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Imagem extraída do Google |
Elmar Carvalho*
Muitos
dizem gostar de passarinhos. Mas os aprisionam numa gaiola. É uma estranha
maneira de gostar, sem dúvida. Quem ama não mata nem maltrata. E isso vale para
os feminicidas e passarinheiros.
Desde
menino minha mãe nos advertia, a mim e a meus irmãos, para que não
maltratássemos os passarinhos e os outros animais. Com efeito, nunca tivemos a
cultura de engaiolar aves, com exceção de um casal de papagaios, que foi dado
de presente a minha mãe, e que ela criou com todo mimo e carinho até seu
falecimento. Os dois louros pareciam felizes, até mesmo no brilho e na
vivacidade do olhar, e nas cantigas festivas que aprenderam a cantar.
A música
“Assum Preto”, cuja letra é de Humberto Teixeira, foi imortalizada pelo genial
Luiz Gonzaga, de sorte que é um dos primeiros libelos contra os maus-tratos aos
animais. Esse pássaro é o nosso conhecido chico-preto, de canto sofisticado e
melodioso. Na canção perpassa o destino cruel dessa ave canora: furavam-lhe os
olhos para que ela assim pudesse cantar mais e melhor. Nela é dito que o Assum Preto
cego vivia solto, mas sem poder voar, e que era preferível “Mil vezes a sina de
uma gaiola / Desde que o céu, ai, pudesse olhar”. Não só olhar, claro, mas
pudesse, livre, leve e solto, voar e planar na dimensão azul e quase infinita
do céu; e pousar nas palmeiras e nas frondosas copas das grandes árvores,
comendo livremente as frutas e sementes que mais lhe apetecessem.
Foi ao
ouvir um comentário televisivo sobre a crueldade de se engaiolar pássaros, que
minha mulher me contou a história comovente que lhe narraram a respeito de uma
vaca. Obviamente eu conhecia a história de uma macaca, que, ao se defrontar com
a espingarda que lhe era apontada, exibiu o filhote que conduzia, não no
intuito de salvar a própria vida, como se ele fora um escudo, mas como se
dissesse ao caçador: “Tenha piedade desse indefeso inocente, que mal começa a
viver... Se você me matar, quem irá cuidar dele?” Consta que o caçador
abandonou para sempre essa atividade.
Sempre
achei que alguns animais, ao menos os que interagem com o homem, têm alguma
espécie de raciocínio e inteligência, não digo sequer inferiores, mas talvez
apenas diferentes dos nossos, que fazemos tantas loucuras e maldades e nos
classificamos como inteligentes e racionais. Para que loucura e maldade maior
do que as guerras étnicas ou religiosas? Que deus aprovaria uma guerra por sua
causa ou por causa de uma simples cor de pele?
Pois
Fátima me repassou, com viva emoção na voz embargada, a seguinte história:
Havia um homem, parente de sua amiga, cuja profissão era matar gado bovino. Era
um verdadeiro carrasco de bois. Às vezes enfileirava várias reses, e as ia
matando uma a uma, uma vendo a antecedente ser abatida. Abro aqui rápido
parêntese: às vezes sinto boiar nos olhos desses animais a névoa de uma
profunda e resignada tristeza.
Também
tenho conhecimento de que quando algum boi morre, os outras, na hora da melancolia
crepuscular, se aproximam do local, e emitem plangentes mugidos, como se
estivessem a prantear, saudosos, o companheiro morto, como se lhe prestassem
uma homenagem póstuma, como nós humanos fazemos através de necrológios e
panegíricos, e do cantochão das “excelências”, às vezes até fingidas e pagas,
como no caso das lamentações das carpideiras. Já ouvi até falar de casos em que
a boiada presta sentida homenagem, com os seus tristes mugidos, a um fazendeiro
ou vaqueiro morto, desde que lhes tivessem estima e amizade.
Numa das
vezes em que o nosso “el matador” bovino cumpria o seu macabro e triste mister,
uma vaca se aproximou dele e dobrou os joelhos dianteiros, como se estivesse,
ajoelhada, a lhe pedir clemência ou perdão por uma culpa que não tinha em sua
natural inocência. Levantou a cara para
ele, e o carrasco pôde ver então o que jamais imaginara poder contemplar: do
rosto da vaca escorriam lágrimas profusas.
O homem,
comovido e cheio de remorso, não cumpriu pela primeira vez o seu dever profissional.
E jurou a si mesmo que, daquele momento em diante, jamais mataria outra rês.
Conseguiu outro emprego, e cumpriu fielmente o seu juramento.
(*)Elmar Carvalho, da Academia Piauiense de Letras, é poeta,
cronista e romancista.
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