terça-feira, 27 de outubro de 2020

ELEIÇÕES NA PRESIDENTE DUTRA DO PASSADO: Sangue, Suor, Lágrimas e Fraudes.


José Pedro Araújo

 

Não temos notícia do que acontecia no velho Curador no tempo em que aquele povoado pertencia territorialmente ao município de Barra do Corda. O que sabemos é que por aquele tempo os pleitos eleitorais eram profundamente viciados por quem detinha o poder de mando político, os tais coronéis sertanejos. Deste modo, fica fácil imaginar que o ato de votar era uma atividade meramente protocolar, pois apenas uns poucos instruídos detinham essa capacidade (somente em 1985 os analfabetos adquiriram essa prerrogativa), e, mesmos esses, geralmente formavam um grupo uniforme e sempre ligado aos poderosos que comandavam o destino político do município. E o instruído que se insurgia a ele, passava por maus bocados, quando não sofria violência extremada. Que nos diga o letrado Leão Léda em Grajaú, ou o jornalista Parsondas de Carvalho, naqueles mesmos sertões.

Deste modo, o povoado acabava por se transformar em feudo eleitoral cujo resultado dos votos depositados nas urnas eram bem previsíveis, tal o processo de manipulação e fraude existente. Contudo, mesmo assim, votava quem quisesse, o ato cívico não era obrigatório, e empolgava a poucos. Somente com a Constituição republicana de 1946 o voto passou a ser uma obrigação, além de um dever cívico, mas o diapasão continuou o mesmo. Aliás, somente em 21 países o ato de votar é obrigatório, sendo que 12 deles são sul americanos. Nos Estados Unidos da América, país mais desenvolvido do mundo, em que ocorre neste momento eleições presidenciais, vota quem quer. Daí estarem os interessados no pleito trabalhando intensamente para que o maior número de eleitores compareça às urnas.

  Voltando, contudo, ao nosso chão, devo dizer que quando do primeiro pleito eleitoral, ocorrido para a escolha dos primeiros eleitos no novo município em 1948, já estávamos sob a égide da obrigatoriedade do voto. Do mesmo modo, desde 1945 havia sido restabelecido o regime democrático e reinstituído o voto no país, suspenso desde a implantação do chamado “Estado Novo” por Getúlio Vargas em 1937, cujo governo aboliu o processo eleitoral e acabou com os partidos políticos. Portanto, de 1937 a 1945 ninguém pode votar no velho Curador, como de resto no Brasil inteiro.

Portanto, a título de recordação, de 1944 até o início de 1948, interventores nomeados pelo Governo sediado em São Luís ocuparam o cargo máximo no executivo municipal, e não houve pleito para vereadores. As primeiras eleições municipais se deram em 19 de janeiro do ano de 1948, e as coisas já não funcionavam como no tempo em que os eleitores escolhiam desinteressadamente o candidato da sua preferência, uma vez que aquela autoridade ocuparia a cadeira de prefeito lá na distante sede do município, em Barra do Corda. Agora, não. Os eleitos comandariam os destinos do Curador dali mesmo, convivendo diariamente com a população local.  E além de administrar o orçamento local, escolheriam os funcionários do município. Ai a coisa passou a interessar imensamente ao eleitorado local. A proximidade com a nova autoridade municipal poderia render um emprego público, mesmo que somente o período daquela administração, ou durante o tempo em que aquele grupo político detivesse o poder de mando.

Abro novamente um parêntese para lembrar que somente os servidores públicos concursados passaram a ter estabilidade no emprego com a Constituição de 1934. E mesmo assim, somente após dois anos de permanência no cargo. Quanto aos demais, não concursados, situação vivida pelos funcionários do novo município de Curador, somente após dez anos de efetivo exercício no cargo, adquiririam a estabilidade dos concursados. As autoridades locais tinham completo controle sobre os servidores do município durante a sua administração, portanto. Contratavam e demitiam ao seu talante. Entretanto, como pouquíssimas pessoas possuíam emprego remunerado no novo município, muitos almejavam um cargo público, e isso só era possível se estivesse aliado ao grupo hegemônico.

Foi desse modo que logo nas primeiras eleições para o executivo e o legislativo municipais a coisa começou a pegar fogo. As duas facções políticas que se digladiavam pelo comando do município se utilizaram de métodos não democráticos para atingir os seus objetivos, e se cercaram de grupos armados que semeavam a violência na região. Aconteceram mortes de ambos os lados, pessoas feridas que a custo se salvaram, e até mesmo prefeito defenestrado da cadeira de executivo por não suportar as pressões e a iminência de violência pura e simples, como ocorreu com o segundo eleito, Zeca Freitas.  A presença de jagunços armados pelas ruas da cidade passou a ser um hábito, alguns deles fardados de guarda municipal, aliados do prefeito de plantão. Passou a ser comum os confrontos nas ruas onde as balas voavam sobre as cabeças dos desavisados que insistiam e ir para as ruas.

