sexta-feira, 25 de junho de 2021

Nem caminhando e cantando, nem vendo a banda passar.


 

Bruno Giordano de S. Araújo(*)

Esses dias acabei precisando usar o carro do meu velho pai, e de quebra recebi um Pendrive cheio de músicas (sim, em épocas de streaming, ele ainda prefere sua própria seleção fixa e praticamente imutável) espetado na USB e pronto para gritar assim que o veículo fosse acionado. Por muitas vezes só escutei as primeiras estrofes de clássicos da MPB até que o pareamento do Bluetooth fosse concluído e assim pudesse voltar para meu confiável Rock n’ Roll. Porém o avanço da tecnologia também encontra suas limitações e uma delas é o tamanho das baterias. E para não ficar na solidão da monotonia do trânsito em um momento de esgotamento de meu smartphone, me permiti realizar busca no até então rejeitado Pendrive.

E lá fui surpreendido por algumas coisas: primeiro, tenho também me engessado musicalmente, escutando sempre minhas bandas favoritas de forma reiterada. Não é à toa que a lista anual do Spotify das músicas mais escutadas por mim é sempre a mesma. Pelo jeito apenas não uso o Pendrive, mas minha lista está gravada em pedra; segundo, eu não sabia que sentia falta de escutar as grandes músicas da nossa MPB. Caetano, Chico, Gil, Luís Gonzaga, dentre vários outros, foram se revezando e me levando a refletir sobre obras que a muito eu não visitava.

Musicalidade diferenciada, criatividade latente e letras reflexivas. Ao escutar os clássicos como “A Banda”, “Alegria, Alegria” “Apesar de você” me lembrei de idas para o interior de meus avós, argumentando com meu Pai que “música é que tocam os Beatles, ACDC, Guns n’ Roses” (coisas de adolescente querendo se afirmar) enquanto ele argumentava que “aquelas músicas marcaram para sempre uma geração que lutava por suas liberdades individuais, aqueles versos foram escritos com sangue”. A sutileza em suas estrofes driblava a inquisição ditatorial para simplesmente cobrar ou anunciar um país melhor. Verifiquei que faltava espaço para tantos clássicos naquele pequeno Pendrive: onde estavam “Construção, Roda Viva, Pra não dizer que não falei das flores”?

Pois bem. Estamos em 2021, ano da pandemia. Ano de quase meio milhões de mortos por um vírus que ninguém sabe como tratar. Entre beberagens, garrafadas, vermífugos e uma vacinação lenta, continuam a morrer pessoas. Acreditei que as máscaras, usadas por médicos desde o nascimento da medicina moderna, seriam unanimidade. Não são. E os grandes “heróis” da música nacional veem exaltação à época da ditadura militar, agora chamada de revolução. Nossos músicos, chamados de geniais durante todo meu ensino médio, agora são vampiros do Estado por causa da lei Rouanet. Todo seu exílio, suas torturas, suas cicatrizes tratadas com descaso, e suas opiniões descaracterizadas por seus posicionamentos políticos. Qualquer opinião contrária já é motivo para discussão. Familiares em pé de guerra apenas por discordarem. Amizades afastadas por estarem fora da bolha das redes sociais. Políticos elevados a categorias de Messias (com o perdão do trocadilho).

Em meio a opiniões binárias sobre tudo (acredite: em 2021 ainda existem esses tipos), onde a história é reescrita por quem grita mais alto, onde discordar se tornou uma ofensa irretratável, fico a perguntar como nossa sociedade será retratada daqui a 50 anos (ou por historiadores, ou em caso de nossa extinção, por alienígenas – outra discursão). O que falarão de Chico, Caetano e Milton, ou se só falarão de Anita, Kevinho e Porchat. O livro de português continuará trazendo músicas da Tropicália ou será uma cartilha militar? E não, não sou esquerdista, lulista, esquerdopata, mortadela ou algo do tipo. Muito menos do grupo da direita conservadora, bolsominion ou coxinha. Como a vida não é uma prateleira de supermercado, prefiro não ser rotulado. Estou me dando ao luxo de às vezes divergir e às vezes concordar. Penso que sempre devemos buscar algo melhor, mesmo se já estiver bom. Gosto de refletir e ter opinião. Não tenho opinião formada sobre tudo.

Pronto... o telefone está carregado. Agora, vamos de Foo Fighters ou de IronMaiden?

(*) Bruno Giordano de Sousa Araújo é advogado, Assessor de Investimentos e sócio da empresa Perfil Investimentos.

5 comentários:

  1. Que texto! Sensato,leve e profundo.
    Achei interessantíssimo a discrição na opinião, opinou com sutileza. Eu entendi.
    Parabéns, Bruno.

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  2. Um belo texto sobre os complicados momentos da política no nosso amado país. O Brasil só não é uma grande potência por causa dos políticos espertalhões, os lesas-pátrias; os canalhas da República.
    Gostei muito do estilo e concisão da escrita do jovem e promissor escritor. Cuida-te Dr. Araújo! O filhote tem futuro na seara literária. Parabéns Bruno.

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  3. Ótimo texto! Também sou mais um apreciador das playlists do pendrive do nosso pai! Vai do Rock clássico até o forró! rsrs

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  4. Eu prefiro ser surpreendida com as escolhas do algoritmo com base nas minhas preferências. Hoje,por exemplo, fui apresentada a "Leve e Suave" de Lenine:
    Há de ser leve
    Um levar suave
    Nada que entrave
    Nossa vida breve
    Tudo que me atreve

    A seguir de fato
    O caminho exato
    Da delicadeza
    E ter a certeza
    De viver no afeto
    Só viver no afeto


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  5. Percuciente e lúcido. Divisão, ditadura, tortura, exílio? Fora!

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