José Pedro Araújo
Papagaio
é como chamamos no Curador aquele brinquedo conhecido pelos meninos da cidade
grande como Pipa ou Arraia. Esta talvez seja a brincadeira que me fazia mais
feliz e que também habitou os meus sonhos por mais tempo. Não faz muito tempo, já
morando fora da minha cidade, sonhei empinando um Suru tala-dura, e, ao acordar, ainda sonolento, pensava ainda ouvir
o barulho que ele fazia lá no alto.
Interessante
como o som emitido pelas pestanas de
um papagaio de papel tem o dom de ativar a minha emoção até quase no limite. A
felicidade de sentir a linha esticada em minhas mãos pela força do vento
contrário - é assim que o papagaio sobe para as alturas -, e depois uma lanceada, quando o bicó desce com o
castelo apontado para baixo até quase tocar no solo, não tem igual. E depois da
descida, a linha é afrouxada completamente e ele, num giro de 180 graus, volta
a subir vertiginosamente até o ponto onde estava antes. Puro delírio!
Ainda
me lembro de certa manhã de maio, época dos ventos
gerais - como chamávamos esse período de ventos fortes e dias sem chuva -,
estávamos tomando o café da manhã quando ouvi o roncar de um papagaio voando
sobre a nossa casa. De pronto larguei tudo e corri para o quintal sob os protestos
de minha mãe, para observar o cafifa lá em cima. Era o maior Suru que eu jamais havia visto.
Lindo, vermelho no centro, verde nas laterais e amarelo no castelo e na
parte inferior onde está amarrado o cabresto. Era um belo papagaio brincando
alto no céu de um azul metálico inesquecível, soltando seus rugidos para
assombrar as outras pipas menores que já estavam no ar naquele momento. Causou-me
mais admiração porque nessa hora da manhã os ventos ainda estão relativamente
fracos, e assim não é comum empiná-los. Mas ele estava lá, vivo, arisco,
sobranceiro, zoando para todos.
Corri
para a rua e vi que não muito distante, na altura da travessa Nelson Sereno, que
um primo meu, cercado por alguns amigos, era o responsável pelo portentoso Suru. Parti para lá e fiquei
impressionado também com a espessura da linha usada: linha 3 zero. Quase um cabinho usado para fazer rodar um pião. Meu
primo Daniel Falcão, já rapaz nessa época, fazia forças para sustentar o
brutamonte que empinava naquele momento, cercado da admiração dos presentes.
Depois, quando o vento começou a ficar mais forte, ele começou a puxar o papagaio
para baixo. Estava explicado porque empinava o dito cujo naquela hora da manhã.
Sabia ser impossível fazê-lo em horário de vento forte.
Quando
conseguiu descer a Pipa, fiquei espantado com o seu tamanho: atingia acima do
umbigo do rapaz. Meu coração estava aos pulos, como se presenciasse uma
experiência com uma aeronave; ou um foguete aeroespacial sendo lançado para a
lua. Daniel mostrava as mãos feridas em várias partes pela linha tensa e pelo
peso do grandalhão, e isso só fazia aumentar a nossa admiração por ele.
No
outro dia, a breve vida da imensa pipa teve fim. Ao tentar empiná-lo em horário
de vento mais forte, o bicho escapou de suas mãos e foi bater no quintal de uma
casa próxima, preso em alguma árvore e completamente destruído. Seu papel de
seda lindo e brilhante estava agora completamente esfarrapado. Ficou a
experiência de que até mesmo para os papagaios havia um limite a ser
respeitado.
Para
os menos iniciados na arte de empinar pipas, vai aqui uma observação: Suru é o papagaio sem rabo, construído e
empinado apenas pelos maiores experts no assunto. E Curica, ou Rabiola, é o
papagaio com cauda. Mas nesse meio, quem construía ou empinava uma Curica era
indigno de brincar conosco. É de fato uma arte conseguir fabricar um papagaio e
elevá-lo ao ar sem um rabo de contrapeso para equilibrá-lo. Somente os bons são
capazes desta proeza.
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