segunda-feira, 21 de setembro de 2020

MEU CORAÇÃO ESTÁ SANGRANDO


 

Regia Vitória Feitosa*

 

Como escrever num momento desses? Como me furtar a isso? Meu coração está sangrando, há cinco dias que consigo parar de chorar. Ele era o último de três irmãos, e o único que fez parte da minha vida. Ely saiu de casa quando eu tinha apenas quatro anos, tornei a vê-lo aos dezoito anos, sempre viveu distante, então não criamos vínculo afetivo-fraternal. João Paulo casou-se quando eu tinha nove anos, ficando somente Boanerges, com quem passei resto de minha infância e parte da adolescência. Mas Presidente Dutra era nosso ponto de referência, e sempre nos encontrávamos. Tivemos nossos “arranca-rabos”, nossas divergências, porém nada que rompesse esse vínculo.

Boanerges passou muito tempo longe de Deus. Piorou, quando Ivanilde faleceu e, quarenta e cinco dias após, perdeu Ely naquele trágico acidente, entregando-se totalmente à bebida. Deus, todavia, em sua infinita misericórdia, deu-lhe uma nova esposa, que cedo aceitou o Senhor Jesus e empenhou-se em tirá-lo do vício. Acho que ele faleceu sem saber de todos os tratamentos pelos quais passou, para deixar o fumo e a bebida. Conseguiu. A partir de então, seu vício era um computador, onde trabalhava dia e noite nos seus projetos de construção civil. Tornou-se um homem caseiro, saía somente para administrar as obras que lhe contratavam.

Por várias vezes Boanerges esteve entre a vida e a morte. Certa vez recebeu uma descarga elétrica, quando subia a um poste no sítio onde então morava. Por sorte passou alguém naquela hora que ajudou sua esposa, socorrendo-o. Quebrou vários dentes nesse acidente. Outra vez, construindo a casa de um cunhado, caiu da construção e um vergalhão lhe traspassou à altura das costelas. Mais uma vez Deus o livrara de ter um órgão vital perfurado. E em todas essas circunstâncias eu o fazia entender que Deus o livrara porque ele não estava preparado, falava-lhe das misericórdias de Deus para com sua vida.

Mas quem conviveu com Boanerges nos últimos tempos sabe que ele mudou. Sua Bíblia estava sempre em cima de sua mesa de trabalho. E quando Dona Lindalva reclamava que ele não ia à igreja, Osmarina dizia : “se você subir ao seu escritório, verá que ele está fazendo sua leitura diária e ouvindo seus hinos” – centenas deles, em seu PC.

Eu creio na regeneração do ser humano. Creio sobretudo no poder do sangue de Cristo, nosso Redentor, e no Espírito Santo, que nos convence do pecado, da justiça e do juízo (Jo 16.8) . Creio nas misericórdias do Senhor que são a causa de não sermos consumidos, mas que se renovam a cada manhã (Lm 3.22-23) . Creio no poder da oração, e foi tudo o que fizemos durante todos esses anos em favor da vida de Boanerges. A última coisa que mamãe fez, ao se despedir de Boanerges, foi pedir que ele se ajoelhasse ao lado de sua cama e orou com ele. Creio que Deus ouviu as orações de mamãe, papai, tia Raquel, Tia Francisca, as minhas orações e de tantos quantos intercediam por sua vida. Creio que hoje ele está com o Pai. Deus deu nova chance a Antonio Filho, ao Jaime, e também ao Boanerges, a voltarem ao primeiro amor.

Nesse momento quero agradecer as mensagens e telefonemas recebidos, são bálsamo para a dor lancinante que agora sinto. Obrigada a Dalva, pelo texto enviado, você, perto ou longe, sempre se faz presente nessas horas. Obrigada a Joel, meu pastor, amigo, primo-irmão, por “estar junto” mesmo distanciado em razão dessa pandemia. A todos aqueles que estiveram presentes, que se irmanaram com a nossa dor. Sei que não vai passar assim tão fácil, mas Deus nos dará forças para vencer mais essa. Um dia estaremos todos naquele lar, onde não haverá dor, nem tristeza, porque o Senhor enxugará toda lágrima (Ap 21.4). Temos que dizer como Jó: “O Senhor o deu, o Senhor o tomou, bendito seja o nome do Senhor” (Jó 1.21). Temos que repetir o que disse o profeta Habacuque: “Ainda que a figueira não floresça, nem haja fruto na vide; o produto da oliveira minta e campos não produzam mantimento; as ovelhas sejam arrebatadas do aprisco, e nos currais não haja gado, todavia eu me alegro no Senhor, exulto no Deus da minha salvação”. (Hc 3.17-18). Que Deus abençoe a todos!

(*) Regia Vitória Feitosa é presidutrense, funcionária da Justiça Federal e ex-professora da UFPI

 

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