Espaço à esquerda que abrigava o Cine Paroquial - Foto: Carlos Magno
José Pedro Araújo
Zapeando ontem à noite com o
controle remoto pela SKY à procura de algo para me entreter,
achei-me no BRASIL TV, um canal pouco visto por mim e, acredito, por muitos assinantes.
Estava passando um documentário interessante sobre a antiga Cinelândia Paulista.
Criada nos idos anos 40 no chamado centro novo de São Paulo, a Cinelândia Paulista contava
com um grande número de salas de cinema em um quadrilátero bem na região
da Av. São João com a Ipiranga. O Cinema vivia o seu auge no mundo inteiro, tempo de ouro também da meca do cinema, a Holywood Americana.
A
região recebeu esse nome em uma referência à Cinelândia Carioca, ponto central
da cidade do Rio que contava com grande número de salas de cinema e que atraia verdadeiras multidões para aquela glamorizada área. O documentário
abordava o início do grande Boom cinematográfico incentivado também pela energia
expansionista emanada pela grande metrópole paulista. Transitou pelo seu
apogeu, mas, e sobretudo, pelo período da sua derrocada, quando os grandes cinemas
perderam a importância e cederam espaço
para as grandes lojas, e até mesmo para as inúmeras denominações religiosas. Passaram, até mesmo, a partir de então, a
servir para estacionamentos para veículos.
Veio-me à lembrança os dois
cinemas que já tivemos no Curador nos anos 60 e 70, fator de grande efervescência,
sobretudo para a juventude da época (desde muito não temos nenhum). Sobre o velho
Cine Canecão, já tratei aqui nesse espaço. A respeito do Cine Paroquial, seu
concorrente, falei muito pouco. E agora, estimulado pelo documentário citado no
parágrafo acima, bateu-me saudade das grandes daquela época em que, ainda
imberbe, acorria à Praça São Sebastião em busca da diversão certa que os
autofalantes postados no alto da torre da igreja matriz, alardeava. Era assim
que ficávamos sabendo da novidade que seria projetada naquele dia. Erigidos a
poucas centenas da metros um do outro, os dois cinemas competiam nos finais de semana,
e faziam verdadeiro alarde através de suas amplificadoras, uma mais potente do
que a outra. Enquanto o Samuel Barros, e até mesmo o Ilnar Pacheco, o proprietário
do Cine Canecão, esgoelavam-se com as mensagens relativas à ficha técnica dos
filmes, tratando até mesmo sobre o estúdio responsável pelo filme, o Zequinha
dizia, em poucas palavras, da qualidade da película que iria exibir no Cine
Paroquial. A bem da verdade, os dois cinemas
exibiam filmes muito antigos, era comum a quebra das fitas mais de uma vez
durante a apresentação.
O Canecão já contava com
poltronas individuais, enquanto o Paroquial ainda se utilizava dos bancos
estilo de igreja, duros e desconfortáveis. Entretanto, o Paroquial já se utilizava
de um piso em rampa, facilitando a visão de quem estava nas fileiras de traz, enquanto
o Canecão, no tempo em funcionava em um salão na Praça do Mercado, tinha um
piso plano, o que dificultava muito para quem estava atrás, sobretudo se o sujeito
da frente possuísse alta estatura. Depois, já no seu prédio próprio, o Canecão corrigiu
esse defeito e ainda melhorou consideravelmente o seu sistema de som. Ganhou do
concorrente quase sempre.
Apesar disto, o velho Cine
Paroquial tinha os seus encantos, sobretudo por ficar localizado bem na praça
principal da cidade. Lá assisti muitos filmes que haviam feito sucesso décadas
antes, alguns bons clássicos, e que ainda cativava e arrastava um bom público
para as suas dependências. O único senão acontecia quando aparecia uma cena de
amor com beijo, mesmo aqueles tipo selinho, sem língua, pois nesse momento
entrava em ação o vigário, se não me engano Frei Ulderico, para atrapalhar a
cena, postando um livro, talvez um missal, defronte da lente impedindo que assistíssemos
a esperada demonstração de amor por parte dos dois protagonistas. A plateia não
deixava barato e explodia em assobios e reclamações. O padre, nem aí. Na cena
seguinte repetia o antipático gesto de censor. Que reclamassem os atrevidinhos.
Nada disto, contudo, oblitera as lembranças agradáveis daquelas sessões de
cinema no querido cinema pertencente aos Capuchinhos. A maioria ainda exibidos
em preto-e-branco, aquelas películas possuíam inegável valor mesmo depois de
tantos anos passados desde o seu lançamento.
Havia um verdadeiro clima de
festa na cidade e uma preparação prévia até a chegada do momento das exibições.
As amplificadoras despejavam músicas lá do alto da torre sobre quem jornadeava
na praça, em geral músicas italianas de bom gosto, playlist elaborada pelos
padres, originários da velha bota. E o locutor aproveitava os intervalos entre
uma música e outra tocada para estimular os futuros clientes, conclamando-os e
contando, em ordem decrescente, o tempo que faltava para o início da sessão. O
coração se acelerava à medida que a hora ia chegando, e todos corriam para
adquirir seus ingressos e escolher lugares que não ficassem muito próximos da tela.
Velho Cine Paroquial de tantas e tantas emoções.
Hoje, como aconteceu em quase
todos os cantos do mundo, os cinemas estão restritos aos shopping centers e
apresentam um nível de conforto e segurança muito maiores para os aficionados pela
arte. Os prédios que abrigavam as salas de projeção estão hoje ocupados com
outras atividades. No velho Cine Paroquial, por exemplo, funciona hoje o
Auditório Santa Clara, utilizado para palestras e conferências, como é possível
deduzir da foto que ilustra o presente texto.
Quanto à Cinelândia Paulista,
local de funcionamento de mais de uma dezena de salas de cinema, hoje resiste
apenas o Cine Marabá, reinaugurado há alguns anos, depois de permanecer
desativado e adormecido por longo tempo.
Saudoso Cine Paroquial, em cujo
recinto projetamos muitos sonhos ao nos depararmos com cenas na telona que
insuflavam a nossa imaginação e faziam avultar os nossos sentidos em direção a
um futuro venturoso.
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