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Fotografia meramente ilustrativa |
José Pedro Araújo (*)
Festejos juninos e nordeste estão tão imbricados quanto o amor e a alegria, o sol e o dia, a chuva e as colheitas fartas. E uniram-se para sempre, desde quando os colonizadores chegaram por aqui e fincaram uma cruz de madeira em Santa Cruz Cabrália. E, juntamente com o hábito de rezar, trouxeram o costume de festejar o lado mundano também. Deve ter acontecido assim, pois é na mesma região em que os portugueses encostaram as suas naus, que as festividades juninas oferecidas aos santos festeiros no mês de junho, são comemoradas com mais afinco e tradição. No Nordeste, por conseguinte, festejo junino tem mais peso em meio à população do que o próprio carnaval. Os ritmos, as roupas coloridas, os chapéus enfeitados de fitas e lantejoulas, as toadas em todos os sotaques, aqui são a alegria em estado mais puro, e acontece sempre em torno do brilho ofuscante das fogueiras e sob o estrondo dos foguetes e dos arcabuzes.
No velho Curador não poderia ser diferente, mesmo sendo um nordeste coladinho ao norte, fronteiriço entre as duas regiões. Desde tempos imemoriais, os nordestino que chegaram à região, e fincaram suas moradas, abandonavam momentaneamente os seus afazeres domésticos, os seus roçados e demais lidas diárias, para aquecerem o couro da zabumba, afinar o som dos acordeões e arear e dá brilho ao triângulo, deixando-os prontos para, nas mãos do trio costumeiro, encantar a todos com o seu ritmo, seus cânticos e aboios. E, enquanto isto, o restante dos brincantes vestia suas fantasias com brilhos variados e, em círculos móveis e constantes, arrastavam os pés na poeira das ruas desnudas de calçamento, nos becos e nas praças. A cidade inteira transformava-se em uma grande festa, sob a claridade das fogueiras e o espocar dos fogos de artifícios que iluminavam o céu com rajas coloridas.
Nos anos ao qual me refiro, as ruas não eram calçadas, e cada família montava a sua própria fogueira na frente da sua residência, arrumavam as cadeiras na calçada e inundavam a noite com a alegria incontida dos brincantes. Alguns até cobriam a rua com bandeirinhas coloridas atadas em barbantes esticados de um lado ao outro da rua. Naqueles momentos, na rua Grande, enfileiravam-se um sem número de fogueiras acesas que acompanhavam o traçado sinuoso da rua seguindo em direção ao largo da igreja matriz. Isso acontecia durante as noites em que eram homenageados Santo Antonio, São João e São Pedro. Alguns moradores mais animados, instalavam uma vitrola em uma mesa postada também na calçada e botavam para rodar um vinil do grande Luís Gonzaga, enquanto iam ingerindo tragos de uma cachacinha da região, ou mesmo do conhecido conhaque São João da Barra. E quando a voz do Gonzagão inundava a rua, animando a noite já colorida, as pessoas deixavam de lado todas as suas preocupações e apertos e botavam para fora toda a alegria de que estavam contagiados.
