terça-feira, 14 de julho de 2020

JOSÉ ARAÚJO PINHEIRO e os caminhos que trilhou.

Livro de memórias "Meus Caminhos"



José Pedro Araújo
Tenham cuidado quando forem falar de si mesmos para outras pessoas, a vida sempre encontrará uma forma de tirar a prova do que vós dissestes. Acabei de constatar essa assertiva que, se não for inteiramente verdadeira, pelo menos servirá para dar forma e começo ao meu raciocínio, e que tento pôr no papel neste momento. A propósito disto, acho mesmo que o passado sempre dá um jeito de passar, pelo menos uma vez mais, na nossa frente. Só pra conferir. É o que acho, mas aceito argumentos em contrário. E, na maioria das vezes, voltando ao caso, vem para ajustar contas conosco. Para o bem, ou para o mal.
Dias atrás, dentro desse reencontro com o passado, fui surpreendido por uma ligação telefônica vinda de um número que não estava na agenda do meu telefone. Não costumo atender mais a esse tipo de chamada, uma vez que, invariavelmente, é sempre alguém querendo me vender algo que não quero comprar. Entretanto, dessa vez, quebrei a minha lógica imperfeita e atendi. Fiz ótimo negócio. Era alguém que eu não conhecia pessoalmente, mas de quem já ouvira falar algumas vezes. E falar de bem, afirmo. Portanto, para esclarecer, a pessoa que se encontrava na outra ponta da ligação era um parente, o Procurador do Tribunal de Constas do Estado do Piauí, José Araújo Pinheiro Júnior. Cidadão educado, fala mansa, queria me consultar se eu poderia atender a uma ligação do seu pai. É claro que quero e com o maior prazer, foi o que lhe respondi de imediato. José Araújo Pinheiro, disse-lhe, o seu pai, é uma pessoa sobre quem ouvi as melhores referências da parte do meu genitor. E foi, também, de enorme importância no início da vida deste, quando o ajudou a seguir para o Maranhão em busca de trabalho. Ajudou-o com o estímulo de palavras, mas, e principalmente, financeiramente, pois naquele momento meu pai só contava com a vontade de empreender viagem para o destino que iria ter participação decisiva na sua vida futura.
Poucos minutos depois, já estava em contato com o cidadão de quem trato nestas linhas. José Araújo, como é mais conhecido, ligava-me de Simplício Mendes (PI), para conversarmos a respeito do meu pai. Queria saber mais sobre ele. Disse-me que só acompanhou a sua história até o momento em que ele desembarcou do trem da linha Teresina-São Luís em um povoado situado pouco antes de Caxias (MA). Depois disto, nada mais soube da sua vida. Essa história do desembarque do trem, meu pai já havia me contado, e eu a registrei em uma das minhas crônicas.
A seguir, o meu interlocutor me disse que, apesar de parentes próximos, não conhecia o meu pai antes desse encontro em Teresina, lá pelos idos de 1948. E que estavam, os dois, na cidade em busca de emprego. Mas que não lograram êxito, nenhum deles, pois, Teresina, por aquela época, não passava de uma cidade pequena e provincial que pouco ou quase nada poderia oferecer aos próprios filhos do estado. Foi, depois desse revés, que meu pai demonstrou interesse em partir para o Maranhão, e seu primo pensou em voltar para casa, na região de Santa Cruz do Piauí. A história estava confirmada nos seus mínimos detalhes. E o que veio depois, em verdade, foi o que ensejou a ideia desta singela crônica.
Conversamos ao telefone como se já nos conhecêssemos de muito tempo, e no transcorrer dela, falou-me o meu interlocutor que, ao perder a sua companheira de vida, a sua esposa Quinô, resolvera contar a história da sua vida em um livro. Estava, na época, com oitenta e cinco anos e queria que os seus pósteros tivessem ciência das lutas e histórias da sua vida. Disse-lhe que já sabia da existência do seu livro de memórias e até já pedira um exemplar ao seu filho. Ele então me retrucou que havia tomado conhecimento da minha existência quando se deparou com um exemplar do meu livro no qual eu conto a história do velho Curador. Colocou os olhos no nome autor, estampado na capa, e logo ficou com a impressão de que eu poderia ser filho do José, seu primo, com quem convivera durante tão pouco tempo. Foi um reencontro meu com a história do começo difícil da vida do meu pai. No alto dos seus noventa anos, agora completados, José Araújo está ainda com toda sua vitalidade intacta. Voz firme, clara, palavreado objetivo, tive um prazer enorme em entabular conversa com ele durante alguns minutos. E até já marcamos um encontro em uma viagem que pretendo fazer à sua cidade para reencontrar também um tio comum, irmão da minha avó paterna, que por lá reside ainda.
