sábado, 25 de julho de 2020

CHICO TREM - O DOIDO REPENTISTA

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                                                                                    (Chico Acoram Araújo)*

1
CHICO TREM foi um tal doido

em que das minhas lembranças,

no meu tempo de menino,

 não esqueço essas andanças

suas, nas ruas de Barras,

era festa pra crianças.



2

Relembro que o Chico Trem,

um homem de meia idade,

carregava um velho saco

cheio de tralhas, sem maldade

e sempre bastante rio

aparecia na cidade.



3

O apelido foi por conta

de que arremedava bem

os sons da “Maria Fumaça”

que ele um dia ouviu do trem

que ele viu em Teresina  

 pra São Luís, rio além.



4

Quando o Chico Trem passava,

com seu traje maltrapilho,

a molecada em clamor

gritava pro andarilho:

“apita o trem”? Chico apita:

 “piuiii”! Em estribilho.



5

E repetia: “piuiii”!

Os adultos também riam

 até mais que a garotada.

“Muito engraçado” – diziam!

Canta também lagartixa?

Com gaiatice pediam.



6

O homem com boa vontade,

de pronto cantarolava,

com um semblante nostálgico,

a fábula que narrava

as façanhas de uma pobre

 lagartixa que sonhava.



7

“Lagartixa foi à festa,

em irriba de poldo brabo,

no camim levou uma queda,

quebrou a ponta do rabo.

Arre égua do diabo!

Tu nunca mais quer ir festa

 montada num poldo brabo.

Pra lagartixa ficar boa,

o dotor passou o remédio:

a rapa da asa do morcego,

com o tutano da perna da muriçoca.

Urubupango, pango pango,

urubupango, pango pango”.



8

Como diz um tal ditado:

“de poeta e também louco,

no meu torrão, todo mundo

tem, é bem verdade, um pouco”,

atributos que tem Chico;

 quem duvidar é translouco.



9

De fato, Chico Trem era

sim, um louco trovador

pois, vivia feliz no mundo

da lua. Foi sonhador

para domar seus conflitos

e aliviar sua dor.



10

Podia se dizer que o Chico

Trem era um “onipresente”,

ele em todas paragens  

 se fazia muito presente,

apitando seu tal trem

e cantando alegremente:



11

“lagartixa foi a festa

em riba de poldo brabo ...”.

De Cabeceiras a Boa

Hora, onde de cabo a rabo

se via nas povoações

aquele pobre-diabo.



12

Região Marataoan

o andarilho trovador

todo mundo conhecia

pois, era respeitador,

muito discreto, e de paz,

pois queria ser cantador.



13

Via-se ele lá nas Pedrinhas,

bem como na Boa Vista,

no Pequizeiro, no centro,

Rua Grande, e até é vista

a tal criatura em várzeas,

qualquer lugar ruralista.



14

Mas o Chico Trem sumia

da região de repente

por alguma temporada;

ele, alhures, certamente

foi cumprir sua tal sina

de andarilho, bem contente.



15

Mas de repente, olha quem

vem lá? Nosso repentista

está de volta pra terras

do Marataoan. A vista

minha, de longe, viu logo

que era o nosso maquinista.



16

Chico Trem com seu apito

“piuiii”! e vem declamando

“lagartixa foi a festa...

(muito feliz ia cantando)

em riba de poldo brabo ...”,

depois, sozinho falando.



17

Dentre os doidos da cidade:

Manuelão só dizia

“quem sabe é o Deus e Nossa...”;

Antônio Galvão fazia

gestos assim obscenos

e a turma se divertia;



18

o Gonzaga da Formosa

todo ano, no mês de agosto

vinha atado com correntes

para cidade com gosto,

e rapaziada ria

do maluco assim suposto.



19

Outro louco interessante

em um livro foi citado.

Trata de um tal Minotauro

Barrense, um bem educado,

de um bem tradicional

clã, em Barras destacado.



20

Também nesse mesmo livro

Rua da Glória, o “grã mouro”

Carlos Augusto Monteiro

relata que um tal tesouro

o rapaz fazia buracos

nos morros à cata d’ouro.



21

Relembro-me de alguns "tontos"

e outros tantos bem confesso,

louco cada um do seu jeito,

mas o Chico Trem professo

era o doido predileto,

que só agora me expresso.  



22

Chico Trem era poeta,

trovador e repentista

que alegrava a meninada

com suas graças de artista

que lembro neste poema,

pois Deus lhe fez cordelista.



23

Chico Trem outro cordel

ele muito declamava,

mas como era que imoral

mulherada não gostava

pois, suas partes bem íntimas

o louco cantarolava.





24

Com sua deficiência

mental, o Chico Trem pouco

tomava banho, e trocar

as roupas velhas tampouco;

e quando ganhava vestes

novas, com seu “coco” louco



25

as vestia sobre os farrapos

com azedume tão forte

que muito longe as pessoas

sentiam, que de tal sorte

quando ele por lá passava

a catinga era de morte.



26

Certa feita, Monte Filho

nos conta, que o Chico Trem

passou uns dois dias debaixo

de um pé de caju, que bem

tinha só um “maturi

com sentido que ninguém





27

o derrubasse, e que ali

ficaria até que o fruto

tornasse que bem maduro,

o que foi preciso um bruto

jeito dos familiares

pra tirá-lo do reduto.



28

Monte diz que o repentista

com altivez respondia

quando a galera gritava

bem para ele assim que o via:

‘toma o dinheiro desse homi”,

“mando surrar”, reagia.



29

Monte Filho nos relata,

no seu bom texto, que o nome

correto do Chico Trem

é Francisco e o sobrenome

Rodrigues do Nascimento,

mas a alcunha foi renome.



30

Francisco no interior

do Ceará lá nasceu

no ano de mil novecentos

quinze; e que o jovem desceu

a Serra Grande com todo

seu clã, e o pai resolveu



31

se arranchar nas boas terras

da Fazenda do Barreiros

de Alcides Lages em Barras,

onde os pais como meeiros

viviam que da lavoura,

em hábitos corriqueiros.



32

Aqui termino uma hisria

de uma grande personagem

que há muito tempo morou

 em Barras, cuja passagem

fez-se figura lenria

 por conta da sua imagem



33

de maltrapilho, e também

de cantador popular,

que sobrevivia de esmolas

das famílias do lugar,

 tornando-se uma figura

inesquecível sem par.



34

A sua mãe Manuela

bem como a irmã o chamavam

pelo nome de Francisco,

parentes o apelidavam

que de Chico Manuela,

mas Chico Trem o aclamavam.



35

O lendário Chico Trem

veio a falecer bem no ano

mil novecentos e oitenta

e cinco bastante insano,

com pneumonia, em Barras,

num estado desumano.



(*)Chico Acoram Araújo é poeta cordelista, cronista e Func. Púb. Federal.

2 comentários:

  1. Parabéns Chico Acoram. Você está demais no Cordel. Excelente resgate da história do Chico Trem, um dos
    protegidos da Finada Alda. Excelente. Abr

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    1. Chico Acoram Araújo25 de julho de 2020 às 14:03

      Obrigado, Dr. Almeida. Sou seu discípulo.

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