quinta-feira, 9 de junho de 2022

Goleiro, não!

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José Pedro Araújo(*)

Todo garoto que gosta de futebol, já teve o seu estádio no qual batia a sua bolinha com ânsia e determinação. E se ainda  lembrar muito bem, vai recordar que os momentos que antecediam a escalação dos times eram de grande suspense, pois na escolha dos craques, dos dois lados, primeiro eram chamados os melhores. Depois os mais ou menos e, por fim, aqueles que não tinham, por assim dizer, muita intimidade com a pelota. Para estes, deixados para o fim das escolhas, sobrava ainda a vaga de goleiro, ou mesmo a de reserva. E neste último caso, poderia nem entrar no jogo, uma vez que ninguém queria deixar o campo para que um deles pudesse entrar. Assim, quando ia chegando ao final da escolha dos dois times, batia uma ânsia e um desespero tão grandes que nos deixava possessos. Bom, era normalmente assim que acontecia, menos para o dono da bola, é claro. Esse, normalmente, era um dos que escolhiam o seu time, apesar de muitas vezes ser um tremendo perna-de-pau. Digo isso com a autoridade de quem já esteve nessas situações: de não ser escolhido para nenhum dos times, também de ser escalado para o gol, ou mesmo por ser o dono da bola, escolher o meu próprio escrete. E nas vezes em era chamado para o gol, revoltava-me e dizia em alto e bom som: para o gol, não. Prefiro não jogar!

O nosso campo de jogo era na praça Diogo Soares, ali ao lado do Othon Hotel, que de praça mesmo só tinha o nome, pois se trava de um quadrilátero bem extenso e plano no qual crescia uma grama bem vistosa. A bem da verdade, a “grama” era aquela gramínea grossa também conhecida como “capim-de-burro”, e não a tal grama Bermuda, aquela que forma um tapete verdinho nos melhore estádios do mundo. E como jogávamos descalços, não eram poucas as vezes que saíamos de campo com alguns cortes nos pés, dado o caráter grosso e afiado das folhas e pecíolos do nosso “tapete” verde. Contudo, o pior mesmo era competir com os animais vadios que teimavam em pastar por ali. Algumas vacas até dormiam por lá, e quando chegávamos para o jogo, tínhamos que limpar a cancha, retirando dezenas das fezes que os bovinos deixavam espalhadas por lá. Era um suplício, pois muitos dos craques não queriam se envolver em atividade tão vexatória para um grande jogador. E tinha também aqueles que executavam mal a sua tarefa, e deixavam um montículo de fezes aqui e outro acolá, provocando escorregões e até quedas dos nossos futebolistas. Aqui abro um parêntese para contar um exemplo do que estou afirmando. Em um certo jogo importante, no qual recebíamos a visita do time da rua do Campo e Praça do Mercado, nosso adversário mais ferrenho, e um primo meu, não muito habilidoso com a pelota nos pés, sou forçado a afirmar, corria com ela dominada pela lateral do campo, quando pisou em um grande monte de fezes deixado ali por alguma vaca inimiga, e caiu com a cara exatamente no monte de cocô seguinte. Foi uma coisa pavorosa, um espetáculo dantesco, pois o pobre jogador se levantou com a cara toda suja de excremento, provocando sorrisos nos adversários, e até mesmo em algum companheiro de time. Foi o momento mais terrível, provavelmente, em toda a carreira futebolística do nosso voluntarioso jogador, tenho certeza. Uma vez que ele abandonou o campo de jogo humilhado e não me lembro mais de tê-lo visto correndo atrás da bola no nosso estádio tão desrespeitado pelos animais concorrentes. Aliás, aqueles bichos tinham a cidade inteira para escolher um lugar para chamarem de seu, pois havia naquele tempo uma liberdade ou liberalidade exagerada das nossas  autoridades constituídas, e eles podiam vagar e até mesmo escolher a Praça da Matriz, a mais importante da cidade, para pastar ou fazer as suas necessidades fisiológicas. Mas não, tinha que ser no Estádio Diogo Soares. Vai entender!

Mas ai, um dos nossos prefeitos fez a doação de quase toda a área da dita praça para alguns correligionários seus construírem suas residências, ao invés de transformar aquele interessante espaço em uma área de lazer para a comunidade. E foi assim que desapareceu melancolicamente o nosso grande estádio, local onde disputamos monumentais pelejas que nos levavam a sonhar com dias melhores defendendo clubes bem mais conhecidos. Credito a isto, mesmo, o fato deste sofrível meia-esquerda não ter prosperado como estrela de um grande time brasileiro. Isso é tão verdadeiro, que craques admirados como o nosso Caíca, o jogador mais habilidoso que conheci nos meus tempos de craque iniciante, se desinteressasse pela prática do esporte bretão e fosse em busca de profissões menos lucrativas ou glamourosas. O Caíca, aliás, era uma estrela de primeira grandeza, um jogador habilidosíssimo com a bola nos pés que fazia o que queria com ela. E triste daquele adversário que tentasse retirar a pelota do seu controle. Aquele, invariavelmente, tomaria um baile, como dizíamos na época, correndo mesmo o risco de fazer papel de bobo ou de levar uma bola entre as pernas, a tão conhecida caneta. Mas o Caíca, como toda estrela, fazia corpo mole para entrar em campo, e nessas horas tínhamos que adulá-lo até o limite da nossa paciência para fazer com que ele entrasse para jogar. Entretanto, depois que entrava e recebia a primeira bola, não queria mais deixar que ninguém tocasse nela. O espírito de Garrincha, ou de Pelé, tomava conta do seu eu preguiçoso e o deixava endiabrado. Grande Caíca, o esporte brasileiro perdeu um grande talento em decorrência dessa sua falta de garra para prosseguir na profissão. Ou mesmo por terem acabado com o estádio em que praticávamos o nosso joguinho de todos os dias, fizesse sol ou chuva.

Mas, como ia dizendo, quando iniciei este texto, por diversas vezes me neguei a ocupar o espaço que entendia ser indesejado debaixo das traves. Ou melhor dizendo, entre duas pedras, dois tijolos, ou mesmo dois chinelos, à guisa de traves. Ser mandado para formar no gol era ser chamado de perna-de-pau, pois somente era escolhido para aquela posição quem era o pior do grupo. E foi por isso, também, que passei a ser sempre o dono de uma bola. Pois, jogar de goleiro, nem pra fazer favor! 

(*) José Pedro Araújo, é engenheiro agrônomo, funcionário publico aposentado, historiador, cronista, romancista, e coordenador do blog Folhas Avulsas.   

3 comentários:

  1. Caro José Pedro, eu também não tinha essas habilidades para jogar na "linha", como se chamava os atacantes. Linha de ataque. Designado para o gol, tornei-me um bom goleiro.

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    1. Tenho um amigo que foi um grande goleiro também e chegou a seleção dos magistrados do Piauí. Já me desculpei com ele e agora faço isso com você.Ahahah!

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  2. Sabia que eu cheguei a treinar no Piauí na sua antiga sede que ficava Av. Presidente Kennedy? Na época o treinador era o competente Ênio Silva.
    Aí fui nomeado, por concurso público, para ocupar o cargo datilógrafo no INCRA, em janeiro de 1976. Foi o fim de minha carreira de futebol profissional. (Rsrs).

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