sexta-feira, 9 de novembro de 2018

A HISTÓRIA DE PRESIDENTE DUTRA(A Economia Regional)



  
O boi abre o caminho – A ocupação das áreas com pastagem natural abundante, os chamados “campos gerais”, foi feita em um período relativamente curto, empurrado pelo crescente aporte de novos criadores de gado que desciam o nordeste rumo ao norte em busca de terras férteis, livres e com abundante presença de água. Nem mesmo a necessidade de consideráveis investimentos na preparação das terras para cultivar as pastagens com que deveriam alimentar seus rebanhos, era impedimento suficiente para barrar essa corrente migratória ininterrupta.

Afinal, o problema maior para esses criadores sempre fora as constantes faltas de chuvas na caatinga nordestina. E por ser este um obstáculo impossível de ser superado, não temiam distâncias na preservação da própria vida e manutenção de seus rebanhos, ambos ciclicamente atingidos por esse terrível fenômeno natural.

            Povo destemido e desbravador, os nordestinos foram tantas vezes atingidos pela escassez de chuvas, que se viam obrigados a abandonarem sua própria terra para buscar abrigo em  regiões distantes. E por esta razão, são responsáveis pelo desbravamento e colonização de todo o norte do país.

Atingidos a cada três anos por este fenômeno climático aterrador, a história aponta para a seca de 1777 – 1779, como a mais devastadora que se têm notícia desde a colonização do Brasil pelo europeu. Nesse período de grande aflição, quando a terra sequiosa não consentia que brotasse praticamente nada, houve uma intensa migração de pessoas de Estados como o Ceará, o Rio Grande do Norte, a Paraíba e o Piauí, em direção ao interior maranhense.

Também conhecida como “seca grande”, teriam perdido a vida mais de 500.000 nordestinos em decorrência da terrível sequidão que assolou os campos e as cidades sertanejas, trucidando pessoas e rebanhos, salvando-se apenas aqueles que buscaram refúgio em regiões mais úmidas, como o vale do Carirí, no Ceará, ou os Vales do Parnaíba e Gurguéia, no Piauí, além das terras maranhenses mais a oeste e norte.

Existem relatos dantescos de que vilas inteiras desapareceram do mapa.  E diante de flagelo tão grande, somente não morreu quem juntou a família, e os poucos animais que restaram, e empreendeu uma fuga desesperada rumo ao desconhecido em busca de água e comida. E mesmo destes, muitos ficaram pelos caminhos, alguns sem o direito a uma cova rasa como sepultura, tal era o desânimo e a falta de força dos que restaram vivos.

O Padre Joaquim José Pereira testemunhou no Rio Grande do Norte um destes terríveis períodos de seca no período compreendido entre 1790/1793, quando a fome e a sede se abateu com tanta violência contra o sertanejo, que transformou a caatinga nordestina num grande cemitério de corpos insepultos. Seu relato à Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro(Tomo LXII), ficou registrado como uma dos mais tenebrosos já publicados naquele periódico. Com a alma dilacerada, Padre Joaquim derramou seu pungente lamento, registrando com tintas de sangue a tristeza que insistia em consumi-lo, dizendo assim:



“Ah! Quem pensara que estas creaturas haviam de servir de pastos as aves nocturnas amigas do sangue? Ellas pousavam em seus próprios aposentos, e correndo pelo chão trepavam sobre as creaturas, que já estavam prostradas pela fraqueza, e a vista das mesmas pessoas que as cercavam, lhes bebiam o sangue”. (PEREIRA, Pag. 179).



           A seca de 1877/1879, um século depois, também comportou relatos de magnitude igual ou maior, obrigando o império a tomar as primeiras providências para minorar os seus efeitos. Consta que D. Pedro II foi às lágrimas quando presenciou a gravidade do problema que dizimou a economia da região e provocou terrível mortandade, especialmente de crianças e velhos.

Ferido na sua dignidade, teria ele proferido a famosa frase que ficaria para sempre gravada na memória do povo da região: “nem que eu tenha que me desfazer da última jóia da Coroa, não permitirei que tal flagelo se abata outra vez sobre esse povo sofrido".

Consta também que foi essa a primeira promessa não cumprida de terminar com a seca na região. Até porque a seca é um fenômeno natural que não pode ser exterminada ou evitada, e sim combatida nos seus efeitos.

            Foi durante esse período que aconteceu também a maior corrente migratória de nordestinos ao nosso estado, habitando lugares dantes nunca ocupados, trazendo consigo, além dos membros da família que resistiram à grande caminhada, a experiência do trato com o gado e uns poucos animais que conseguiram concluir a longa jornada.

