quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Diário de um Náufrago (Capítulo I)











Foto meramente ilustrativa by Google
José Pedro Araújo

EM TERRA ESTRANHA


Antes de tudo devo dizer que não sei como vim parar aqui. Da mesma forma, não sei que lugar é este. Já estou por aqui há pelo menos algumas semanas e ainda não conseguiu identificar todos os limites geográficos deste lugar. Andei em círculos e sempre me deparei com água, com ondas, com muita areia de praia, o que me leva a pensar que estou perdido em uma ilha. Quanto ao tempo, impossível dizer com certeza desde quando estou aqui. Ainda tentei registrar a contagem dos dias com riscos na areia, mas os perdi. Isso foi antes de começar a montar uma cabana simples com a madeira que encontrei na praia. Com o descuido, os tais riscos que registravam os meus dias por aqui o vento apagou.

Tenho me deparado com tanta madeira que daria para construir uma mansão, caso tivesse eu jeito para construtor de alguma coisa. Com alguns pedaços de lona encontradas, folhas de alumínio, pedaços de compensado náutico, além de outros materiais servíveis, vou erigindo e cobrindo o meu barraco, que, apesar do mau jeito, está ficando até legal!

Também não me lembro de onde vim, como vim, como já disse. Às vezes, flashes relâmpagos de memória querem me dizer algo, mas logo volta tudo ao estágio anterior, à completa escuridão que comanda hoje o meu cérebro. Deste modo, fico a pensar no que aconteceu comigo, se deixei uma família para trás, qual a minha origem, mas até este ponto é de um obscurantismo total.  O que eu sei é que dei por mim vestido com roupas de ótima qualidade, sapatos de boa procedência, e um relógio no pulso que não me serve de nada, pois parou às duas horas e quinze minutos. Não sei dizer se do dia ou da noite. Pelo mostrador do contador do tempo, vejo que é um Tag Heur Carrera. Não deve ser bom, pois parou sem explicações. E pela etiqueta das minhas roupas, dá para ver que são brasileiras, ou portuguesas, ou de alguma outra ex-colônia de Portugal.

Deste modo, tenho a impressão de que sou originário de um desses países, pois falo e leio com mais facilidade as coisas escritas nessa língua. Como sei que é portuguesa, a língua? Porque vi isso escrito em um velho livro que também encontrei na praia. Encontrei outros em diversas línguas diferentes, mas li com facilidade um de origem inglesa, outro de origem espanhola, além do que estava na língua de Camões. Os outros eram de uma escrita esquisita, mais pareciam pequenos desenhos, e nesses não consegui sair do lugar. Aliás, livros tenho muitos comigo, um bom suprimento encontrado nas areias escaldantes da ilha.

Bem, acho que é uma ilha mesmo, mas não tenho cem por cento de certeza ainda, somente imagino. Se bem que não encontrei nenhum coqueiro por aqui. E a ideia que eu tinha de ilha, era a de que todas elas tinham bastante coqueiros, alimento certo para os náufragos. Aqui não tem nenhum. Mas, mesmo assim, continuo achando ser esse lugar uma ilha, pois tem o formato quase circular, pelo menos na parte que eu já desbravei.

E por não encontrar os tais coqueiros me veio a maior complicação de todas: como arrumar comida por aqui? Encontrei alguns arbustos com muitos frutos, alguns de bonito formato e cor. Mas, todos desconhecidos para mim. Não me arrisquei a comê-los sem saber se eram apropriados. E olha que a fome chegou forte, prova de que já estava sem comer desde muito tempo. Parti então em busca de algo para forrar o estômago e sai perambulando pela praia, onde encontrei algumas latas de conserva intactas, mas muito envelhecidas, enferrujadas, não dava nem para ler o nome do produto, a origem, essas coisas. Achei melhor não arriscar.

Mas ai pensei, premido pela fome que já era intensa: devo tentar pescar alguns peixes, devem ser abundantes neste mar. Mas, como pescar, se não tinha anzol, tarrafa, nada que me fizesse aprisionar alguns deles? Até vi que muitos peixinhos nadavam até a parte rasa, e tentei pegar alguns com as mãos em concha. Nada feito. Eram muito ariscos. 

Foi então que me lembrei: mesmo que eu consiga pegar alguns, como vou prepará-los, se não sei cozinhar? E também não tenho nem fósforo para acender uma fogueira? Deixei-me abater por instantes. A minha situação era, de fato, vexatória. Voltei a pensar nas frutas. E foi ai que uma luz se acendeu no meu cérebro: como os primeiros homens descobriram que tipo de fruta era comestível? Só pode ter sido ao observar os pássaros, ora essa! Se os pássaros podem comer algum fruto, é porque não são venenosos. E corri para a mata próxima. Achei que deveria haver por ali por perto algumas árvores com muitos frutos. Achei fácil. Foi nas proximidades de algumas delas que eu fiquei na expectativa de ver algum passarinho beliscando algo bonito e maduro.

