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Imagem do Poeta Almeida Galhardo |
Elmar Carvalho(*)
Tomei
conhecimento da existência do poeta Almeida Galhardo no ano de 2014, através do
livro Constelação de Sonhos – lindas e inesquecíveis poesia, que me foi
gentilmente presenteado pelo juiz de Direito Édison Rogério Leitão Rodrigues,
maranhense de Pedreiras, mas radicado no Piauí, onde exerce a judicatura há
muitos anos, do qual tenho a honra de ser amigo.
Trata-se
de uma monumental antologia, tanto pelo seu avantajado tamanho (formato 18cm x
25cm) como por suas quase oitocentas páginas, e sobretudo pela escolha de
magistrais poemas de grandes poetas do Maranhão, do Brasil, de Portugal e do
mundo. A seleta foi organizada por Benedito Lemos e Geraldo Melo. Para mais
tornar atraente e valorizado o mimo, o Édison Rogério conseguiu a dedicatória
do primeiro autor, datada do ano acima indicado. Em face do meu apreço por
Constelação de Sonhos, mandei, para melhor protegê-la, revesti-la de bela capa
dura azul, adornada por letras douradas.
Pois foi
nesse florilégio poético que encontrei o nome e dois lindos sonetos de o Poeta
das Gaivotas, um justamente titulado Gaivotas, de que lhe adveio o epíteto
literário, e o outro, Cruz de Ouro. Impossível saber se o vate, se vivo
estivesse, gostaria desse cognome; sei que Raimundo Correia, chamado o Poeta
das Pombas, detestava tal designação, embora o soneto, que lhe rendeu essa
alcunha, seja considerado um dos mais belos do Brasil. No livro, antecedendo os
dois poemas, constava apenas o nome Almeida Galhardo e o registro: “P. S.
Biografia desconhecida”.
Tendo
ficado curioso, por causa de um de seus sobrenomes, que associei ao seresteiro
Carlos Galhardo, e pela qualidade dos poemas escolhidos, tratei de ligar ao
velho amigo Antônio Gallas Pimentel, jornalista, escritor e poeta, meu confrade
na Academia Parnaibana de Letras, em virtude de ser ele um grande conhecedor da
literatura maranhense e de haver estudado em São Luís (MA), dita a nova Atenas,
mas também hoje conhecida como a Jamaica brasileira, por causa de seus
talentosos “regueiros”.
Gallas,
entre outras coisas, me disse que o poeta era seu conterrâneo de Tutoia,
falecido em um desastre aéreo, ao pilotar uma pequena aeronave, creio que um
teco-teco. A minha imaginação voou alto, e começou a fantasiar. Fiquei com a
(falsa) impressão de que o poeta fora visitar sua cidade natal e, como as
gaivotas de seu soneto, fizera algumas coreografias aeronáuticas, e terminara
por colidir contra uma bela e grande duna, que ornaria a orla oceânica de sua
então bucólica Tutóia. Mas, assim não foi, conforme mais tarde fiquei sabendo,
e adiante explicarei.
Alguns
anos depois das informações recebidas (e que repassei ao magistrado Édison
Rogério), mais precisamente no dia 09 de outubro deste ano (e sei disso com
precisão por causa da dedicatória), o Antônio Gallas me telefonou e me disse
que se encontrava em Teresina; que conduzia a obra Almeida Galhardo – o Poeta
das Gaivotas, para me ofertar. Combinamos onde nos encontraríamos, e
imediatamente fui recebê-la. O livro contém a biografia do poeta e alguns
poucos poemas a que o autor teve acesso.
Foi
escrito pelo tutoiense José Carlos Ramos, após demorado e cansativo trabalho de
investigação e pesquisa, recorrendo a escassas e esconsas fontes documentais e
à história oral, em que entrevistou alguns conterrâneos e contemporâneos do
poeta, como Antônio José Neves, ex-prefeito de Tutoia, que conheci no final da
década de 1970, como empresário em Parnaíba, proprietário da bucólica e
aconchegante Churrascaria Cajueiro, que frequentei algumas vezes, inclusive no
lançamento de um dos números do jornal literário Querela, dirigido pelo
advogado e escritor Fernando Ferraz, de que fui colaborador.