Ainda criança, deliciava-me com esse movimento alegre que tomava conta da cidade naqueles momentos de pura euforia. Meu pai nos municiava com alguns traques e nós saíamos atirando-os acesos pela rua, deliciando-nos com o seu pequeno estrondo. Aliás, muito antes, ao aproximar-se a noite, a movimentação ia num crescendo à medida que chegava a hora de se colocarem fogo na madeira empilhada na porta das casas. Havia até uma certa competição para se saber quem fazia a maior fogueira, ou aquela que durava mais tempo acesa. E quando o sol se escondia e a noite encobria de negro a rua, por aquele tempo sem energia elétrica, o brilho das chamas ia tomando conta e clareava tudo em volta. As pessoas deixavam suas casas e começavam a transitar de um lado para o outro; os traques, as bombas, as girândolas e os fogos de artifícios inundavam o espaço com o seu brilho alaranjado e barulho característico. Era chegada a hora do clímax. E isso durava até que as chama das fogueiras começassem a diminuir, a madeira sendo transformada em brasa viva ou em cinza, e o negror voltasse a tomar conta do espaço. Era chegada a hora de se colocarem as batatas doces para assar sob o braseiro. Mas era também naquele momento que grupos de jovens desciam a rua com espetos nas mãos e, ao menor descuido dos donos das fogueiras, vasculhavam as brasas em busca desses tubérculos. E se conseguiam espetar as batatas, e quando as pessoas tardiamente reagiam, eles já iam longe, carregando o produto do saque em tremenda algazarra. Esse tipo de pilhagem terminou se incorporando ao costume local, assim como o furto das galinhas no período da semana santa. O que era uma ação de pilhagem para os donos das batatas, constituía-se em uma brincadeira sem culpa para a meninada. E assim, as comemorações que tiveram início com o propósito único de prestar homenagem aos ditos santos festeiros, incorporava mais uma ação que andava longe da santidade, associando-se ao mundano rala-bucho do forró, a ingestão de cachaça sem controle, além de uma série de outras coisas que nada tinham de sacras, mas que animavam a comunidade naqueles momentos. Isso aconteceu até que calçaram as ruas e proibiram-se as fogueiras nas ruas.
Certo dia, correu de boca-em-boca uma novidade na cidade. O comerciante Cobra-preta estava organizando a primeira apresentação de Bumba-meu-boi na cidade. Como já falei nesse espaço em uma crônica aqui publicada, o Bumba-meu-boi é praticado intensamente na ilha de São Luís e adjacências. Enquanto isso, nos sertões mais distantes, é o forró, e as quadrilhas, quem dão o tom da animação durante os festejos juninos. Tudo isso por conta dos costumes trazidos pelos nordestinos que vieram para a região, originados de estados mais ao leste, como o Piauí, o Ceará, Pernambuco, dentre outros. Nestes, a quadrilha, e o forró, dominam os festejos. Deste modo, quando a novidade sobre o Boi se espalhou pela cidade, todos se encheram de curiosidade para conhecer a festa popular que tanto encantamento leva ao povo da capital. Cobra-preta, foi também o criador do maior bloco carnavalesco que já existente na cidade. Era um animador cultural de grande talento na arte da organização de eventos populares de grande porte. E na introdução do bumba-meu-boi no Curador não foi diferente. Durante dias e dias, até mesmo alunos do Ginásio Presidente Dutra, gazeavam as aulas para irem assistir aos ensaios do primeiro grupo de Bumba-meu-Boi da cidade. A importância dessa manifestação cultural foi, anos depois, reconhecida pela UNESCO, como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade. E nós, por aquela época, estávamos ingressado no reino de encantamento da verdadeira cultura maranhense com a introdução de mais uma manifestação junina na cidade.
(*) José
Pedro Araújo, é engenheiro agrônomo, funcionário publico aposentado,
historiador, cronista, romancista, e coordenador do blog Folhas Avulsas.
Que bela crônica, meu , aeamigo.
ResponderExcluirAqui para nossas bandas, baixada maranhese, o Bumba Meu é a brincadeira mais praticada no período junino. São vários sotaques, produto das mutações culturais.
São João é isso, multiplicidade de folguedos, várias matizes de ritmos e variadas brincadeiras. Salve a riqueza cultural nordestina!
Viva São João!
Sou um fazedor de Toadas que adora as alegrias juninas.
Bumba Meu Boi
ResponderExcluirQue bela crônica, meu amigo.
Obrigado, meu amigo. Você é dos bons na luta para engrandecer a cultura maranhense, no que ela tem de mais importante.
ResponderExcluirParabéns pela iniciativa e talento para escrita da oportuna crônica, caro amigo.
ResponderExcluirParabéns! Saudades!
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