segunda-feira, 2 de novembro de 2020

REMINISCÊNCIAS DE VIAGENS – O Relógio dos Beatles

Foto do autor

José Pedro Araújo

Em uma das últimas viagens que fizemos, demos com os costados na bela Barcelona de Gaudi, uma das cidades mais acolhedoras do mundo moderno. Foram inesquecíveis os dias que ali passamos. Nos hospedamos na avenida mais charmosa da cidade, Las Ramblas, ponto central de todos os acontecimentos turísticos da cidade. Naquela artéria regurgitante não se diferencia o dia da noite, pois as pessoas estão sempre em trânsito por ali.  A maioria, somente a passeio, outros à cata de coisas interessantes para ver ou se servir. Las Ramblas é, na verdade, uma belíssima alameda sombreada, em que ótimos restaurantes se servem de tendas na calçada para acolher os caminhantes cansados para degustar seus pratos favoritos, ou simplesmente matar a sede com uma cerveja bem gelada. Ou ainda com um cafezinho forte, revigorante.

No final desta avenida encantadora situa-se um dos pontos mais impressionantes entre tantos que a cidade oferece aos turistas ou apreciadores de belas localidades, e um ótimo lugar para se fazerem algumas belas fotografias para a posteridade: Port Vell. O local faz parte do porto de Barcelona e foi restaurado como parte da renovação urbana da cidade para receber as Olimpíadas de 1992. Contudo, somente ficou completamente pronto em 1994. E ficou incrível. É um lugar belíssimo e que atrai muita gente que para lá vão com o intuito de se divertir. Port Vell abriga também uma bela marina em que é possível ver lindas embarcações pertencentes aos ricos do país, especialmente às estrelas do clube de futebol Barcelona.

Tivemos notícia de que lá também se instalava nos finais de semana uma simpática feirinha em que eram comercializados belos suvenires, e para lá nos deslocamos ainda no começo da manhã. A proposta inicial era aproveitar a hora para um belo passeio de Catamarã pelas águas daquela baia linda de se ver. Deslumbrados com o que vimos, meio que esquecemos do passeio de barco e começamos a bater pernas por lá. Era tanta coisa bonita para se ver que preferimos desfrutar do local em terra mesmo. Durante a caminhada, passamos em frente às barraquinhas que estavam sendo montadas naquela hora pelos feirantes. E logo no princípio dela, fomos abordados por um jovem feirante que reconheceu os brasileiros em razão da algazarra que faziam. Tratava-se de um argentino, tomamos conhecimento disso logo depois. Diferente do europeu, sisudo, de poucas palavras, o argentino também é expansivo, gosta de conversar com estranhos, como todo sul americano. Faz parte de um povo muito simpático, enfim.

O jovem logo nos atraiu para a sua barraca, demonstrava uma felicidade sem tamanho ao encontrar os vizinhos. Atraiu-nos com a sua lábia, e foi logo dizendo que antes de vir para Barcelona havia estado no Nordeste brasileiro, terminando a sua viagem nas praias baianas. Quando lhe informamos que éramos do Piauí e do Maranhão, ele foi logo dizendo que na sua próxima ida ao país, gostaria de conhecer Barra Grande, no Piauí e os Lençóis maranhenses. Que adorava Barcelona, onde já se encontrava havia seis meses, mas o povo era muito diferente do nosso, mais fechado, e não dava muita abertura para os sul-americanos; que nos olhavam de cima para baixo, como se fossemos ainda colonizados de suas colônias d’além-mar.

Enfim, tratava-se de um exemplar pronto e acabado de cidadão argentino, alegre, expansivo, conversador e furão. Furão como todo viandante. Logo estávamos apreciando o seu produto. Tratava-se de algumas peças artesanais bem criativas, manufaturas da sua lavra, ou da alguns outros amigos. Logo me encantei com alguns relógios de parede bem interessantes, como o da fotografia que emoldura a presente crônica. Todas as obras haviam sido trabalhadas a partir de discos de vinil pertencentes a diversas bandas de rock famosas. E isso me atraiu logo de cara. Achei o trabalho bem criativo, e uma lembrança muito útil também.

Em instantes estávamos discutindo o preço da peça. O Argentino começou dizendo que vendia aqueles relógios de parede por 50 EUR, mas, como estava ainda no começo da feira, e ele precisava de grana para o seu almoço, deixaria para mim por 40 euros. Agradei-me de cara da peça que ilustrava a imagem famosa dos Beatles atravessando a faixa da rua Abbey Road, foto icônica que completou cinquenta anos recentemente. Resolvi, contudo, negociar. Nas nossas discussões, afirmou-me o feirante que a obra era mais valorizada por que o disco em que ele havia trabalhado a sua arte era original, e custava caro no mercado. Não acreditei na originalidade do vinil, mas o selo com a ilustração da maçã verde, símbolo da gravadora Apple, estava perfeito, e pertencia a uma coletânea dos quatro rapazes de Liverpool, com alguns de seus maiores sucessos. Não era propriamente o disco Abbey Road de 1969, mas havia sido trabalhado pelo artista com recortes no vinil, e ilustrava a passagem dos Beatles sobre a faixa da rua famosa.  Olhem novamente a foto acima e me digam se não ficou muito legal.

Pois bem, entre as inúmeras lembranças que trouxe de minhas viagens, é essa a que me toca mais, e é também uma das mais úteis. Gosto de trazer abridores de garrafa com imã para afixar na porta da geladeira, mas é esse relógio que consulto diariamente por estar postado na parede do meu escritório. A minha mulher não vê muita coisa nele, mas eu o acho um símbolo daquela viagem, e, todas as vezes que o contemplo, vem à minha lembrança as delícias daquela viagem impactante. Barcelona é o que há de mais atraente entre as cidades por onde passei, rivalizando com Roma, Firenze, Porto, além de outras mais.   

Encerro dizendo que paguei, depois de muito pechinchar, vinte e cinco euros pelo relógio. Fiquei feliz e até achei que havia levado vantagem sobre o esperto portenho. Entretanto, logo mais à frente, uma das nossas colegas de viagem me falou que havia adquiro a sua peça artesanal por vinte euros. O meu orgulho de negociante foi do céu à terra em segundos. Mas logo voltou a inflar um pouco, pois a mulher, que havia adquirido um relógio trabalhado em um vinil da banda Creedence Clearwater Revival, queria por que queria trocá-lo pelo meu dos Beatles. A muito custo mantive o meu souvenir com a imagem da minha banda favorita atravessando a rua Abbey Road, em Londres.

 

Port Vell - Barcelona
 

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