sexta-feira, 15 de junho de 2018

O DIA EM QUE GARRINCHA DRIBLOU ATÉ A COMISSÃO DE ARBITRAGEM.



José Pedro Araújo

Algumas histórias, ou acontecimentos, ocorridos durante as vinte Copas do Mundo de Futebol jogadas até agora, muitas vezes são tão gostosas de contar quanto um gol de mão e no último minuto da prorrogação. Algumas delas, pelo ineditismo, merecem constar nos livros de história sobre o futebol mundial com muita ênfase. Como a que ocorreu com o craque brasileiro Garrincha durante a Copa do Mundo no Chile em 1962. O caso Sui Generis ocorreu mais ou menos assim:
No jogo disputado entre o Brasil e o Chile pelas semifinais do mundial de 1962, a seleção brasileira estava sem Pelé, mas contava com o craque de pernas tortas Mané Garrincha no seu melhor momento. Endiabrado como nunca, nesse dia o maior driblador da história do futebol mundial já vinha sendo caçado pelo jogador chileno Eladio Rojas desde o começo da partida, tudo sob as vistas coniventes do árbitro peruano Arturo Yamasaki. Mesmo assim, o craque brasileiro já balançara as redes adversárias por duas vezes até aquele instante.
Por outro lado, nem os gols já marcados por Garrincha foram motivo para o chileno o tratar com respeito devido à sua genialidade ou, pelo menos, parasse de tratá-lo com tanta truculência e saboreasse a oportunidade que tinha de enfrentar um dos maiores da história. Lembre-se que naquele tempo não existia ainda a figura do cartão amarelo ou do vermelho. Ficava tudo na admoestação verbal, o que, como no caso aqui narrado, fazia com que nunca se soubesse o que ia pela cabeça do árbitro do jogo.
Cansado de tanto apanhar em campo, bordoadas cumuladas com diversas cuspidas acintosas no rosto, tudo sob o olhar complacente do árbitro peruano, Garrincha não suportou o assédio violento do adversário e, a certa altura do jogo, revidou à altura a uma entrada recebida. Incontinente, o juiz Yamasaki o expulsou de campo. Para a torcida, e para os demais que assistiam ao jogo, foi de uma deslealdade gritante o fato do juiz ter punido justamente a vítima naquela refrega, posto que tivesse sido o nosso craque acossado violentamente de todas as formas dentro de campo pelo seu adversário. Já sem Pelé para partida final contra a Tchecoslováquia, o Brasil perderia mais um dos seus principais jogadores para aquela partida. Perderia, contudo, muito mais, a torcida, além dos patrocinadores daquela copa, com aquele gesto tresloucado do árbitro.
Foi quando entrou em campo o chefe da delegação brasileira naquela copa, o Dr. Paulo Machado de Carvalho, mais tarde chamado de “Marechal da Vitória”. Empresário bem sucedido e acostumado ao trabalho de bastidores da política, sobretudo quando era para defender seus interesses, ou de qualquer instituição sob a sua responsabilidade, apelou ele a uma figura que tinha uma certa influência na comissão de arbitragem para aquela copa, o também brasileiro João Etzel Filho. Foi em busca de uma solução para o problema que desagradava a todos. E foi ai que também entrou no jogo que não acabara até então outra figura importante da partida contra o Chile: o auxiliar de arbitragem uruguaio Esteban Marino.
O auxiliar uruguaio, exatamente por atuar durante a partida como bandeirinha, precisava assinar, juntamente com o juiz do jogo, além do outro bandeira, a súmula do jogo que seria encaminhada para comissão de arbitragem. Mas o uruguaio Esteban deixou Santiago incógnito, desapareceu, virou fumaça, sem concluir a sua obrigação. Sem isso, a súmula do jogo perderia a sua validade, e a expulsão do jogador brasileiro ficaria sem efeito. E logo as versões mais desencontradas ganhariam o mundo e virariam fofoca no meio futebolístico. Alguns afirmavam até que a Confederação Brasileira de Futebol, a CBD, havia desembolsado cerca de 15.000,00 dólares para fazer com que o bandeirinha sumisse sem assinar a bendita súmula, antecipando o seu retorno para casa. Mas outros diziam que não fora tanto dinheiro assim, que o auxiliar do árbitro Yamasaki se contentou com bem menos, apenas e tão somente U$ 5.000,00, para escafeder-se e esquecer de assinar o documento que teria importância vital na escalação da seleção do Brasil para o jogo seguinte.
A verdade é que todo mundo trabalhou no sentido de que aquela expulsão injusta não prejudicasse o espetáculo que seria realizado dai a quatro dias. A imprensa não mencionou a expulsão do craque; os organizadores da copa não gastaram um só minuto para encontra o bandeirinha desaparecido; e até mesmo a direção da seleção adversária, a Tchecoslováquia, intercedeu para que o jogador brasileiro estivesse em campo para enriquecer o espetáculo.
E assim todos saíram ganhando com mais uma jogada genial do craque Garrincha, escolhido o melhor jogador do mundial após o Brasil bater a Tchecoslováquia na final, no Estádio Nacional do Chile, pelo placar de 3x1. O que de fato ocorreu nunca ninguém ficou sabendo, mas virou história. Sem a emoção que envolveu o caso naquele instante após a expulsão injusta do brasileiro, e sem se levar em conta a importância que teria para a aquela final a presença de um craque fenomenal como Garrincha em campo, o fato constituiu-se apenas em mais uma patuscada cometida pelos homens que controlam o futebol mundial. Hoje se costuma julgar com muita severidade fatos ocorridos no passado sem se levar em conta os principais componentes que enfeixavam as porfias travadas.
Mas, para muitos, o que aconteceu naqueles distantes dias foi que, mesmo transitando-se por caminhos tortuosos, acabou-se por se fazer justiça, decisão aprovada e sacramentada pelos deuses do futebol que nem sempre estão alerta ao que acontece dentro das quatro linhas, a ponto de deixar sempre que as injustiças transitem à larga pelos campos de jogo. Bom para o Brasil que conquistou o seu segundo caneco ao impingir uma derrota por 3x1 sobre os Tchecos e os Eslovacos, por aquela época ainda jogando juntos, defendendo a mesma bandeira e envergando a mesma camisa. Histórias do futebol!


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