Anos depois, a violência atingiu o seu auge e candidatos ao cargo máximo no município, além de outros políticos, tombaram sob o efeito das balas assassinas dos adversários. E a morte de um tombado, nunca era apurada de maneira definitiva pela justiça, mas a vingança recaía sobre alguém do lado contrário, e o crime, na ótica dos vingadores, não ficava completamente impune. Foram tempos duros, de muitas lágrimas e sangue derramado, tempos que esperamos ter ficado no passado. Agora os adversários se esgoelam, se descabelam, trocam alguns socos, atacam atém mesmo a honra dos adversários, mas ficam somente nisso. Medo da justiça? Não me é possível afirmar, apesar de que a Dona Justa está muito mais presente junto a comunidade.

Termino relatando um fato grave, mas ao mesmo tempo pitoresco acontecido durante certo pleito eleitoral em Presidente Dutra de tantos acontecimentos. O caso ocorreu em um pleito no qual os eleitores deveriam votar apenas para senador, deputado federal e deputado estadual. Em outros onze estados da federação as eleições também valeriam para a escolha de governador e vice-governador. Governava o município na época o prefeito Adilon Arruda Léda, tendo o senhor Valeriano Américo de Oliveira como vice-prefeito. Eleições acirradas em todo o estado, as Oposições Coligadas (formada pela UDN, PDC e PR), denunciavam diariamente possíveis fraudes organizadas pelo grupo que detinha o governo no estado, chefiado por Vitorino Freire, e que tinha no Palácio dos Leões o governador José Matos de Carvalho. Para a única vaga para o senado, por exemplo, digladiava-se o ex-governador Eugênio Barros contra Hugo da Cunha Machado. As Oposições Coligadas deflagaram uma campanha tão intensa contra o grupo vitorinista pela imprensa, especialmente através do jornal O Combate, que o barulho em volume altíssimo dos ataques ao sistema dominante chegou ao interior do estado e insuflou o debate, mas também a violência, especialmente em municípios como Presidente Dutra em que toda e qualquer eleição se transformava em violentas disputas.

Encerrado o pleito, o juiz que presidia o processo, DR. Herschel de Carvalho, anulou algumas urnas por suspeita de fraude, e, ao término da apuração, seguiu para a capital em um Jeep levando o material para ser entregue ao TRE. Viajava protegido por um pequeno destacamento do 24º BC. Na saída da cidade, em frente à fazenda Santa Maria, a estrada estava obstruída por troncos de madeira e pedras, situação que provocou a paralização do veículo em que ia o juiz. De imediato um grupo de homens encapuçados cercou o Jeep e rendeu todos os ocupantes do veículo lançando mão em alguns malotes. Depois de apreenderem o material do seu interesse, o grupo evadiu-se para o mato e liberou os ocupantes do Jeep para prosseguirem viagem. O jornal oposicionista O Combate estampou na primeira página do noticioso do dia 14.10.56, em letras ditas garrafais, a denúncia redigida pelo Deputado oposicionista Manoel Gomes, um dos mais votados em PK: “Emboscada na Estrada – Capangas da Situação Afrontam a Força Federal e a Justiça Eleitoral”.  Durante vários dias a notícia ganhou as manchetes do jornal. Acusavam o grupo do prefeito pelo ataque à democracia, o surrupio das urnas. O interessante é que os malotes levados continham apenas os mapas da apuração. Os votos e todo o restante do material ficaram com o juiz que elaborou depois novos mapas. Um tremendo fiasco para os atacantes.

O jornal acusava diretamente o Sr. Honorato Gomes, o coletor Antenor Léda, irmão do prefeito, e o senhor Cícero Guarda, além de outros mais, como autores da emboscada. Feita a denúncia pelo juiz ao TRE, voltou a polícia a Presidente Dutra, dias depois, e conduziu os principais acusados para a capital sob coerção. Ao mesmo tempo que o jornal oposicionista atacava o grupo no poder pelo ato, o jornal que o defendia partiu em sua defesa, acusando diretamente o juiz Herschel de Carvalho de conluiou e por práticas fraudulentas no processo eleitoral. O que veio depois, foi o mesmo de sempre: os acusados regressaram a Presidente Dutra, os jornais não tocaram mais no assunto, e tudo voltou ao que era. Pouco tempo depois o deputado Manoel Gomes, autor das denúncias publicadas no jornal O Combate, mudou de lado, e passou a contar com o apoio do grupo político que fora objeto de suas denúncias.

Prefiro os arrastões de hoje, as músicas debochadas, os hits engraçados, as discursões ácidas e até os atos de pugilismo do aqueles tempos terríveis em que a voz que se ouviam era a das armas de fogo. Que as eleições do próximo dia 15 sejam repletas de paz. Carpe Diem!

  

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