sábado, 25 de janeiro de 2020

Reminiscências do Cine Paroquial

Espaço à esquerda que abrigava o Cine Paroquial - Foto: Carlos Magno



José Pedro Araújo

Zapeando ontem à noite com o controle remoto pela SKY à procura de algo para me entreter, achei-me no BRASIL TV, um canal pouco visto por mim e, acredito, por muitos assinantes. Estava passando um documentário interessante sobre a antiga Cinelândia Paulista. Criada nos idos anos 40 no chamado centro novo de São Paulo, a Cinelândia Paulista contava com um grande número de salas de cinema em um quadrilátero bem na região da Av. São João com a Ipiranga. O Cinema vivia o seu auge no mundo inteiro, tempo de ouro também da meca do cinema, a Holywood Americana. 
A região recebeu esse nome em uma referência à Cinelândia Carioca, ponto central da cidade do Rio que contava com grande número de salas de cinema e que atraia verdadeiras multidões para aquela glamorizada área. O documentário abordava o início do grande Boom cinematográfico incentivado também pela energia expansionista emanada pela grande metrópole paulista. Transitou pelo seu apogeu, mas, e sobretudo, pelo período da sua derrocada, quando os grandes cinemas perderam a importância e cederam espaço para as grandes lojas, e até mesmo para as inúmeras denominações religiosas. Passaram, até mesmo, a partir de então, a servir para estacionamentos para veículos.
Veio-me à lembrança os dois cinemas que já tivemos no Curador nos anos 60 e 70, fator de grande efervescência, sobretudo para a juventude da época (desde muito não temos nenhum). Sobre o velho Cine Canecão, já tratei aqui nesse espaço. A respeito do Cine Paroquial, seu concorrente, falei muito pouco. E agora, estimulado pelo documentário citado no parágrafo acima, bateu-me saudade das grandes daquela época em que, ainda imberbe, acorria à Praça São Sebastião em busca da diversão certa que os autofalantes postados no alto da torre da igreja matriz, alardeava. Era assim que ficávamos sabendo da novidade que seria projetada naquele dia. Erigidos a poucas centenas da metros um do outro, os dois cinemas competiam nos finais de semana, e faziam verdadeiro alarde através de suas amplificadoras, uma mais potente do que a outra. Enquanto o Samuel Barros, e até mesmo o Ilnar Pacheco, o proprietário do Cine Canecão, esgoelavam-se com as mensagens relativas à ficha técnica dos filmes, tratando até mesmo sobre o estúdio responsável pelo filme, o Zequinha dizia, em poucas palavras, da qualidade da película que iria exibir no Cine Paroquial.  A bem da verdade, os dois cinemas exibiam filmes muito antigos, era comum a quebra das fitas mais de uma vez durante a apresentação.
O Canecão já contava com poltronas individuais, enquanto o Paroquial ainda se utilizava dos bancos estilo de igreja, duros e desconfortáveis. Entretanto, o Paroquial já se utilizava de um piso em rampa, facilitando a visão de quem estava nas fileiras de traz, enquanto o Canecão, no tempo em funcionava em um salão na Praça do Mercado, tinha um piso plano, o que dificultava muito para quem estava atrás, sobretudo se o sujeito da frente possuísse alta estatura. Depois, já no seu prédio próprio, o Canecão corrigiu esse defeito e ainda melhorou consideravelmente o seu sistema de som. Ganhou do concorrente quase sempre.
Apesar disto, o velho Cine Paroquial tinha os seus encantos, sobretudo por ficar localizado bem na praça principal da cidade. Lá assisti muitos filmes que haviam feito sucesso décadas antes, alguns bons clássicos, e que ainda cativava e arrastava um bom público para as suas dependências. O único senão acontecia quando aparecia uma cena de amor com beijo, mesmo aqueles tipo selinho, sem língua, pois nesse momento entrava em ação o vigário, se não me engano Frei Ulderico, para atrapalhar a cena, postando um livro, talvez um missal, defronte da lente impedindo que assistíssemos a esperada demonstração de amor por parte dos dois protagonistas. A plateia não deixava barato e explodia em assobios e reclamações. O padre, nem aí. Na cena seguinte repetia o antipático gesto de censor. Que reclamassem os atrevidinhos. Nada disto, contudo, oblitera as lembranças agradáveis daquelas sessões de cinema no querido cinema pertencente aos Capuchinhos. A maioria ainda exibidos em preto-e-branco, aquelas películas possuíam inegável valor mesmo depois de tantos anos passados desde o seu lançamento.
Havia um verdadeiro clima de festa na cidade e uma preparação prévia até a chegada do momento das exibições. As amplificadoras despejavam músicas lá do alto da torre sobre quem jornadeava na praça, em geral músicas italianas de bom gosto, playlist elaborada pelos padres, originários da velha bota. E o locutor aproveitava os intervalos entre uma música e outra tocada para estimular os futuros clientes, conclamando-os e contando, em ordem decrescente, o tempo que faltava para o início da sessão. O coração se acelerava à medida que a hora ia chegando, e todos corriam para adquirir seus ingressos e escolher lugares que não ficassem muito próximos da tela. Velho Cine Paroquial de tantas e tantas emoções.
Hoje, como aconteceu em quase todos os cantos do mundo, os cinemas estão restritos aos shopping centers e apresentam um nível de conforto e segurança muito maiores para os aficionados pela arte. Os prédios que abrigavam as salas de projeção estão hoje ocupados com outras atividades. No velho Cine Paroquial, por exemplo, funciona hoje o Auditório Santa Clara, utilizado para palestras e conferências, como é possível deduzir da foto que ilustra o presente texto.
Quanto à Cinelândia Paulista, local de funcionamento de mais de uma dezena de salas de cinema, hoje resiste apenas o Cine Marabá, reinaugurado há alguns anos, depois de permanecer desativado e adormecido por longo tempo.
Saudoso Cine Paroquial, em cujo recinto projetamos muitos sonhos ao nos depararmos com cenas na telona que insuflavam a nossa imaginação e faziam avultar os nossos sentidos em direção a um futuro venturoso.  

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