sexta-feira, 2 de agosto de 2019

A Primeira Vez




José Pedro Araújo

Antes que alguém seja tomado pela curiosidade, gostaria de antecipar que não trataremos aqui daquelas histórias libidinosas em que os indivíduos costumam contar como foi a sua primeira relação sexual, e que atrai tanto a atenção – ou mesmo a curiosidade - das pessoas. Falaremos do primeiro contato com algumas novidades que chamaram a atenção de um menino interiorano e que hoje são tão comuns na vida das pessoas por serem encontradas em todas as esquinas das cidades. Bobagens, na interpretação de algumas pessoas. Lembro, contudo, que sou um sertanejo, nascido na ribeira do Riacho Firmino, lá no meu velho Curador, cidadezinha que era farta somente em falta de tudo. E cujas novidades aqui descritas se transformaram em acontecimentos notáveis, inesquecíveis.
Dito isto vamos ao objetivo do título acima. Toda criança, seja ela da cidade ou mesmo nascida no povoado mais escondido deste imenso Brasil, conhece uma maçã. Não somente conhece, como já comeu uma. Afinal, junto às frutas conhecidas e mais vendidas de qualquer mercadinho, as maçãs estão expostas em primeiro lugar em um tabuleiro ou prateleira. Pois, para mim, foi diferente. Sem nunca ter posto os pés para fora do Curador, certo dia fui alertado pela minha mãe que uma prima legitima sua acabara de retornar à cidade para passar férias. Como já fazia muitos anos que a prima Olga – era esse seu nome - não retorna à cidade, o fato se transformou em um grande acontecimento.
De minha parte, preciso dizer que eu não sabia de quem se tratava, tantos anos já decorriam desde a sua última estadia entre nós. Fomos visitá-la, então. Deparei-me com uma moça loura, olhos azuis como as águas do mar de Arraial do Cabo, que eu também ainda não conhecida, e uma voz agradável e inconfundível. A prima Olga, que morava por essa época no Pará, mais precisamente na cidade de Breves, nos recebeu com grande alegria. E a visita só foi interrompida quando a minha mãe se lembrou que precisava retornar para casa para concluir o nosso almoço. Antes de sairmos, porém, minha mãe foi presenteada com uma bela maçã embrulhada naquele inconfundível papel de seda azul, fruto que eu só conhecia até então através das fotos postadas nas revistas ou mesmo nos livros infantis. Nem é necessário dizer da nossa imensa alegria. Lembro-me ainda do cheiro que aquela preciosidade espalhava no ar. Inconfundível.
Já em casa, minha mãe partiu aquele maravilhoso mimo em vários pedaços afim de que todos pudessem provar da sua delicia. Fiquei mortificado. Não queria que ela “matasse” aquele fruto tão bonito e que, segundo alguns pregadores cristãos, encantou tanto a Eva que ela botou tudo a perder ao oferecer uma delas ao parceiro Adão. Ficou a lembrança, contudo, na minha mente, já um tanto cheia de tantas outras passagens da vida. Hoje, abro a geladeira, e lá está uma delas, até faz parte de um tipo de dieta!
A mesma coisa aconteceu com o chocolate. O Bombom de chocolate, quero dizer. E aconteceu de maneira parecida. Um tio do meu primo Diolindo, que residia em São Paulo, estava de volta à terrinha para passar férias depois de longos anos de ausência. Naquele tempo o trajeto entre as cidades de São Paulo e Presidente Dutra durava uma eternidade, quase uma semana. Daí as pessoas demorarem tanto a voltar. Esclareça-se que, somente com o tempo gasto para ir e voltar, já se consumia quase todo período de férias de quem tentasse. Mas voltemos à nossa história. Pedro Oliveira, o tio a quem me referia, costumava dar um presente a quem o visitava: um belo bombom de chocolate, envolto naquele bonito e característico papel colorido. Necessário se faz afirmar que eu também não conhecia o tio do meu primo. E que somente me dispus a visitá-lo quando fiquei sabendo que ele estava presenteando suas visitas com aquele bonito regalo. Não tive mais dúvidas, fui também.
Pedro Oliveira também era uma pessoa agradabilíssima, rosto redondo e tez amorenada, alegre e brincalhão, de maneira que quase nos esquecemos da verdadeira razão de estarmos ali. Sim, porque, no meu caso, não possuía eu outro interesse que não o de ganhar um bombom de chocolate, algo que eu nunca havia visto antes.
Preciso esclarecer, ainda, que só conhecia aqueles bombons pequeninos, tão comuns e que eram vendidos nas mercearias pobres do meu lugarejo. O chocolate não, afirmava o meu primo, era um negócio grande, saboroso, e ainda vinha envolto em um papel que se devia guardar para sempre, até para ser usado como marcado de páginas de um livro.