E para quem já havia empreendido tamanha caminhada, as distância entre o local onde haviam situado suas fazendas e o mercado no qual deveriam comercializar seus produtos, não passava de coisa insignificante. Empreendiam caminhadas de centenas de quilômetros tangendo tropas e rebanhos, como se estivessem se dirigindo ao armazém da esquina, debaixo de chuva ou sol, sobre terrível lamaçal ou debaixo de nuvens de poeira vermelha.

E assim transformaram a incipiente vila de Caxias em uma feira importante para a comercialização dos animais por eles criados. A boiada era tocada durante dias e dias, seguindo por caminhos abertos pelos vaqueiros a golpes de foice e machado, até chegarem nas áreas de campo aberto, já próximo ao Itapecuru, em cuja margem a povoação crescia a olhos vistos. Caxias iria se transformar em breve no mais importante entreposto de comercialização de gado do interior maranhense, e um dos maiores do nordeste, igualando-se à Feira de Santana, na Bahia.

            Foi nesse tempo que a região do Japão passou a contar com muitas fazendas de gado espalhadas pela vastidão do seu território, mesmo não havendo nenhuma vila em condições de ser apelidado por esse nome. Fazendeiros foram se situando nas regiões da Lagoa de Dentro, Canafístula, Taboa, Fortaleza e Varjão, derrubando a mata virgem e situando suas moradas de forma isolada uma das outras. Com o tempo, começaram a sentir a necessidade de organização de uma vila, um arruado pequeno que fosse, lugar onde pudessem instalar uma pequena área de comércio ou de prestação de serviços. Foi assim que surgiu a povoação do Curador. Na encruzilhada em que já se instalara o Curandeiro que atendia ao povo da região do Japão maranhense que vinha em busca de cura para seus males.

Diferentemente de Barra do Corda, cujo fundador, Manoel Rodrigues de Melo Uchôa, havia recebido a incumbência das autoridades da capital de criar uma povoação em um lugar no centro da região, recebendo depois o pagamento pelos seus serviços, aqui, a vila se formou espontaneamente, sem o caráter de oficialidade que marcou Barra do Corda. O Curador nasceu da necessidade e da coragem de seus primeiros aventureiros em se agrupar como aglomerado urbano, quebrando a característica de individualidade e isolamento que havia imperado até ali.

Nasceu daí a certeza de que o Curandeiro foi, de fato, o primeiro ser humano a habitar as terras desconhecidas até então, sendo, de fato, o fundador do povoado do Curador. Depois dele vieram aqueles bandeirantes que aqui ergueram pequenas choupanas, que mais se pareciam com ocas indígenas, para protegerem a si e aos seus das intempéries e do ataque de animais selvagens.

            E assim, esses homens destemidos que antes haviam varado a caatinga espinhenta atrás de bois fujões em suas terras pretéritas, não tiveram muitas dificuldades para se adaptarem às matas fechadas do Japão maranhense, superando com destemor o receio que a floresta lhes impunha antes. Mostrando a força que possuíam, devassaram a selva fechada com seus machados predadores, e logo já havia uma rede de caminhos intercomunicantes que se ligavam uns aos outros, e aos centros maiores onde se podiam adquirir ou vender seus produtos.

            O gado mestiço que trouxeram consigo, continha bom percentual do sangue das primeiras reses trazidas dos Açores pelos portugueses. Eram animais de porte pequeno e com reduzida capacidade de produção de leite. Contudo, eram rústicos o bastante para suportar as diferenças climáticas locais, além das muitas pragas que infestavam a região. Pragas como o berne, o carrapato, as mutucas e as moscas que provocavam a doença chamada de mal-da-mosca-do-chifre, passaram a se constituir em inimigos a serem superados também.

À falta de açougues, praticavam suas próprias charqueadas e preparavam as peles em curtumes simples, utilizando o couro obtido para a confecção de selas, cordas, malas, perneiras, gibões, e até mesmo portas e janelas, além de uma infinidade de outros utensílios para o uso doméstico. Até mesmo nas camas, as tiras de couro eram usadas como substitutas das molas metálicas, transmitindo um certo conforto ao local em que o incansável trabalhador deitava para descansar da dura labuta diária.

            O leite era aproveitado na confecção de queijos, manteiga, coalhadas e doces, que usavam tanto para o consumo doméstico como para a venda. De modo que o boi garantiu a sobrevivência desses bravos pioneiros, servindo até mesmo de meio de transporte, puxando o famoso carro-de-boi que animou o sertão com seu gemido característico e saudoso.


Um comentário:

  1. Olá existe um livro de uma maranhense que eu até usei para escrever um artigo. O nome do livro e caminhos do gado, que fala sobre a introjeção do gado na região do sul maranhense

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