em uma encrenca sem tamanho, uma vez que o novo contratado utilizou parte significativa dos recursos previstos no orçamento (2:130$100 réis), e abriu apenas 16 léguas de picada, cerca de noventa e seis quilômetros. Todavia, o problema não ficaria somente aí. A questão maior é que a picada aberta sob a direção do Diretor dos índios tomou um rumo diferente daquele que era o ideal, e foi dar em uma região de topografia muito acidentada, fazendo com que os recursos aplicados fossem perdidos na sua totalidade.

Somente depois disto, foi que o Presidente da Província enviou um engenheiro para região, com a missão de realinhar a picada, colocando-a no rumo predeterminado. É o próprio Presidente da Província quem nos dá conta disto: “Incumbi o Eng. João Nunes de Campos de fazer a competente arrumação, para que a estrada não se alongue mais do que for aconselhado pelos acidentes dos terrenos porque tiver que passar... Segundo informou o dito engenheiro já se havia dado começo à arrumação” - Jornal Publicador Maranhense.

E a obra que era para durar apenas dois meses, segundo exigências do Presidente da Província, se arrastou lentamente, parando algumas vezes por insubordinação dos índios responsáveis pelo trabalho braçal, para depois ser retomada, e outra vez ser paralisada. E assim, foi a mesma acontecendo lentamente até que, tendo o Barão de Coroatá substituído temporariamente a Presidência da Província em 1857, e alegando dificuldades com as finanças públicas, determinou a suspensão definitiva da obra. (Final da primeira parte)

(*) José Pedro Araújo é engenheiro agrônomo, funcionário público federal aposentado, historiador, cronista, romancista, e coordenador do blog Folhas Avulsas. 

Um comentário:

  1. Creomildo Cavalhedo Leite15 de maio de 2023 às 17:17

    "A MATA DO JAPÃO MARANHENSE GANHA A PRIMEIRA ESTRADA E COMEÇA A SAIR DO ISOLAMENTO".
    Autor: Engº José Pedro Araújo Filho e Editor do BLOG: FOLHASAVULSAS.
    Garimpando perolas, sobre a vasta área denominada Território Fértil do Japão, publicada na Imprensa maranhense e espalhada de forma aleatória em outras províncias do Brasil Império;
    São muitas informações que, ainda encontram-se dispersas, encobertas pelo véu do tempo, e cabe aos perquiridores esforço, energia e constância para continuarem as buscas afim de preencherem, as múltiplas lacunas da História do Desbravamento e a Povoação do Sul do Maranhão, realizadas por homens e mulheres corajosos, destemidos, verdadeiros heróis anônimos;
    A Missão prossegue, e continua avançando sempre!
    Boa leitura e ótimo proveito.
    Palmas - Tocantins, 15 de maio de 2023.
    Creomildo Cavalhedo Leite.
    E-mail: creomildo04@gmail.com

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