 Nesse mesmo dia, o seu livro de memórias me chegou às mãos. Comecei a lê-lo imediatamente. Sou um aficionado por livros autobiográficos. E nesse caso especifico, a história de vida deste meu parente, muito me interessava. Li-o de um fôlego só. Traduz as memórias de um homem simples, mas lutador; de uma pessoa que se insurgiu contra as poucas opções que dispunham os jovens do seu tempo, e construiu uma vida de lutas, de derrotas, mais, sobretudo, de vitórias à mãos cheias. E ainda teve tempo de construir uma família numerosa – o seu maior legado - sobre a qual pode se orgulhar.
Li, certa vez, uma frase do jornalista e escritor Paulo Francis, que retrata bem a vida de José Araújo, no qual o escritor dizia: Gosto que me leiam e saibam o que acho das coisas. É uma forma de existir. Trabalho é a melhor maneira de escapar da realidade.” A epígrafe traduz, acredito, o que vi no livro do meu parente, intitulado “Meus Caminhos”. Nele é possível ver a história de vida de um homem que nasceu para o trabalho, mas sem descurar do seu próximo; mostra também seus cansaços, a sua determinação, e o seu poder de lutar por um futuro melhor do que o que se descortinava no horizonte. Inteligente, perspicaz, viu que o seu amanhã não estava na lavoura, situada em uma região em que a chuva nunca vem na quantidade e na frequência que as plantas cultivadas pedem. Mudou de direção e partiu para o comércio. Teimoso, parece ser, como de resto são todos os Araújo, mas nunca tentou quebrar o muro que tinha a sua frente dando cabeçadas nele. Preferia usar a prudência e a inteligência para superar barreiras.  
Foi na região em que o industrial piauiense (Antonio José Sampaio) implantou uma indústria de laticínios no final do século XIX, a maior do nordeste na época, e naufragou na sua concepção, que ele resolveu se instalar. Naquele mesmo fatídico local, ele empregou toda a sua energia e destemor para superar grandes desafios: o povoado Campos, situado dentro das Fazendas Estaduais. Ali Araújo passou a administrar o município que nascia e que apresentava todas as dificuldades de uma cidade em formação, atingida ainda pela cruenta falta de invernos regulares. Naqueles anos as rendas municipais eram muito irrisórias, e não dava nem para cobrir o valor da folha de pagamento dos funcionários. O administrador teve que meter a mão no bolso em muitas ocasiões para levar adiante as obras que iniciava e que sabia serem necessárias à população carente. Era desafio para homem nenhum colocar defeito. Mas que ele enfrentou tudo sem receio.
O livro com as suas memórias conta a história da região a partir do momento em que a mesma ficou paralisada no tempo desde quando a fábrica desligou de uma vez por todas as suas máquinas, fechou as suas portas e lançou ao desamparo centenas de famílias que tiravam de lá o seu sustento. Esta parte da história recomeçou exatamente quando José Araújo passou a frequentar a região para participar da feira semanal que se instalava por lá e atraia gente de todas as partes. Nesse tempo, a localidade ainda fazia parte do território de Simplício Mendes. A partir daí a narrativa volta a ser contada, tendo como um dos seus principais protagonista o empreendedor José Araújo.
Contada em uma linguagem acessível, detalhada e ao mesmo tempo simples e sintética, o livro atrai por desnudar a alma de um homem que nunca perdeu a sua capacidade de lutar, almejar, buscar e alcançar novas vitórias. É, por fim, a história de um indivíduo forte, que teve a sua personalidade forjada pela inclemência de uma região dura e que mantém em estado de pobreza a maioria dos que nascem por lá. É a história da vida de um homem que nunca transigiu para poder alcançar o que pretendia, sempre usando a força, o tirocínio e a honestidade como base para atingir seus objetivos.
E como disse Mallarmé, “No fundo, o mundo é feito para acabar num belo livro”.
A história sobre a vida de um homem simples e trabalhador como José Araújo, deu um belo livro. E o autor, no apogeu dos seus noventa anos, continua a bater o ponto diariamente no seu comércio, onde ainda recebe os amigos para falar de política e de novos  projetos que ainda tem em vista.


5 comentários:

  1. Grande José Araújo!!
    Fui agraciada com esse livro maravilhoso!
    O que dizer de Seu Zé Araújo? Simples, homem educador, batalhador, receptivo, honesto.... excelente conselheiro.
    Amizade ímpar!
    Sua admiradora fiel, Silvia Ramos!

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  2. Como faço para adquirir esse livro?
    Morei em Campinas na minha infância

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