José
Carlos Ramos (nascido em 17.12.1949 e falecido em 21.08.2017, em Tutóia), não
teve a felicidade de ver a publicação de sua obra, que só foi dada à estampa em
2018. No primeiro prefácio, da lavra de Moisés Abílio, poeta, jornalista e
crítico literário, membro fundador da Academia Pedreirense de Letras, encontro
a seguinte assertiva:
“A obra
de José Carlos é um livro que ousa traçar um real retrato do poeta Almeida
Galhardo, que em alguns fugazes instantes se confundem com dados da própria
biografia do Maranhão.”
Nessa
importante obra biográfica, consta que Galhardo mergulhou na sombra de injusto
esquecimento, consoante é confirmado no exíguo registro de Constelação de
Sonhos, que acima transcrevi. Tanto isso é verdade que, no livro Zoomorfismo
Literário, João Mendonça Cordeiro, ao chamar Galhardo de “gaivota esquecida”,
chega mesmo a dizer que ele “é o mais esquecido” poeta maranhense, que somente
é lembrado em Tutoia, onde nasceu, às duas horas da tarde do dia 2 de dezembro
de 1922. O seu nome não consta nos compêndios de história da literatura
maranhense e nem nas antologias. O livro de José Ramos, portanto, servirá para
o reconhecimento e renascimento literário do grande vate esquecido.
Sem uma
legítima vocação sacerdotal, aos 14 anos de idade, ingressa no Seminário Santo
Antônio, de São Luís, para atender desejo de seus pais. Ainda como seminarista,
em suas visitas à terra natal, foi acometido por forte paixão, ao que parece um
tanto platônica, por Eloísa, dita Isinha.
Mais ou
menos na mesma época, foi visitado por uma nova paixão, desta feita por uma
normalista ludovicense, o que parece revelar a sua inapetência para o clero e
para os votos definitivos de castidade. Não desejava ele, decerto, seguir o
mesmo destino de Junqueira Freire, que, monge e grande poeta, se tornou um
amargurado na vida monacal e, talvez, arrependido pelos votos de castidade que
fizera, já que perpetrou alguns poemas líricos e mesmo sensuais.
Seja como
for, em 1943, aos 21 anos, o poeta abandona o seminário, o que, segundo o seu
biógrafo, provocou profundo desgosto em seus pais, que muito o desejavam ver de
tonsura e batina, como era usual na época. Passou a ser jornalista e fez curso
e treinamento, para seguir sua vocação profissional, no Aeroclube de São Luís.
Tornou-se piloto do Estado do Maranhão. No Aeroclube, foi colega, entre outros,
de José de Ribamar Galhardo e de Augusto Alberto Fontoura Chaves. Suponho que
do primeiro colheu o sobrenome Galhardo, que, juntamente com Almeida, compôs o
seu nome literário; o segundo foi seu companheiro no seu último e trágico voo,
que ceifou a vida de ambos.
O seu
poema Gaivotas parece lhe revelar a vocação de aeronauta e de amante dos voos,
seja na poesia, seja nas asas de um avião. Cruz de Ouro, poema lírico, mas com
algum timbre de erotismo, como aliás ocorre em outros textos poéticos de sua
autoria, é uma prova de que ele não tinha nenhuma vocação para o sacerdócio, e
mormente para professar voto de castidade.
José
Carlos Ramos transcreve vários versos, em que, no seu entendimento, o vate
demonstraria ter uma premonição de sua morte precoce, em virtude de acidente
aeronáutico. Nesse ponto ele se assemelha ao grande poeta piauiense, um dos
maiores do Brasil, Mário Faustino, que tinha infausto e semelhante vaticínio,
e, com efeito, terminou morrendo em trágico acidente aéreo, também jovem como
ele, conforme se pode verificar nos seguintes versos claramente premonitórios:
Sinto que o mês presente me assassina,
Corro despido atrás de um cristo preso,
Cavalheiro gentil que me abomina
E atrai-me ao despudor da luz esquerda
Ao beco de agonia onde me espreita
A morte espacial que me ilumina.