Afinal, para encerrar a história, antes de sairmos, coração palpitando no peito, o nosso Pedro Oliveira pediu que esperássemos um pouco, entrou no quarto, e voltou com dois belos chocolates da Garoto: Serenata de Amor, bem me lembro. Fiquei encantado com o presente e não queria abrir o papel do meu. Pedi ao meu primo que desembrulhasse o seu, pois era o segundo que ele ganhava. Mas ele não me deu moleza. E foi assim que eu tive que, com muita pena, retirar o papel do meu delicioso mimo. Comi a guloseima em mordidas sem conta para não acabar logo. Que delícia. E que lembranças doces! Toddynho, nem lembro!
E o que dizer também quando, certo dia, tomei ciência de que estavam instalando, em um salão ao lado da loja do meu pai, uma sorveteria! Sorveteria somente no nome, pois o que eu me lembro mesmo é que só vendiam picolés. Picolé, em uma época em que também não tínhamos energia elétrica, só conhecia de nome. Ou das fotos encontradas em revistas ou livros didáticos. No dia da inauguração, uma festa se instalou na rua, em frente ao comércio. Acionado o motor com o gerador, aquele trambolho enorme, mais de dois metros de comprimento, começou a funcionar ruidosamente, era a fábrica de picolés que emitia o seu barulho.
Contudo, teríamos que esperar um tempo interminável, acho que umas duas horas ou mais, até que o picolé fosse retirado da salmoura, de dentro daquelas formas metálicas. Foi um acontecimento. Foi também o meu primeiro contato com algo realmente congelado. Não poderia imaginar que isso passaria a fazer parte da minha vida ao ponto de não passarmos sem uma geladeira em casa com os seus gelados. Enquanto isso, o senhor Natal Paulo, o dono do estabelecimento, tinha que justificar a demora e controlar o ímpeto da criançada ávida pelas guloseimas: era preciso esperar que os picolés estivessem congelados, no ponto certo, deu uma aula para nós. Foi um maravilhoso acontecimento quando saquei do bolso o meu dinheiro, paguei o preço cobrado, e sai saboreando aquele troço que me queimava a língua, mesmo sem quente, e fazia doer os dentes. Mas, como era delicioso!
Depois teve o algodão doce e a aquela máquina ultramoderna de fazer com que o açúcar se transformasse naqueles fios leves e doces que se desmanchavam na boca ao primeiro contato com a saliva. Inesquecível. Depois dela, como não acreditar que as fantásticas engenhocas utilizadas pelo herói Buck Rogers não fossem verdadeiras.
E a primeira batata frita, salgadinha e embalada em saquinhos de papel – Acho que foi no Circo que eu primeiro contactei com elas. O chiclete Ping Pong, aquele chocolate pobre, o Zorro;  o primeiro gole de Coca-Cola, um acontecimento. A primeira Cola Guaraná Jesus, o primeiro sanduíche, hein! Voltemos ao Guaraná Jesus. Até o nome dele foi uma surpresa. O seu lançamento veio acompanhado de uma promoção que incendiou o mercado de refrigerantes. Trazia nas tampinhas, no seu lado interno, componentes de uma bicicleta: o quadro, os pneus, os pedais, o guidão, o prato pedaleiro e, por fim, o mais raro, a sela. E quem conseguisse montar a bicicleta completa ganharia uma Monark novinha. Somente no Bar do Paulo Falcão, meu primo, se podia comprar o refrigerante cor-de-rosa. Isso no princípio. Tomei uma infinidade de garrafas do refrigerante e não consegui montar a minha bicicleta. Nem dava tempo de o refrigerante gelar direito, já estávamos pedindo que fosse retirado da geladeira à querosene, pois o objetivo era a tampa, não o líquido. Já tinha gente que ficava esperando para beber o refrigerante que os mais abastados abriam e que não conseguia mais tomar.
Ninguém conseguia encontrar a tal sela. Até ouvimos dizer que alguém, um morador no bairro da Mangueira, havia encontrado a difícil peça, e até que a vendia por um preço quase do tamanho daquele que valia uma bicicleta na loja. Tudo mentira. Ou Fake News, como se diz hoje em dia. Ainda tenho dúvidas se a campanha era séria. Ou melhor, até acho que era séria, mas as tampinhas com a sela eram raríssimas, quase inexistiam.
Contado hoje para os meus filhos, que trombam com essas coisas em qualquer supermercado ou mercearia da cidade, vejo que eles ficam com aquela cara de dúvidas, a se perguntarem se o que eu estou falando é mais uma das minhas histórias fantásticas, quase inverossímeis. Não sabem o que era o Brasil – o mundo mesmo - nos anos 60.
Tem outras coisas. Como a primeira vez em que eu vi o mar na minha frente. A propósito disto, um colega meu de ginásio passou por um verdadeiro bullying quando retornou de São Luís. Tivera o desplante de conhecer o mar antes de nós, e foi alvo de terríveis gozações. A maioria delas, torpes frases, como esta: “encher de água esse açude grande foi fácil, o difícil foi salgar tudo!” Só inveja! Mas essas histórias ficam para outra ocasião.  

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