 Plantei-me ali e esperei. Na árvore escolhida, os frutos eram amarelos, redondos como uma bola de sinuca. Deviam ser suculentos, pensei. O problema é que não vi nenhum passarinho por ali naquele momento. E a minha fome aumentava no mesmo ritmo em que o sol ia se pondo no horizonte. Todavia, antes de escurecer, vi alguns pássaros chegarem e se postarem nos ramos mais altos da minha árvore. Mas, nada de beliscarem um dos frutos. Ai me ocorreu: e se eles vieram apenas para procurar dormida? Parecia ser isso. Nada de comida queriam naquela hora.

A minha mente entrou em ebulição, pois precisava encontrar um saída para o meu problema. Com o homem as coisas funcionam melhor quando estão necessitados. É parti dai que surge as melhores ideias.  E foi isso o que me ocorreu. Levantei-me sorrateiramente e passei a procurar por alguns dos frutos caídos. Precisava ver se havia algum indício neles de que os pássaros haviam lhe aplicado algumas bicadas. Encontrei vários pelo chão, mas possuíam a casca muito dura. Difícil algum pássaro penetrar naquela proteção dura e resistente. Sai dali à procura de outra árvore frutífera.

Uma alegria incontida me encheu o peito quando avistei um pé de fruta-pão carregado de frutos. Aqueles eu conhecia bem, e até já havia provado deles. Entretanto, cai no mesmo problema. Decaiu-me o espírito novamente. O fruto era comestível, mas precisava ser cozido. E eu ainda não tinha como fazer isso. Continuei procurando até que a minha persistência gerou ... frutos! Descobri um pé de carambola carregado. Aquele também conhecia muito bem e estavam no ponto para serem comidos! E passei a coletar freneticamente alguns dos que estavam em melhor estado, enchendo as mãos com alguns grandes e bonitos. Não resisti e dei uma primeira mordida em uma delas. Minha boca encheu-se de um liquido saboroso, com leve variação entre o doce e o azedo, mas sem um travo que pudesse atrapalhar a excelência daquele presente divino. Que sorte! – pensei – nunca havia me perguntado qual a origem daquele fruto delicioso. E ele veio me socorrer ali em terras desconhecidas. Sem o cuidado de lavá-los, comi vários deles até me sentir saciado. No dia seguinte procuraria por outros tipos comestíveis. Comer somente carambola não daria certo por muito tempo.

Não foi difícil encontrar outros tipos de frutos, como um que me apareceu, com a casca parecida com uma pele de cobra. Achei-o ali perto, muitos com sinais de terem sido repasto de pássaros ou de pequenos animais. Depois, sabem aquele que primeiro encontrei, especialmente bonito e com a casca amarela e bem dura? Voltei a ele. E ao conseguir quebrar a sua carapaça, mostrou-se parecido com o bacuri cujo interior se apresenta separado em compartimentos. Não resisti e provei um deles. Era delicioso, e parecia não ter contraindicações, efeitos negativos. Pelo menos não senti nada de imediato.

Escolhi aquele local também para erguer a minha morada habitual. Era uma pequena elevação a pouco mais de uma centena de metros do mar, de modo que o barulho da água em constante movimento me chegava aos ouvidos com muita intensidade. Da mesma forma atraia-me a vista que eu tinha pela frente. Era muito bonita, paisagem de cartão postal.


5 comentários:

  1. Caro José Pedro,
    Agora que esse novo Robinson Crusoe, filho de sua imaginação, para saciar a fome, comeu fruto não proibido, encontre agora uma índia bonita, e não um belicoso e faminto canibal.
    Parabenizando-o pelo primeiro capítulo, aguardemos os vindouros.

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    1. Estou apenas seguindo as pegas do criativo mestre que, para o meu conhecimento, inovou ao lançar o primeiro romance em capítulos e de graça na rede mundial. Será que o nosso protagonista vai ser comido? Nem eu mesmo sei. Obrigado pelo incentivo.

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  2. Dr. Araújo,
    Muito interessante o seu primeiro capítulo. E os seguintes, prometem muitas aventuras. Espero que o nosso Tom Hanks encontre essa bela índia, como sugere o nosso Poeta Elmar Carvalho. Caso contrário,uma bola de vôlei deverá aparecer nessas praias para lhe fazer companhia.
    Gostei Araújo. Sucesso.

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    1. Meu caro amigo Acoram, as coisas vão ficar feias para o nosso náufrago. Espero que se safe com poucos arranhões! Abraços e obrigado pelos incentivos.

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  3. Como é prazeroso ler um livro e o sentimento veemente narrado pelo autor, extrai sensações particulares. Como o sabor da carambola, que ainda está em meu paladar, mesmo ao fim do capítulo, ou o cheiro da brisa do mar aflando meu rosto. Parabéns pelo capítulo e com certeza farei companhia ao "Chuck Noland" nessa jornada, que creio, será intensa. Abraços!

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