Francisco
das Chagas de Almeida Soares, seu nome completo, faleceu no dia 8 de agosto,
mês considerado aziago, por muitos, do ano de 1948, aos 26 anos incompletos,
quando sobrevoava o povoado Forquilha, em companhia do amigo Alberto Augusto
Fontoura Chaves. O avião, velho e sem boa manutenção, pertencente ao deputado
estadual Januário Figueiredo, veio a cair numa roça. Segundo depreendo do livro
de José Carlos, o motivo desse voo baixo era uma espécie de homenagem ao “pai
de belas moças que Galhardo e Betinho bem conheciam”, que morava nessa
comunidade. Ambos receberam honras fúnebres da Assembleia Legislativa do
Maranhão e da Câmara Municipal de São Luís.
Foram
velados na casa de Fontoura Chaves, que ficava perto de uma fábrica de velas;
quiçá algumas delas tenham iluminado os féretros dos dois amigos. Galhardo foi
sepultado no Cemitério do Gavião, cujo voo majestoso, rápido, seguro e certeiro
o vate das Gaivotas sem dúvida procurara imitar. Nesse campo santo, tocadas de
leve pelo vento, as casuarinas talvez tenham acenado na hora do sepultamento,
e, ao pôr do sol, farfalhando, entoaram chorosa nênia.
Poetas e
escritores como Lisoca Nunes, Malazarte, Lauro Cardoso e Lago Burnett dedicaram
ao poeta morto belas e magoadas elegias e proferiram comoventes palavras. À
beira de seu túmulo, em altissonantes apóstrofes, Fernando Lopes o chamou de
cigarra, de formiga e de condor. E formiga ele o foi, porque mourejou na
imprensa e na aviação; cigarra, cantou seus temas em belos e imortais versos;
condor, a grande ave dos andes, poderá haver sido, em alguns momentos da
aeronáutica e da poesia, ele que talvez tenha desejado ser apenas uma gaivota –
“gaivotas do azul, veleiros do infinito”.
Agora,
com a edição desse livro de José Carlos Ramos, Almeida Galhardo deixará de ser
a “gaivota esquecida”, “o mais esquecido” poeta do Maranhão, para ganhar as grandes
altitudes do reconhecimento público, como na soberba planação de um condor, ou
na elegância do voo de uma gaivota, aves que povoam os seus belos e
imperecíveis poemas e sonetos.
DOIS
SONETOS DE ALMEIDA GALHARDO (*)
Gaivotas
Gaivotas
do azul, veleiros do infinito,
Que
possuis o adeus nas asas de alabastros.
Da
saudade vós sois os luminosos rastros,
Perdidos
na amplidão que extasiado eu fito!
Calmas,
singrais os céus entre a espuma dos astros,
Velas
pandas de amor – pampeiros do meu grito...
Poesias
trazeis como divinos lastros,
Nos
rêmiges de luz mais fortes que o granito!
E vós
singrais os céus, sem rota e sem destino,
Beduínas
vós sois do belo auridivino,
Enchendo
a amplidão de versos e de mitos;
Saúdo-vos
daqui... da tenda do meu sonho,
Sentindo-me
feliz por vos fitar risonho,
Gaivotas
do azul, veleiros do infinito!...
Cruz de Ouro
Sobre o
rendado ebúrneo do teu seio,
Arfar
sentindo o peito alabastrino,
Pendia um
crucifixo de puro ouro fino,
E em
minha dor eu sem querer fitei-o.
Fatal
inveja me feriu, notei-o,
Ao ver o
Cristo pequenino,
Roçar
esse teu peito, altar divino,
E a ideia
de ser Cristo então me veio.
Pequei,
bem sei, em desejar ser tanto,
Em ser o
Cristo divinal e santo,
Que em
teu colo puríssimo se via...
Se nesse
Cristo eu me tornar pudesse,
Seria o
Nazareno da tua prece,
E minha
madalena eu te faria!...
(*) Copiei os dois poemas dos livros Constelação de Sonhos e Almeida
Galhardo – o Poeta das Gaivotas. Fiz rápido cotejo entre os dois para tomar uma
decisão sobre as várias divergências que encontrei. Ainda me vali de uma versão
encontrada no Suplemento Cultural (nº 15) do Diário de São Luís, edição de
12/09/1948, na página em homenagem ao poeta, que encontrei na internet.
Entretanto, reconheço, apenas a verificação atenta dos originais poderia
solucionar os vários conflitos encontrados.
(*) Elmar
Carvalho é poeta, romancista, cronista e membro da APL.
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