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(Chico Acoram Araújo)*
1
CHICO TREM foi um tal doido
em que das minhas lembranças,
no meu tempo de menino,
não esqueço
essas andanças
suas, nas ruas de Barras,
era festa pra crianças.
2
Relembro que o Chico Trem,
um homem de meia idade,
carregava um velho saco
cheio de tralhas, sem maldade
e sempre bastante sério
aparecia na cidade.
3
O apelido foi por conta
de que arremedava bem
os sons da “Maria Fumaça”
que ele um dia ouviu do trem
que ele viu em Teresina
pra
São Luís, rio além.
4
Quando o Chico Trem passava,
com seu traje maltrapilho,
a molecada em clamor
gritava pro andarilho:
“apita o trem”? Chico apita:
“piuiii”!
Em estribilho.
5
E repetia: “piuiii”!
Os adultos também riam
até mais
que a garotada.
“Muito engraçado” – diziam!
Canta também lagartixa?
Com gaiatice pediam.
6
O homem com boa vontade,
de pronto cantarolava,
com um semblante nostálgico,
a fábula que narrava
as façanhas de uma pobre
lagartixa
que sonhava.
7
“Lagartixa foi à festa,
em irriba de poldo brabo,
no camim levou uma queda,
quebrou a ponta do rabo.
Arre égua do diabo!
Tu nunca mais quer ir festa
montada
num poldo brabo.
Pra lagartixa ficar boa,
o dotor passou o remédio:
a rapa da asa do morcego,
com o tutano da perna da muriçoca.
Urubupango, pango pango,
urubupango, pango pango”.
8
Como diz um tal ditado:
“de poeta e também louco,
no meu torrão, todo mundo
tem, é bem verdade, um pouco”,
atributos que tem Chico;
quem
duvidar é translouco.
9
De fato, Chico Trem era
sim, um louco trovador
pois, vivia feliz no mundo
da lua. Foi sonhador
para domar seus conflitos
e aliviar sua dor.
10
Podia se dizer que o Chico
Trem era um “onipresente”,
ele em todas paragens
se fazia
muito presente,
apitando seu tal trem
e cantando alegremente:
11
“lagartixa foi a festa
em riba de poldo brabo ...”.
De Cabeceiras a Boa
Hora, onde de cabo a rabo
se via nas povoações
aquele pobre-diabo.
12
Região Marataoan
o andarilho trovador
todo mundo conhecia
pois, era respeitador,
muito discreto, e de paz,
pois queria ser cantador.
13
Via-se ele lá nas Pedrinhas,
bem como na Boa Vista,
no Pequizeiro, no centro,
Rua Grande, e até é vista
a tal criatura em várzeas,
qualquer lugar ruralista.
14
Mas o Chico Trem sumia
da região de repente
por alguma temporada;
ele, alhures, certamente
foi cumprir sua tal sina
de andarilho, bem contente.
15
Mas de repente, olha quem
vem lá? Nosso repentista
está de volta pra terras
do Marataoan. A vista
minha, de longe, viu logo
que era o nosso maquinista.
16
Chico Trem com seu apito
“piuiii”! e vem declamando
“lagartixa foi a festa...
(muito feliz ia cantando)
em riba de poldo brabo ...”,
depois, sozinho falando.
17
Dentre os doidos da cidade:
Manuelão só dizia –
“quem sabe é o Deus e Nossa...”;
Antônio Galvão fazia
gestos assim obscenos
e a turma se divertia;
18
o Gonzaga da Formosa
todo ano, no mês de agosto
vinha atado com correntes
para cidade com gosto,
e rapaziada ria
do maluco assim suposto.
19
Outro louco interessante
em um livro foi citado.
Trata de um tal Minotauro
Barrense, um bem educado,
de um bem tradicional
clã, em Barras destacado.
20
Também nesse mesmo livro
Rua da Glória, o “grã mouro”
Carlos Augusto Monteiro
relata que um tal tesouro
o rapaz fazia buracos
nos morros à cata d’ouro.
21
Relembro-me de alguns "tontos"
e outros tantos bem confesso,
louco cada um do seu jeito,
mas o Chico Trem professo
era o doido predileto,
que só agora me expresso.
22
Chico Trem era poeta,
trovador e repentista
que alegrava a meninada
com suas graças de artista
que lembro neste poema,
pois Deus lhe fez cordelista.
23
Chico Trem outro cordel
ele muito declamava,
mas como era que imoral
mulherada não gostava
pois, suas partes bem íntimas
o louco cantarolava.
24
Com sua deficiência
mental, o Chico Trem pouco
tomava banho, e trocar
as roupas velhas tampouco;
e quando ganhava vestes
novas, com seu “coco” louco
25
as vestia sobre os farrapos
com azedume tão forte
que muito longe as pessoas
sentiam, que de tal sorte
quando ele por lá passava
a catinga era de morte.
26
Certa feita, Monte Filho
nos conta, que o Chico Trem
passou uns dois dias debaixo
de um pé de caju, que bem
tinha só um “maturi”
com sentido que ninguém
27
o derrubasse, e que ali
ficaria até que o fruto
tornasse que bem maduro,
o que foi preciso um bruto
jeito dos familiares
pra tirá-lo do reduto.
28
Monte diz que o repentista
com altivez respondia
quando a galera gritava
bem para ele assim que o via:
‘toma o dinheiro desse homi”,
“mando surrar”, reagia.
29
Monte Filho nos relata,
no seu bom texto, que o nome
correto do Chico Trem
é Francisco e o sobrenome
Rodrigues do Nascimento,
mas a alcunha foi renome.
30
Francisco no interior
do Ceará lá nasceu
no ano de mil novecentos
quinze; e que o jovem desceu
a Serra Grande com todo
seu clã, e o pai resolveu
31
se arranchar nas boas terras
da Fazenda do Barreiros
de Alcides Lages em Barras,
onde os pais como meeiros
viviam que da lavoura,
em hábitos corriqueiros.
32
Aqui termino uma história
de uma grande personagem
que há muito tempo morou
em
Barras, cuja passagem
fez-se figura lendária
por
conta da sua imagem
33
de maltrapilho, e também
de cantador popular,
que sobrevivia de esmolas
das famílias do lugar,
tornando-se
uma figura
inesquecível sem par.
34
A sua mãe Manuela
bem como a irmã o chamavam
pelo nome de Francisco,
parentes o apelidavam
que de Chico Manuela,
mas Chico Trem o aclamavam.
35
O lendário Chico Trem
veio a falecer bem no ano
mil novecentos e oitenta
e cinco bastante insano,
com pneumonia, em Barras,
num estado desumano.
(*)Chico Acoram Araújo é poeta cordelista, cronista e Func. Púb. Federal.
Parabéns Chico Acoram. Você está demais no Cordel. Excelente resgate da história do Chico Trem, um dos
ResponderExcluirprotegidos da Finada Alda. Excelente. Abr
Obrigado, Dr. Almeida. Sou seu discípulo.
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