Gravura de Spix & Martius |
José Pedro Araújo.
A abertura dos portos
no Brasil aos estrangeiros, fato ocorrido após a chegada da família real em
terras brasileiras, marcou também a vinda de uma leva de naturalistas ao país.
Curiosos em desvendar os mistérios da exuberante fauna brasileira, mas também da
flora majestosa que tanto atraía os estrangeiros, esses cientistas devassaram o
país. Antes impedidos pelos dominadores portugueses de adentrarem ao novo mundo
devido ao fechamento do território nacional aos estrangeiros, a abertura dos
portos foi uma grande notícia que encheu de júbilo o mundo científico mundial.
A esposa austríaca do Príncipe Dom Pedro, Arquiduquesa Leopoldina, trouxe para
o país um séquito composto por muitos naturalistas, abrindo as portas do país à
visitação de muitos e renomados cientistas.
Alguns deles passaram
pelo Piauí, entre estes Carl Friedriche Philipp von Martius e Johan B. von
Spix, que empreenderam viagem de reconhecimento da fauna e da flora brasileira
em árdua jornada desde Salvador, na Bahia, passando por Oeiras, neste estado,
pelo caminho conhecido como Estrada Real do Gado. Por esta via de acesso, equivalente
a um simples caminho, circulavam as boiadas que saiam do Piauí com destino à
feira de Capoame, nas proximidades da capital baiana. Transcorria o ano de 1818
e, na companhia de expressiva comitiva, carregando no lombo de burros pesada
bagagem, partiram aqueles cientistas desde Salvador no dia 26 de fevereiro,
acomodados em uma rude embarcação que os levaria até a vila de Cachoeira,
inicio do penoso percurso. E já no dia seguinte, segundo seus próprios relatos,
tomaram a estrada “de Capoeirussu, que
segue a oeste e nordeste, na Comarca de Jacobina, e para a Estrada Real do
Gado, por onde são tocadas as boiadas do Piauí(Spix e Martius, pág. 219).
Nos dias seguintes, a
trupe passaria por apertos indescritíveis que os levaria ao desespero - e à
morte de um dos seus membros. Não apenas isto, mas também à perda de alguns
animais de carga, em decorrência da falta de comida e água. Transitando por
caminhos ermos e secos, viram com imenso desgosto a tropa de burros ir sendo
dizimada, e todos os membros da comitiva padecerem de doenças e grande aflição.
Devem ter se recordado que na Feira da Conceição, ainda ao findar o primeiro
dia de viagem, foram aconselhados a desistir da viagem pelos moradores locais,
uma vez que teriam de marchar durante sete dias até chegar a um local onde
encontrariam água e comida para si e para a tropa. Mas, resolutos e
desconhecedores da realidade que encontrariam a frente, decidiram prosseguir
viagem até a localidade conhecida como Fazenda Rio do Peixe. Naquele ponto
esperavam encontrar as condições necessárias para prosseguirem viagem até o
Piauí.
Com o pensamento
firmado apenas na esperança de cumprir com a missão a que estavam imbuídos,
haviam se abastecido apenas de um pouco de milho e rapadura para alimentar a
tropa de animais, munindo-se, também, de um depósito de água para combater a
sede no difícil trajeto que teriam pela frente. A rapadura, segundo eles,
serviria para “mitigar a sede” dos animais, experiência repassada para eles
pelo guia da caravana. Encontrariam, porém, como haviam sido alertados, uma
situação desoladora: a vegetação apresentava-se esturricada e os riachos e
cacimbas completamente vazios, para infelicidade de todos. Nesse instante, o
desespero já ia tomando conta dos membros da comitiva, e até mesmo os animais
resistiam em prosseguir a marcha, à medida que adentravam mais fundo no sertão
seco e sem esperança.
A situação era tão
grave, que culminou com a invasão da casa de um velho sitiante, encontrado à
beira do caminho, para roubarem o único pote com água que o ancião guardava
escondido debaixo da cama. Este fato foi talvez o episódio que mais desagradou
os cientistas estrangeiros durante o longo percurso que fizerem pelo país. Não
havia como retroceder, contudo. E, pouco tempo depois, ganhariam novo alento ao
serem informados de que o sofrimento deles terminaria quando chegasse a uma
localidade denominada Coité. Nesse lugarejo, informaram-lhes, encontrariam uma
cachoeira que brotava de uma rocha, onde poderiam se abastecer de água para o
restante do percurso.
Cinco dias depois de
terem iniciado a difícil viagem, chegaram à localidade de Coité, lugarejo onde
ficava a tal cachoeira. E qual não foi à decepção do sofrido e angustiado
grupo: a tal cachoeira informada não passava de um filete de água gotejando da
fenda de uma grande rocha.
A água que caia
preguiçosamente da pedra era insuficiente até mesmo para abastecer a população
local que se aglomerava em torno dela, ávida pela presença do líquido precioso.
A situação que
encontraram era muito aflitiva, dada à quantidade de pessoas que se encontravam
agrupadas ali para apanharem água, gerando brigas e dissensões. E por conta
disso, o juiz do lugar estava no comando de um grupo de homens armados para
garantir a ordem e a paz do local, tão grande era a disputa por um simples copo
de água. Mesmo assim, sem outro remédio, acercaram-se da rocha para concorrer
com os nativos. Mas, quando chegaram perto da grande pedra, com a intenção
manifesta de aumentar a concorrência com as trinta pessoas que esperavam
desesperadas a sua vez, foram escorraçados para bem distante, tal era o
desespero dos que já estavam por lá. Sem outra opção, seguiram em frente com os
depósitos de água completamente vazios, tal como haviam chegado lá. Somente
dois dias depois desse lamentável incidente, encontrariam água em decorrência
de uma rápida chuva que havia caído na região. Haviam chegado à duras penas ao
lugarejo conhecido como Imbuzeiro. A água era de péssima qualidade, mas, era
água assim mesmo, mesmo suja. Nesse meio tempo, alguns animais já haviam
morrido pelo caminho e outros estavam em situação tão precária que foram
abandonados à sua própria sorte, uma vez que resistiram a dar um passo a mais.
A febre e a diarreia tomavam conta do grupo, deixando as pessoas cada vez mais
fracas e desesperadas. Não tinham outra opção, contudo, a não ser seguirem em
frente.
Finalmente, no dia
seguinte, chegaram a Rio do Peixe. Haviam conseguido atravessar a pior parte da
viagem. Ali a vegetação era um pouco diferente, apresentava-se mais esverdeada,
devido a algumas chuvas caídas. Já era até possível encontrar algumas ervas
rasteiras, proporcionando algum alimento para os animais. Do mesmo modo, havia
disponibilidade de água em cisternas encontradas pelo caminho. Logo depois
estavam chegando às margens do rio Itapecuru, onde concluíram que, de fato,
seus problemas se achavam agora bastante reduzidos, não havendo mais riscos de
vida para homens e para animais.
Ao transporem a Serra
da Itiúba, no dia seguinte, encontraram um grupo de vaqueiros que tocavam uma
boiada com cerca de 300 animais, desde o Piauí, com destino à feira de Capoame.
Foi a primeira que encontraram no caminho, e talvez a última, uma vez que, ao
penetrarem no Piauí, deixaram a estrada real e tomaram outro caminho para
Oeiras. Interessavam-se pela fauna e pela flora, além dos recursos minerais
possíveis de serem encontrados no novo território que acabavam de conhecer.
Bela crônica, muita pesquisa e conhecimento. Uma verdadeira lição de história. Parabéns, José Pedro
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